Comunicação Comunitária Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
A pesquisa aqui apresentada investiga como as rádios mexicanas Frecuencia Libre e a Radio Rebelde estão envolvidas na construção da autonomia política zapatista a partir da perspectiva dos usos sociais dos meios, por meio de um mapeamento... more
A pesquisa aqui apresentada investiga como as rádios mexicanas Frecuencia Libre e a Radio Rebelde estão envolvidas na construção da autonomia política zapatista a partir da perspectiva dos usos sociais dos meios, por meio de um mapeamento das mediações e do estudo da constituição de um imaginário radical autonômico marcado pelas articulações com outros grupos e povos pela conquista da justiça social. Busca-se saber como as comunidades autônomas se apropriam de rádios comunitárias; qual a relação entre as matrizes culturais das comunidades e a escuta de programas; e em que medida a comunicação radiofônica é apropriada e entrelaçada ao imaginário dos ouvintes. Para tanto, foram traçados dois eixos conceituais de reflexão. O primeiro problematiza os estudos de recepção, os usos sociais dos meios e os sentidos culturais, tendo como referências autores latino-americanos, como Martín-Barbero, Guillermo Orozco, Jorge González, Galindo Cárceres, Itânia Gomes, Nilda Jacks, Veneza Ronsini, entre outros. Esses estudos nos permitem olhar para as rádios zapatistas como fenômenos de comunicação popular, produzidos pelos excluídos dos meios massivos num contexto marcado por conflitos, contradições sociais, lutas históricas e uma inevitável diversidade e mestiçagem cultural. A análise, que parte das mediações elencadas por Martín-Barbero, requer a observação de quatro elementos estruturantes do processo comunicacional: as matrizes culturais, as competências de recepção, as lógicas de produção e os formatos dos meios. Através da relação entre estes elementos e as dinâmicas das rádios não comerciais, é possível observar as mediações configuradas pelas institucionalidades, as tecnicidades, as ritualidades e as sociabilidades das emissoras. O mapa noturno dos usos sociais das rádios zapatistas construído por estas mediações - alimentadas pelas relações entre matrizes culturais, temporalidades, endereçamentos, lógicas de produção, competências e sentidos culturais – permite o deslocamento necessário até as práticas culturais que circundam e relacionam-se à atuação das rádios. De forma geral, as institucionalidades são investigadas a partir das tensões entre a autonomia e a política governamental, entre a resistência e a perseguição e entre o mercado e a sustentabilidade, e os conceitos e as práticas dos meios livres, alternativos e comunitários. Neste momento, também analiso as matrizes culturais das emissoras a partir dos endereçamentos produzidos pela enunciação radiofônica. Para pensar as tecnicidades nas rádios zapatistas, traço interfaces entre a oralidade, predominante nas comunidades rurais e na linguagem do rádio, e as características da tecnologia e das técnicas radiofônicas. Já as coordenadas referentes às ritualidades abrangem as diferentes temporalidades sociais das emissoras e dos ouvintes que criam, a partir desta relação, ritmos de escuta e emissão. Por fim, por meio da socialidade, a pesquisa investiga as apropriações dos ouvintes das rádios zapatistas imergindo nos mundos possíveis criados através dos sentidos culturais da recepção. O segundo eixo teórico que sustenta a reflexão aqui realizada articula as noções de autonomia e política agonística. O processo de construção da autonomia é discutido com o auxílio da abordagem de autores que pesquisam e militam no movimento zapatista, como John Holloway, Enrique Ouviña, Hector-Diaz e Gustavo Estava. Também recorro a Cornelius Castoriadis e Chantal Mouffe para ampliar as noções dos conflitos políticos e imaginário radical autonômico, presentes no objeto. A reflexão teórica foi realizada paralelamente a quatro imersões de campo, em julho de 2013, janeiro e julho de 2014 e julho a dezembro de 2015 e uma visita pré-exploratória em janeiro de 2011, momentos em que se fez pesquisa documental, registro da programação das emissoras e entrevistas com três grupos de atores sociais. Primeiro, em julho de 2013, dialoguei com oito intelectuais e lideranças políticas relacionadas de alguma maneira aos zapatistas, aos
meios livres ou às comunidades indígenas no intuito de conhecer o papel do zapatismo, a organização das comunidades autônomas e a importância do rádio neste processo político. Cinco produtores e apresentadores da Frecuencia Libre formaram o segundo grupo. Nestas entrevistas, realizadas entre julho e agosto de 2015, questionei sobre a história dos programas, os processos de produção, a audiência, a participação no coletivo e o papel da emissora no município. Não foi possível realizar estas entrevistas com os produtores da Radio Rebelde por falta de autorização não justificada da Junta de Bom Governo do Caracol Rebeldia e Resistência pela Humanidade em Oventic, organização política responsável pela emissora. O terceiro grupo entrevistado é composto pelos receptores das duas emissoras, subdivididos em doze ouvintes da cidade de San Cristóbal de Las Casas e cinco da comunidade de San Isidro de La Liberdad, entrevistados em janeiro e julho de 2014. Apresento os sentidos da escuta das rádios zapatistas não só com base nas narrativas dos receptores entrevistados, mas de seus relatos de vida e nas condições socioculturais observadas. Para a análise das institucionalidades e tecnicidades que perpassam a produção das emissoras, foram realizadas gravações da programação da Radio Rebelde e da Frecuencia Libre de três semanas consecutivas, sendo a primeira entre 9 a 30 de julho de 2013 e a segunda de 20 de julho a 10 de agosto de 2015. Depois foi selecionada uma edição de cada programa da Frecuencia Libre e um programa de cada dia da semana, não necessariamente consecutivos, da Radio Rebelde (dado que sua programação não possui grade fixa de programas) com o conteúdo mais diverso possível. As emissões selecionadas foram transcritas para análise dos endereçamentos e das matrizes culturais (racional-iluminista e simbólico-dramática). A contribuição das rádios zapatistas para a construção da autonomia vai além das temporalidades diferenciadas, das lógicas de resistência e das matrizes culturais simbólico-dramática dos povos originários e racional-iluminista dos intelectuais que constituem seus endereçamentos, programações e organizações. Encontra-se também nos sentidos dados às emissoras pelos ouvintes a partir das apropriações em seu cotidiano, memórias e imaginários.