Extremo Sul da Bahia Research Papers (original) (raw)
Este estudo consiste em uma contribuição para um melhor entendimento sobre a produção de um espaço que figura no imaginário nacional como a primeira porção da América avistada por uma armada portuguesa e como lugar do idílico porto seguro... more
Este estudo consiste em uma contribuição para um melhor entendimento sobre a produção de um espaço que figura no imaginário nacional como a primeira porção da América avistada por uma armada portuguesa e como lugar do idílico porto seguro onde a colonização e a história do Brasil teriam se iniciado: a atual região Extremo Sul do estado da Bahia. Entretanto, contrariamos aqui tal perspectiva etnocêntrica que também predomina na quase totalidade da literatura sobre a produção desse espaço e evidenciamos não apenas as contribuições da cultura portuguesa para a mesma, mas também os papéis e legados de três culturas pré-cabralinas que determinaram, direta ou indiretamente, muitas das feições que essa região apresenta hoje e uma grande parte da trajetória e dos resultados da colonização portuguesa. A saber: as culturas sambaquieira, Aratu e Tupiguarani. Para tanto, identificamos, analisamos, cotejamos, interpretamos e, não raro, re-interpretamos uma ampla variedade de fontes que oferecem subsídios geomorfológicos, ecológicos, arqueológicos, históricos, etnológicos, lingüísticos, arquitetônicos, urbanísticos, cartográficos e iconográficos sobre, primeiro, as principais dimensões naturais do Extremo Sul da Bahia e as suas variações especialmente nos últimos 10.000 anos; segundo, as principais culturas que habitaram a região e as suas relações consigo mesmas e com outras culturas, com o que entendiam por natureza e recursos naturais e com o deus ou deuses que veneravam; e terceiro, como essas relações ou modos de reprodução social repercutiam nos seus modos de produção do espaço ou, mais especificamente, no processo de escolha dos seus espaços, nos agenciamentos das suas dimensões naturais e culturais e nas variadas categorias espaciais que eram geradas. Este esforço foi motivado principalmente pela necessidade de se enfrentar uma série de problemas éticos e científicos causados por um entendimento sobre a alteridade dos indígenas brasileiros que data do longínquo século XVI e que lhes creditou ora uma condição edênica, ora uma condição bestial. Reproduzido por séculos a fio, tal entendimento quimérico constituiu a base da persistente noção de que os indígenas são seres destituídos de razão, cultura, história e desejo e o fundamento ético e moral com que se buscou validar tanto a sua colonização e das ditas matas virgens e terras de ninguém onde habitavam quanto de um dos maiores genocídios da história da humanidade. Portanto, este estudo consiste também em um apelo para que reflitamos sobre a posição periférica à que temos relegado nossos ancestrais e contemporâneos indígenas na história, memória e patrimônio cultural nacional e, por extensão, sobre o nosso próprio sentido de alteridade. Por este meio, esperamos contribuir tanto para que se faça justiça a todas as culturas que têm tomado parte na formação do Brasil quanto para a construção de um futuro onde todos os seres humanos nasçam de fato “livres e iguais em dignidade e direitos”, como reza o Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos.