Gestos Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
No intuito de esboçar uma genealogia do imaginário estético da passagem do século XIX para o XX, o artigo explora, a partir da aproximação feita por Jean Galard entre dandismo e dadaísmo, o chamado "efeito de parcimônia" do gesto poético,... more
No intuito de esboçar uma genealogia do imaginário estético da passagem do século XIX para o XX, o artigo explora, a partir da aproximação feita por Jean Galard entre dandismo e dadaísmo, o chamado "efeito de parcimônia" do gesto poético, ou seja, o efeito estético gerado quando se atinge o máximo de transformação de uma situação ou efeito de sentido com o mínimo movimento. Trata-se de um equilíbrio tênue entre sutileza e impacto, delicadeza e choque, nuance e escândalo. Verificamos como essa mesma aproximação é feita por Bourriaud 1 , recorrendo a passagens de Baudelaire e d'Aurevilly sobre o dandismo e às considerações de Bürger sobre o dadaísmo. 1 Por um acaso digno de nota, tanto em Formas de vida (2011), de Bourriaud, quanto em A beleza do gesto (1997), de Galard, são exatamente nas páginas 51 e 52 que aparecem essas comparações. energias ínfimas. Nessa chave da economia dos meios, o mutismo do gesto terá um alto rendimento. A parcimônia de linguagem é sempre bela. O gesto silencioso e medido, desencadeando por si só a transformação de sentido de uma situação, representará, portanto, um caso notável do efeito estético, pelo menos como ele é aqui encarado" (GALARD, p. 51, grifos nossos). Ou seja: o "efeito de parcimônia" é definido como esse efeito estético conquistado pelo leve deslocamento que transforma o sentido de uma situação por meio do gesto silencioso e medido, mobilizando energias ínfimas. Galard, ainda sobre a "economia dos meios" e o "efeito de parcimônia", prossegue, citando um exemplo anedótico em que o lendário dândi George Brummell se aproveita do aparato de uma cerimônia real para, com um simples gesto, conseguir um grande efeito 2 . O autor desenvolve, ao longo do capítulo em vista, a questão do contraste entre a extrema simplicidade de um gesto versus sua riqueza simbólica, denominando-o "efeito de simplicidade" (p. 56). O argumento desemboca em uma comparação com a noção de "parcimônia" em Freud, em O chiste e suas relações com o inconsciente: ao dizer uma palavra carregada de diversos sentidos, ao mesmo tempo que se economiza energia na pronúncia, há, na elaboração, um dispêndio de energia psíquica (compressão de sentido, denominado por Freud justamente como "parcimônia"). Detenhamo-nos, doravante, em outro autor que também elege como foco a estetização do cotidiano: o crítico e teórico de arte Nicolas Bourriaud, em Formas de escárnio) de Duchamp, com seu gosto pela aporia e sua estética pautada na provocação, aproxima-se do cinismo dândi, no sentido da quebra dos padrões e do efeito de suspensão da validade das convenções. Esses aspectos orbitam sobre o que nos parece central no projeto de dissolução das fronteiras entre arte e vida: uma atenção renovada ao detalhe do cotidiano, na chave de uma ética estética. Essa revalorização é atualizada no efeito de parcimônia do dândi (com seu refinamento aristocrático) e dos dadaístas (na exploração do espontâneo). O situacionismo explora esse efeito de maneira profícua.