Comunidades Quilombolas Research Papers - Academia.edu (original) (raw)

O presente relatório antropológico é uma das peças técnicas que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação elaborado com vistas a instruir o Processo INCRA n. 54100.002185/2004-20 de regularização fundiária... more

O presente relatório antropológico é uma das peças técnicas que compõem o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação elaborado com vistas a instruir o Processo INCRA n. 54100.002185/2004-20 de regularização fundiária de comunidades quilombolas, provocado pela Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Município de Oriximiná. Referido processo versa sobre a identificação e delimitação do território quilombola Jamari/Último Quilombo, abrangente das comunidades do Jamari, Curuçá, Juquirizinho, Juquiri Grande, Palhal, Nova Esperança e Último Quilombo, situadas ao longo do rio Trombetas, no interior da Reserva Biológica do Rio Trombetas e da Floresta Nacional Saracá-Taquera, município de Oriximiná, Estado do Pará, Brasil. A região em que está localizado o território pesquisado é conhecida por seu pioneirismo no reconhecimento e titulação de terras quilombolas em atendimento ao que prescreve o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; contudo, é igualmente marcada por históricos conflitos socioambientais que envolvem as comunidades remanescentes de quilombos, o grande projeto de exploração mineral desenvolvido pela Mineração Rio do Norte e os órgãos ambientais que se sucederam na gestão das duas unidades de conservação mencionadas acima, instituídas em 1979 e 1989, respectivamente, sobrepostas às terras tradicionalmente ocupadas pelos grupos negros cuja origem presumida remonta aos quilombos formados à montante e à jusante das cachoeiras do rio Trombetas e seus afluentes. Diante de tais conflitos, as comunidades negras rurais do Jamari/Último Quilombo, assistidas por mediadores externos relacionados à Igreja Católica e a movimentos sociais, a partir do final da década de 1980, experimentaram processos de identificação étnica e formalização de agrupamentos comunitários, que funcionaram como importantes estratégias de resistência à opressão historicamente sofrida, bem como oportunidades de reencontro com sua historicidade e ancestralidade, revalorizando os traços étnico-culturais que singularizam as comunidades remanescentes de quilombos da região. Ditos processos conduziram ainda a dinâmicas de restruturação do espaço, transformando parcialmente a disposição de algumas unidades familiares no território, que então se congregaram em torno de princípios religiosos e estruturas comunitárias, o que favoreceu sentimentos de pertença a entidades coletivas, embora os quilombolas já se caracterizassem por intensas relações de parentesco, compadrio e vizinhança que, desde há muito, propiciam constantes e duradouras interações entre os grupos familiares, tanto nas relações produtivas e nas trocas de mercadorias quanto nas festividades quilombolas tradicionais e em outras ocasiões que exteriorizam formas de reciprocidade e solidariedade.
Foi neste contexto que emergiu, em 2004, a pretensão territorial dos quilombolas do Jamari/Último Quilombo, cujo processamento administrativo demandou o relatório antropológico que segue abaixo, em função da determinação contida no art. 10, inciso I, da Instrução Normativa INCRA n. 57/2009. Seguindo as orientações contidas nesta norma e os termos do contrato firmado com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, a pesquisa foi realizada por equipe multidisciplinar contratada pela Ecodimensão – Meio Ambiente e Responsabilidade Social Ltda., com o objetivo de produzir e interpretar dados históricos, ambientais, econômicos e socioculturais relativos ao território Jamari/Último Quilombo, os pesquisadores contratados recebendo ainda contribuições dos técnicos que integram a equipe do INCRA, SR 30 – SANT quanto à produção de dados cartográficos e demográficos, assim como nas discussões com os sujeitos pesquisados acerca da extensão e da circunscrição do território pretendido, em reuniões realizadas com moradores das comunidades pleiteantes em junho de 2013. Entre os meses de julho e outubro de 2012, foram desenvolvidas as etapas de levantamento histórico-bibliográfico e de informações ambientais, acompanhadas por uma etapa de pesquisa etnográfica, com duração de vinte e cinco dias, em que cerca de cinquenta, dos aproximadamente quinhentos, moradores do território foram entrevistados mediante entrevistas semiestruturadas e não estruturadas, seguidas de observações diretas levadas a efeito nas sete comunidades que pertencem ao território. Estas etapas de pesquisa, metodologicamente, privilegiaram aspectos históricos e antropológico-econômicos, dedicando particular atenção à reconstrução da história (documentada e oral) dos remanescentes de quilombo estudados, seus modos tradicionais de produção e de troca, suas relações territoriais específicas, estratégias de uso e apropriação da terra e dos recursos naturais, assim como os correlatos processos de territorialização e identificação étnica, perpetrados em face do avanço da fronteira econômica capitalista rumo às terras quilombolas, que trouxe consigo novos modos de produção ao entorno do rio Trombetas – ambientalmente bem mais degradantes do que as práticas econômicas tradicionais dos quilombolas –, e da instituição de unidades de conservação federais sobrepostas às terras tradicionalmente ocupadas pelos grupos negros que, desde tempos antigos, encontravam-se estabelecidos na área hoje em pretensão junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.