Cinéma Français Research Papers - Academia.edu (original) (raw)

Em “Cabíria, ou a viagem aos confins do neorrealismo” (1957, "Cahiers du cinéma"), André Bazin se propunha a difícil tarefa de incluir no cinema neorrealista a obra de Frederico Fellini. Como Gilles Deleuze notaria mais tarde, o crítico... more

Em “Cabíria, ou a viagem aos confins do neorrealismo” (1957, "Cahiers du cinéma"), André Bazin se propunha a difícil tarefa de incluir no cinema neorrealista a obra de Frederico Fellini. Como Gilles Deleuze notaria mais tarde, o crítico não tomaria a posição política como critério básico para definir esse movimento, fazendo-o antes por meio de elementos formais articulados ao conceito de “realismo”. Se tal conceito é tradicionalmente lido, na obra de Bazin, a partir de seu ensaio “Ontologia da imagem fotográfica” (1945, "Problèmes de la peinture"), um dos objetivos desse trabalho é refletir sobre os matizes adquiridos por esse realismo no contexto mais definido da crítica circunstancial de filmes. Sendo assim, serão discutidas as análises feitas por Bazin a respeito de três obras: A esperança (1945, dir. André Malraux), Paisà (1946, dir. Roberto Rossellini) e A batalha dos trilhos (1946, dir. René Clément). Ora, no momento mesmo em que buscava sentar as bases de uma definição ontológica da imagem, Bazin voltava-se para filmes que retomavam acontecimentos políticos recentes, como a resistência à ocupação alemã ou a Guerra Civil espanhola. A análise dos comentários do crítico a respeito dessas três obras nos permite, assim, identificar suas primeiras formulações em torno do que se poderia chamar de uma “retórica da transparência”, isto é, uma concepção de realismo como resultado de um trabalho de mise en scène. Anos depois, a propósito de filmes como Umberto D. (1952, dir. Vittorio de Sica) ou Diário de um pároco de aldeia (1951, dir. Robert Bresson), Bazin chamaria a atenção para a crise do acontecimento dramático, com a redução tendencial do roteiro aos gestos cotidianos. Ora, é possível afirmar que essa tendência se encontrava presente já nos referidos filmes do imediato pós-guerra, ainda que com arranjos diversos. Dessa forma, seja em suas reflexões gerais (a “Ontologia da imagem fotográfica”), seja por meio da análise circunstanciada, é possível notar a preocupação com o novo status político da imagem cinematográfica no pós-guerra, quando, por exemplo, ela adquire status de prova jurídica nos Processos de Nuremberg (1945-1946). Decorre desse novo lugar político das imagens um importante questionamento a respeito da tarefa da crítica: não apenas indicar o apelo ideológico do filme, mas sobretudo prolongar suas imagens, criar uma situação em que ao leitor-espectador é dada a tarefa de construção do sentido.