Direito à Memória Research Papers (original) (raw)

No presente artigo refletimos sobre os conflitos de memória evidenciados pela biografia cultural (KOPYTOFF, 2008) de objetos produzidos em homenagem a Marielle Franco e Eduardo de Jesus. Marielle foi assassinada em 2018 quando era... more

No presente artigo refletimos sobre os conflitos de memória evidenciados pela biografia cultural (KOPYTOFF, 2008) de objetos produzidos em homenagem a Marielle Franco e Eduardo de Jesus. Marielle foi assassinada em 2018 quando era vereadora da cidade do Rio de Janeiro. Alguns anos antes, em abril de 2015, Eduardo de Jesus, então com 10 anos, morador do Complexo do Alemão (RJ) foi assassinado por policiais na porta de sua casa. O assassinato de ambos gerou inúmeras mobilizações sociais, ainda que com amplitudes distintas, entre elas a fixação de "placas de rua" com seus nomes em diferentes espaços da cidade. A placa “Rua Marielle Franco” foi colocada por manifestantes na Cinelândia, centro da cidade, em frente à Câmara Municipal, palco histórico de inúmeras mobilizações políticas, incluindo o velório de Marielle. No contexto das eleições de 2018, a placa em sua homenagem foi quebrada em duas partes em um comício. Um dos autores da retirada da intervenção foi eleito deputado estadual e passou a exibir uma parte da placa quebrada emoldurada em seu gabinete na Assembleia Legislativa. Em contraposição à exibição do objeto - e espécie de troféu - reduzido à condição de fragmento, observamos uma proliferação das placas para celebrar Marielle. Já a placa “Beco Eduardo de Jesus Ferreira” foi instalada um ano após a morte do homenageado, em ato organizado por seus familiares, movimentos sociais do Complexo do Alemão e outros atores, no beco onde Eduardo viveu e morreu. Ao retornar ao local em 2018, juntamente com a mãe do menino, Thainã Medeiros, um dos idealizadores da homenagem, constatou o sumiço da placa, que foi retirada por policiais. A nomeação de espaços públicos, conforme denunciou o museólogo e ativista, integra disputas de imaginários. O desaparecimento da homenagem a Eduardo constitui, assim, explícita negação do “direito à memória” por parte do Estado. A tentativa de retirada desses suportes de memória da arena política, contudo, não levou ao desaparecimento deles. A “viralização” da placa Rua Marielle Franco e a inserção da placa Beco Eduardo de Jesus em um repertório de luta de moradores de favelas - pelo direito a lembrarem de seus mortos e cobrança por justiça - nos interessam como mobilizadoras de gramáticas de lembrança e esquecimento. Desse modo, exploramos distintas estratégias que possibilitam modos de narrar o lugar e, por conseguinte, produzir a memória, entendida por Halbwachs (1997) como “fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes”.