Epidemial Virology Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
O conceito de "fato social total" foi proposto pelo sociólogo francês Marcel Mauss em seu clássico texto Ensaio sobre a Dádiva 1 , publicado em 1925. Segundo Mauss 1 (p. 191), "[os fatos sociais totais] põem em movimento, em certos casos,... more
O conceito de "fato social total" foi proposto pelo sociólogo francês Marcel Mauss em seu clássico texto Ensaio sobre a Dádiva 1 , publicado em 1925. Segundo Mauss 1 (p. 191), "[os fatos sociais totais] põem em movimento, em certos casos, a totalidade da sociedade e das suas instituições (...) Todos estes fenômenos são, a um tempo, jurídicos, econômicos, religiosos, e mesmo estéticos...". A pandemia de COVID-19, seja em escala global ou em cada um dos países e regiões onde o vírus circula, é, de nosso ponto de vista, um desses processos que pode ser inter-pretado como "fato ou fenômeno social total". Nela se manifesta um amplo leque de di-mensões (economia, religião, legislação, moralidade, estética, ciência), em imbricações al-tamente complexas. Todavia, em segmentos sociais específicos, observam-se conformações próprias. É o caso dos povos indígenas no Brasil, uma parcela da população que tem sido duramente atingida pela pandemia 2. A COVID-19, como "fato social total", expõe as múltiplas dimensões e tensões provo-cadas pela atuação do Estado na implementação de políticas públicas dirigidas a minorias étnico-raciais no Brasil. Ficam evidentes não somente os impactos, como também as mo-dalidades de resistência e enfrentamento do movimento etnopolítico indígena. Isso para não mencionar que as implicações da pandemia envolvem questões que, no caso dos povos indígenas, vão desde a insegurança alimentar e medo de sair das aldeias à violência simbó-lica de não ser possível realizar ritos funerários tradicionais, no caso de pessoas falecidas decorrentes da COVID-19. Epidemias de doenças infecciosas e parasitárias têm sido trágicas recorrências ao longo dos cinco séculos da história da relação entre os colonizadores e os povos indígenas no que é atualmente o território brasileiro. E não são eventos de um passado distante. Persistem na memória individual e coletiva de muitos povos que, não muitas décadas atrás, sofreram os efeitos de doenças associadas ao contato. Em especial na Amazônia Legal, durante a segun-da metade do século XX, dezenas de povos que viviam em isolamento, ou parcialmente iso-lados, foram súbita e violentamente impactados por projetos desenvolvimentistas. Por te-rem seus territórios situados em áreas cruzadas por rodovias e rapidamente ocupadas por não indígenas, esses povos foram arrasados por epidemias de sarampo, influenza, malária e tuberculose. Centenas de indígenas morreram nos desastrosos episódios que marcaram