History of the Portuguese Empire Research Papers (original) (raw)

A Constituição Política da Monarquia Espanhola, de 19 de março de 1812, seria conhecida na Espanha como a Constituição de Cádiz. Sua elaboração precoce fez da Espanha um dos primeiros países do mundo a ter sua Constituição escrita. Ela... more

A Constituição Política da Monarquia Espanhola, de 19 de março de 1812, seria conhecida na Espanha como a Constituição de Cádiz. Sua elaboração precoce fez da Espanha um dos primeiros países do mundo a ter sua Constituição escrita. Ela foi o resultado da luta organizada pela sociedade espanhola contra o Imperador Bonaparte e se tornaria o bastião do liberalismo durante a década de 1820 em todo o Ocidente, influenciando países europeus e americanos que lutavam pelo constitucionalismo e a limitação da monarquia. A França, longa aliada, havia coagido a dinastia reinante a entregar a coroa em 1808. A resposta da população foi a resistência organizada. O invasor estrangeiro seria recebido por uma população pronta para o enfrentamento – que resultaria, inclusive, na primeira derrota de Bonaparte em terra –, e por uma elite preparada para organizar um movimento político que culminaria no texto constitucional.
Influenciada pelas experiências francesas e americanas, a Constituição de Cádiz foi um texto liberal. Suas normas estabeleciam a democracia representativa por meio de um sufrágio de quatro graus. Ao contrário das tendências da época, poucos requisitos existiam quanto a rendas ou propriedades. Os espanhóis escolheriam seus representantes, e a eleição seria feita com mais liberdade do que as constituições antecedentes haviam permitido.
A influência sobre a Constituição, no entanto, não foi só a da ruptura e da separação em busca da liberdade. A Constituição de Cádiz também foi marcada pela experiência inglesa, pelo desejo de manter instituições estáveis, respeitando a história e a tradição. Não é por acaso que o seu preâmbulo enuncia que as cortes estavam restabelecendo as antigas leis fundamentais da monarquia, acompanhadas das mudanças oportunas – alterações muito amplas, influenciadas pelo liberalismo. Não seria esquecido o respeito às leis medievais e às tradições do povo. A norma não foi uma simples reação ao sistema anterior, não negaria as suas instituições históricas. Como proferiram os deputados espanhóis, havia séculos as antigas leis já eram a Constituição da Espanha, que agora seria escrita e modificada para atender às necessidades contemporâneas.
Sob os auspícios das ideias dessas três influências – invasão estrangeira, liberalismo francês e respeito ao passado – se reuniriam os deputados, cerca de trezentos. Quase um terço desse grupo era de membros do clero. Os advogados e os servidores públicos formavam um grupo de cerca de cinquenta membros cada, e os militares eram quase quarenta. Os demais grupos sociais eram fracamente representados. Os trabalhos foram conturbados. As discussões envolviam os principais temas do liberalismo, que precisavam ser adaptados para a realidade da Espanha. A Constituição de Cádiz precisaria reger um país sitiado, que manteria o sistema monárquico, era muito religioso, temia um caos como o criado pela Revolução Francesa e, no entanto, almejava criar uma das normas mais liberais e democráticas do seu tempo.
O produto dos trabalhos foi o estabelecimento de uma monarquia constitucional moderada, amplamente limitada pelo principal órgão de representação – as cortes. Esse legislativo, por sua vez, passaria a ser o centro de emanação das leis e das principais decisões da Espanha. Uma profunda igualdade entre os espanhóis foi estabelecida, e apesar de tantos membros do clero, a Igreja perdeu quase todos os seus privilégios, ao lado das demais classes distinguidas anteriormente. Muitos foram os avanços: a liberdade de imprensa, o fim dos tormentos, os direitos individuais à liberdade e à educação, a jurisdição unificada no Estado, o fim das corporações de ofício, a igualdade entre americanos e europeus, a representação proporcional à população, e por fim, a submissão igualitária de todos à Constituição e à lei.
Com a queda de Napoleão em 1814 e a formação da Santa Aliança, a restauração da monarquia teria lugar em toda a Europa, e também na Espanha. A Constituição de Cádiz cairia apenas dois anos depois de viger, com a volta do rei destituído. Os reis voltavam à política com poderes semelhantes aos do passado. Devido à guerra e ao curto período de vigência, especialistas afirmam terem existido poucos efeitos concretos das normas gaditanas sobre a sociedade nesses primeiros dois anos.
A história da norma espanhola não seria tão lembrada se tivesse vigido apenas esses dois anos iniciais. Através da vontade popular e do exército, a Constituição seria reposta em vigência para o chamado Triênio Liberal, entre 1820 e 1823. Nesse período a inspiração foi grande para todo o mundo ocidental: ela era a mais influente Constituição liberal vigendo na Europa. Os outros países haviam voltado a ser governados por monarcas centralizadores do poder político. O liberalismo que restava havia sido restringido na Europa. Na França, governava novamente um Bourbon, apesar das limitações impostas. Por sua história de criação e por ser um bastião de resistência liberal durante a restauração, o texto espanhol foi, então, admirado por outros revolucionários que buscavam os mesmos ideais. A Constituição de Cádiz, a partir desse momento, se tornaria um estandarte de liberdade e fonte de inspiração na busca por igualdade. Na Itália e em Portugal, ela seria mais do que um farol, seria proclamada Constituição, e foi fonte de influência profunda no início das vidas constitucionais desses países.
A influência da Constituição de Cádiz no Brasil foi motivada pela sua importância para o liberalismo durante o Triênio Liberal (1820 a 1823) – coincidente com os anos da independência e da elaboração da primeira Constituição no Brasil (1822 a 1824). A importância do texto espanhol para a história de Portugal e a Revolução de 1820 também foram fatores para que o texto fosse relevante nas origens da independência brasileira. Enquanto a ligação do Brasil com Portugal era forte, a enorme influência espanhola sobre os portugueses gerou efeitos também no Brasil.
Apesar da sua documentada história de influências sobre diversas nações ocidentais europeias e americanas, a Constituição de Cádiz é pouco estudada nos seus efeitos sobre a América Portuguesa. Esta é inspiração do presente trabalho: conhecer as normas liberais espanholas e analisar a extensão da sua influência sobre o Brasil. No primeiro capítulo é feito o estudo do contexto e do teor da Constituição de Cádiz. O escopo é apresentar de maneira sistemática todo o texto da Constituição – com seus trezentos e oitenta e quatro artigos, sendo os mais importantes transcritos nas referências para facilitar a consulta.
O método principal é a pesquisa qualitativa em fontes primárias históricas e em normas. Ao lado das fontes primárias, o acesso aos doutrinadores de Direito Constitucional e História do Direito são utilizados para contextualizar o ambiente e verificar os efeitos jurídicos sobre a norma na Europa.