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PREFÁCIO
Foi com imensa alegria e orgulho que recebi o convite de Flávia Pereira Hill para prefaciar seu mais novo livro.
A obra “Lições do Isolamento: reflexões sobre Direito Processual em tempos de pandemia”, reúne artigos escritos a partir de palestras online ministradas pela autora de maio a setembro de 2020, no auge da pandemia de Covid-19, que surpreendeu e desafiou a todos, colocando em xeque os paradigmas vigentes. São abordados os temas de Direito Processual Civil que se mostram mais candentes na atualidade, tendo como foco os mecanismos que passaram a exercer papel fundamental para a manutenção do acesso à justiça e da efetividade do processo na fase disruptiva que ora vivenciamos. Os temas examinados têm, portanto, como fio condutor analisar os desafios da pandemia de Covid-19 para o adequado funcionamento do sistema de justiça brasileiro.
A autora inicia com a análise dos processos estruturais, que ganharam ainda maior relevância com os pedidos de internação em leitos de UTI por pacientes acometidos pelo vírus SARS Cov-2, de manutenção de tratamentos médicos de doentes graves, bem como de flexibilização das regras de isolamento e de retomada de atividades econômicas, inclusive das aulas presenciais na rede de ensino. São estabelecidos marcos teóricos e examinadas ações judiciais que versam sobre o tema.
A mediação, que já era prestigiada no CPC/2015, emerge, conforme corretamente destacado pela autora no segundo artigo da obra, como o mecanismo mais adequado para solucionar uma gama de litígios que têm sistematicamente eclodido durante a pandemia, notadamente discussões sobre guarda compartilhada, revisão de contratos de prestação de serviços, de alugueis, litígios entre vizinhos e relações trabalhistas. Tais demandas envolvem relações continuadas, que, por isso, merecem um olhar mais atento para que sejam devidamente preservadas, o que somente a mediação se dispõe a fazer. Acrescente-se que o emprego da mediação, especialmente online, propicia a solução dos litígios a curto prazo em um momento singular, em que os tribunais se encontram sem as atividades presenciais plenamente restabelecidas.
A temática dos métodos de solução consensual dos conflitos é retomada no terceiro artigo, dessa vez com o propósito de analisar a intrincada questão da amplitude de sua utilização pela Advocacia Pública. A autora assenta as bases da admissibilidade da valorização da consensualidade pelo Poder Público com fulcro em quatro eixos: histórico-político, técnico-científico, normativo e jurisprudencial. A partir de tais marcos teóricos, a autora delineia o novo perfil da Advocacia Pública nos dias atuais, a demonstrar a maior permeabilidade ao manejo das técnicas de solução consensual dos litígios por tais profissionais, prestigiando a eficiência, com economia de recursos financeiros e de tempo tanto para a Administração Pública, como igualmente para o jurisdicionado, sem, com isso, vulnerar os demais princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, encartados no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.
Nos três artigos seguintes, a autora aborda o fenômeno da desjudicialização. No primeiro deles, é oferecido um panorama geral do tema, com o instigante paralelo traçado com o cultivo da uva Gewüztraminer - que é a tônica do Projeto “Direito e Vinho”, do qual a autora participou - e permeado por dados históricos. No segundo artigo dedicado ao tema, a autora se debruça sobre a análise dos principais pontos contidos no Projeto de Lei nº 6.204/2019, que pretende desjudicializar a execução civil no Brasil, conferindo a sua condução aos chamados agentes de execução, seguindo o modelo português, função esta que seria exercida, entre nós, pelos delegatários de serventias extrajudiciais. No terceiro trabalho, a autora prossegue com o exame do desafiador tema da desjudicialização da execução, agora mediante a abordagem dos projetos de lei em tramitação no país a respeito da desjudicialização da execução fiscal, tendo como preocupação central a definição do agente imparcial que será encarregado da condução do processo. De fato, a desjudicialização da execução consiste em tema da mais alta relevância, que precisa urgentemente ser debatido, considerando-se a elevada taxa de congestionamento da execução no Brasil e a sua correlata falta de efetividade, que a todos alarma e preocupa.
A seguir, a autora trata dos desafios impostos aos Juizados Especiais em razão da pandemia de Covid-19, destacando a relevância do bom e ininterrupto funcionamento desse microssistema para uma grande parcela da população. Para tanto, a autora destaca a importância do emprego da mediação e da conciliação, especialmente por videoconferência, no âmbito dos Juizados Especiais, anunciando as medidas que vêm sendo tomadas pelos diversos tribunais do país nesse sentido. Destaca, ainda, a recente tendência de os tribunais exigirem, para a configuração do interesse de agir, que o autor da ação tenha previamente contactado o réu com vistas a instá-lo a solucionar a questão, fazendo surgir um novo delineamento do interesse de agir e do acesso à justiça na atualidade. Por fim, sobreleva a autora a importância de serem observadas as garantias fundamentais do processo no microssistema dos Juizados Especiais, como forma de equilibrar, de um lado, a celeridade e a informalidade, com o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, de outro.
No artigo subsequente, a autora trata da profusão de pedidos de concessão de tutela provisória de urgência durante a pandemia de Covid-19, o que alça o instituto, agora mais do que nunca, a um dos mais relevantes e dignos de análise.
Eis o resumo das muitas questões, atuais e provocativas sobre as quais Flávia se debruçou. Sinto-me profundamente recompensado ao concluir a leitura dessa obra. Conheci a autora ainda nos bancos da graduação. Acompanhei seu bacharelado, mestrado, doutorado e ingresso na carreira docente da Faculdade de Direito da UERJ.
E, desde então, tenho observado a consolidação da sua carreira acadêmica. Não é somente uma professora técnica e uma pesquisadora-referência no processo civil. Tem ela o verdadeiro dom de ensinar. Alia paciência, sensibilidade e um certo instinto materno. Seus alunos a adoram.
Faço questão de fazer esse registro pois acho, sinceramente, que precisamos de mais professores realmente vocacionados no Direito. Daqueles que se dedicam aos alunos, acompanham seu aprendizado, repreendem quando necessário, mas que estão sempre dispostos a ajudar e incentivar.
E essa necessidade se potencializa nos atuais tempos de distanciamento e virtualização obrigatórios, pois corremos o risco de perder jovens vocacionados e muito bem intencionados, em razão das muitas adversidades enfrentadas a partir da pandemia do COVID-19. No momento atual, mais do que nunca, o professor se faz absolutamente indispensável na vida dos alunos.
Desejo, de coração, uma excelente leitura a todos!

Rio de Janeiro, outubro de 2020.
Humberto Dalla Bernardina de Pinho
Professor Titular de Direito Processual Civil da UERJ, IBMEC-RJ e UNESA. Promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.