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RESUMO A tese é resultado de um exercício comparativo de trabalho de campo, conduzido no Brasil, em uma favela situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, denominada “Morro do Palácio”, entre 2015 e 2017; bem como na África do... more

RESUMO
A tese é resultado de um exercício comparativo de trabalho de campo, conduzido no Brasil, em uma favela situada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, denominada “Morro do Palácio”, entre 2015 e 2017; bem como na África do Sul, em Maboneng, em um distrito de Joanesburgo, entre junho e dezembro de 2017. Ele procura explorar as formas cotidianas da política e analisa o funcionamento de estruturas de desigualdades de longo prazo através da observação direta de formas mundanas de mecanismos mais amplos de manejo da pobreza em ambos os países. Como pano de fundo comum para comparação, argumentamos que os dois sítios compartilham um passado “colonial” que os conecta através da perspectiva dos debates contemporâneos sobre o “sul-global”. Além disso, em ambos os países, no que se refere as estratégias para governar a pobreza e administrar as desigualdades sociais, vem à luz o funcionamento de uma economia discursiva do risco, crítica para a compreensão das forças que organizam a espacialidade e a circulação de pessoas nas duas cidades, produzindo áreas segregadas. Apesar de suas semelhanças, como gostaria de afirmar, essas experiências são distintas em dimensões bastante significativas. No caso de Maboneng, a idéia de risco, postulada pela relação com seu ambiente “degradado” imediato (inner city), serviu de vetor para a instalação de um mercado liberal, abrigado por políticas governamentais de “desenvolvimento urbano” e habitação popular (affordable housing). A operação desses mercados (de imóveis, segurança privada, empresas de despejo e outros) produz Maboneng como um espaço segregado “desenvolvido”, um “lugar de luz”, delineado pelas sombras que projeta em torno de si, como uma “favela ao contrário”. Nesse caso, a convergência do que chamei de “forças de interesse público” - um obscuro ator neoliberal, criado pelo conluio de forças entre o Estado, o mercado e uma ficção capturada de “sociedade civil” - parecia produzir descontinuidades no espaço e no status de cidadania dos sujeitos, com um apoio importante do município de Joanesburgo, mas operando através de uma perspectiva dita “liberal” de mercado. Eu descrevi brevemente a operação mundana desses mercados da minha própria perspectiva da vida diária, enquanto ex-residente de Maboneng, uma “comunidade urbana desenvolvida”. No caso do Palácio, uma favela do Rio de Janeiro, observei exatamente o oposto. Essa economia política do risco parecia funcionar para impedir, em vez de favorecer, o estabelecimento de um mercado liberal, articulando em seu lugar, através de uma série sistemática de processos de “descreditação”, o que chamei de “mercados de exclusão”, operados principalmente pelo Estado. Tentei descrever o funcionamento desses mercados como uma série articulada de mecânicas de poder enraizadas no cotidiano do Palácio, explicando sua dimensão política por meio dos empreendimentos de meus interlocutores, suas táticas para tornar sua vida material e moralmente viável na favela, uma área dita “perigosa”, um lugar habitado por pessoas desacreditadas.

ABSTRACT
The thesis is the result of a comparative fieldwork exercise, conducted in Brazil, in a “favela” (slum) situated on the Metropolitan Region of Rio de Janeiro city, called “Morro do Palácio” (Palace Hill), between 2015 and 2017; as well as in South Africa, at Maboneng, a precinct of Johannesburg, between June and December of 2017. It seeks to explore the everyday forms of politics and analyses the working of long-term structures of inequalities through the direct observation of very mundane forms of broader mechanics of poverty management in both countries. As a comum background for comparison, we argue that the two sites share a “colonial” past that connects them through the perspective of the contemporary debates on the "global-south". Besides that, in both countries, in terms of strategies to govern poverty and managing social inequalities, it comes to light the workings of a very compelling discursive economy of “risk”, that organizes the spaciality of the two cities, Rio and Johannesburg, and the circularity of people, creating segregated areas. Despite their similarities, as I’d like to affirm, those experiences are distinct in quite significant dimensions. In the Maboneng case, the idea of risk, posited by the relationship with its “degraded” immediate environment (inner city), served as a vector to the installation of a liberal market, sheltered by governmental policies of “urban development” and "affordable housing". The operation of those markets (real estate, private security, eviction companies and others) produces Maboneng as a “developed” segregated space, a “place of light”, delineated by the shadows it projects around itself, like a "favela in reverse”. In that case, the convergence of what I call “public interest forces” - a shadowy neoliberal player, created by the collusion of the idea of State, market forces and a captured fiction of “civil society” - seemed to produce discontinuities in the citizenship status of the subjects, with an important support of the Johannesburg municipality, but operating through a liberal market perspective. I have briefly described the mundane operation of those markets from my own daily life perspective, as a former resident of Maboneng, an allegedly "developed" urban community. In the case of Palácio, a Rio de Janeiro favela, I observed the exact opposite. That political economy of risk seemed to work to prevent, instead of favoring, the establishment of a liberal market, articulating in its place, through a series of systematic “discreditations”, what I’ve called "markets of exclusion", mainly operated directly by the State. I tried to describe the functioning of those markets as an articulated series of power mechanics rooted in Palacio’s daily life, explaining its political dimension through the enterprises of my interlocutors, their tactics to make their lives materially and morally viable in the favela, a “dangerous place” inhabited by discredited people.