Calcolítico Research Papers - Academia.edu (original) (raw)

O povoado calcolítico muralhado de Moita da Ladra implanta-se no topo de uma elevada chaminé vulcânica, que domina todo o estuário do Tejo. O pretendido prosseguimento da exploração de uma pedreira de basalto no local determinou a sua... more

O povoado calcolítico muralhado de Moita da Ladra implanta-se no topo de uma elevada chaminé vulcânica, que domina todo o estuário do Tejo. O pretendido prosseguimento da exploração de uma pedreira de basalto no local determinou a sua escavação integral, realizada por uma vasta equipa sob a orientação dos signatários, entre Setembro de 2003 e Março de 2005, prosseguindo ainda (Maio de 2006) a exploração de uma estrutura fechada, localizada na área extramuros, aquando do desmonte acompanhado das estruturas arqueológicas, pelo que a sua publicação será efectuada noutra oportunidade.
As estruturas identificadas são de carácter defensivo e habitacional. As primeiras integram uma muralha de contorno elipsoidal, em parte desaparecida, mas cujo comprimento foi possível estimar em cerca de 80 m, possuindo a largura de cerca de 44 m, englobando duas torres maciças e uma entrada, voltada para o estuário do Tejo, que se entende do lado sul. É interessante notar que a zona do recinto com maior visibilidade - e também mais monumental -, correspondente à área onde se construíram as duas torres e a entrada referidas, incorpora massivamente blocos de revestimento, correspondentes aos parâmetros interno e externo das estruturas, de calcário branco e compacto, extraídos dos afloramentos cretácicos encaixantes do maciço basáltico existentes no sopé do morro. Tal operação envolveu o corte, transporte e colocação de várias dezenas de toneladas de blocos rochosos, quando, no próprio local, o podiam obter em abundância, com idêntica qualidade. O enorme esforço construtivo envolvido em tal operação explica-se, sobretudo, pela preocupação de conferir visibilidade acrescida ao dispositivo implantado no topo da elevação, até pelo contraste oferecido com a coloração negra dos basaltos aflorantes. Esta evidência conduz a admitir que, a par da função defensiva corporizada pelo recinto muralhado - e talvez mais importante do que ela - estaria implícita, na sua construção, a necessidade de sinalizar visualmente o lugar, através de um verdadeiro marco construído na paisagem, constituindo referência regional incontornável, especialmente para quem abordasse a região vindo do estuário do Tejo, ou nele circulasse.
Por outro lado, a implantação deste povoado calcolítico pode relacionar-se com o controlo do acesso à vasta bacia interior correspondente à várzea de Loures, cuja rede de drenagem se articula, a montante, com a bacia hidrográfica do rio Sizandro, na parte vestibular da qual se localiza o povoado calcolítico fortificado do Zambujal.
A linha de circulação natural assim definida articularia o litoral atlântico com o interior do estuário do Tejo, constituindo um caminho privilegiado para o abastecimento daquele e de outros povoados, situados no "hinterland" da Baixa Estremadura, de produtos oriundos do Alentejo, através do Tejo e da sua rede de afluentes da margem esquerda (cobre, anfibolitos. Nesta hipótese, avulta, a localização, entre outros, do povoado calcolítico fortificado do Penedo de Lexim (Mafra), o qual, implantando-se também em imponente chaminé vulcânica dominando a paisagem envolvente, ocupa a parte intermédia do referido caminho natural.
As estruturas habitacionais identificadas no interior do recinto estão representadas por covachos abertos na rocha basáltica alterada, podendo corresponder, nos casos de menores dimensões, a buracos de poste das cabanas ali existentes, ou a estruturas negativas reaproveitadas como lixeiras, como sugere o preenchimento de duas delas por cinzas e de outra por conchas de amêijoa, nalguns casos com as duas valvas ainda em conexão. Uma estrutura baixa, de planta circular, poderá corresponder a uma lareira relacionada com a metalurgia do cobre.
O espólio arqueológico recolhido provém de um único depósito pouco potente, formado sobretudo pela acumulação, ao longo da parede interna do recinto muralhado, dos materiais arrastados da parte mais alta da elevação, onde as rochas basálticas afloram actualmente. Do ponto de vista tipológico, trata-se de um conjunto coerente, caracterizado pela associação das cerâmicas decoradas do grupo "folha de acácia/crucífera" a produções campaniformes, de técnica pontilhada, integrando vasos "marítimos" e vasos com decorações geométricas. Encontra-se representada, além da metalurgia do cobre, a tecelagem e a transformação de produtos lácteos, documentando, a par de vários machados e de uma enxó de anfibolito (rocha exclusiva na utensilagem calcolítica de pedra polida), a existência de uma comunidade economicamente aberta ao exterior, possibilitando a obtenção de matérias-primas inexistentes na região.
A única fase de ocupação identificada, condiz, por seu turno, com o facto de a edificação do dispositivo muralhado ter sido efectuada de uma única vez, o que configura curto período de ocupação do sítio, que não terá excedido algumas dezenas de anos. Aquando do desmonte das estruturas calcolíticas, com o correspondente, foram recolhidos diversos materiais neolíticos, onde avultam as cerâmicas com decorações impressas e incisas, utensilagem de pedra lascada e de pedra polida (com destaque para uma enxó votiva e um machado, ambos com os gumes intactos, de fibrolite), corporizando importante ocupação do Neolítico antigo evolucionado, circunscrita à zona sul-ocidental da elevação em zonas altas desta mesma região.