História Da Literatura Brasileira Research Papers (original) (raw)

O cânone nacional brasileiro exclui essas obras por serem, cronologicamente, anteriores ao nascimento do Brasil como Império e, posteriormente, como República. Felizmente, nos últimos decênios já não se pode dizer que a poesia de Gregório... more

O cânone nacional brasileiro exclui essas obras por serem, cronologicamente, anteriores ao nascimento do Brasil como Império e, posteriormente, como República. Felizmente, nos últimos decênios já não se pode dizer que a poesia de Gregório de Matos seja uma novidade, mas sim se pode apreciar um interesse especial pelo seu suposto viés subversivo. No entanto, vale a pena lembrar, com as palavras sempre certeiras de Hansen, que as Letras escritas na América Portuguesa «não questionam a própria instituição do privilégio, mas os abusos, que são caracterizados como vulgares, néscios e também bárbaros e heréticos» (Hansen 2019: 51). No outro lado do Atlântico, o cânone nacional português desconheceu a maior parte desses textos por serem, geograficamente, alheios ao Portugal europeu (e ilhas: Açores e Madeira). Eram textos que, de um e do outro lado do Atlântico, não encaixavam nas formações das literaturas nacionais que começaram a se estabelecer a partir do século XIX. No entanto, esses textos são testemunhos de uma rica e complexa vida cultural transatlântica nos séculos XVI, XVII e XVIII. Havia autores, havia textos, havia leitores, e todos em estreita relação com o que se escrevia e lia (ou encenava) em Portugal e, em geral, na Península Ibérica. A cronologia e a geografia, o tempo e o lugar (chronos e topos) atuaram como categorias redutoras de uma heterogeneidade cultural inerente a qualquer espaço cultural, logo, também ao espaço cultural luso-brasileiro. Atualmente, as literaturas nacionais não feneceram, mas perderam o seu lugar eminente no panteão do saber universitário de cada país. O projeto homogeneizador da Modernidade não mais vigora no presente. Interessam, agora, as práticas culturais dialógicas, transculturais, transfronteiriças, poliglotas e híbridas, que propiciam o resgate e a interpretação de textos e discursos ausentes do cânone mais frequentado, como podem ser os textos produzidos na América Portuguesa. Em suma, textos, práticas culturais e formas de ler de um tempo passado, que se regiam por outros modelos retórico-poéticos e teológico-políticos, e que se reproduziram por quase trezentos anos nos Estados do Brasil e do Maranhão e Grão-Pará, partes inalienáveis do Reino de Portugal: Letras na América Portuguesa.