Oriental Studies Research Papers - Academia.edu (original) (raw)

O presente trabalho tem como objetivo examinar a produção historiográfica portuguesa sobre Macau em particular e a China em geral, no período coincidente com a derradeira década da monarquia, os anos da Primeira República e a maior parte... more

O presente trabalho tem como objetivo examinar a produção historiográfica portuguesa sobre Macau em particular e a China em geral, no período coincidente com a derradeira década da monarquia, os anos da Primeira República e a maior parte da existência do Estado Novo (sem esquecer a ditadura militar que o antecedeu). Como limite final, aproximado, escolheu-se o ano de 1960, correspondente, como é sabido, às comemorações com que o regime da época assinalou o quinto centenário da morte do infante D. Henrique ─ cujas repercussões na área de conhecimento estudada foram conspícuas ─, pouco anterior ao início das guerras coloniais, que não deixaram de condicionar significativamente os estudos históricos ultramarinos. As divisões cronológicas correspondentes aos diversos períodos da evolução da vida política nacional poderiam, porventura, determinar a estrutura de uma síntese sobre a temática alvo da minha atenção. De facto, não seria necessário demasiado engenho para detetar e assinalar correspondências entre as ideias preponderantes em cada um dos regimes aludidos e o pensamento expresso em certos livros e artigos que foram dedicados ao passado da presença portuguesa na Ásia. Todavia, a esta constatação sobrepõe-se, quando examinada com 2 relativo pormenor a produção historiográfica em causa, a conclusão de que os traços de continuidade acabam por ser mais determinantes das suas características fundamentais do que os indícios de evolução. A verdade é que, independentemente do regime dominante em cada contexto, tendeu a prevalecer um certo consenso nos meios intelectuais que se debruçaram sobre o passado colonial português acerca da necessidade de sublinhar o carácter glorioso e civilizador da expansão e dos contactos realizados nos séculos precedentes. Tratava-se, aliás, afinal, de uma manifestação particular de uma tendência mais generalizada na sociedade portuguesa, mesmo entre as forças oposicionistas a cada situação política, ao menos aquelas que tiveram possibilidade de se pronunciar historiograficamente. Acima dos particularismos económicos e políticos, afirmava-se o interesse comum de manter as colónias e reforçar a presença dos portugueses dentro das suas fronteiras ultramarinas. De acordo com esta perspetiva, competia aos historiadores a elaboração de um discurso empenhado em legitimar o prosseguimento da política colonial. Monárquicos, republicanos e salazaristas partilharam, no essencial, a perspetiva colonialista cujos reflexos óbvios se encontram abundantemente documentados nas obras de cunho historiográfico. 1 1 Não teve consequências significativas o esboço de oposição ao colonialismo português de que encontramos indícios 3 Sem ter procedido a uma análise minuciosa que permitiria extrair conclusões mais rigorosas e seguras, parece evidente que, na historiografia portuguesa contemporânea, o estudo da ação ultramarina tendeu a revestir-se de um carácter mais consensual, nas suas conclusões relevantes, do que a pesquisa relativa à evolução verificada no retângulo europeu. É certo que, mercê da grande proporção que a historiografia colonial representa no conjunto das obras consagradas ao conhecimento do passado dos portugueses, poderão sobressair as divergências de pormenor na determinação, por exemplo, dos factos relacionados com os descobrimentos. Aliás, num domínio que, como este, foi privilegiado nos esforços da erudição nacional, não poderiam deixar de avultar particularmente as divergências no tocante a eventos em relação aos quais as crónicas e documentos da época se revelam, com muita frequência, durante a Primeira República, designadamente em certos meios ligados ao movimento operário. Esta resistência interna aos interesses coloniais foi estudada por José Castro e José Luís Garcia, "A Batalha e a questão colonial", in Ler História. Revista Quadrimestral, dirigida por Miriam Halpern Pereira, N.º 27-28, 1995, Lisboa, Fim de Século, pp.125-146. Só muito mais tarde, num contexto mundial que conhecera profundos desenvolvimentos, a oposição política portuguesa ligada à tradição liberal e republicana, carecida de apoios internacionais, seria levada a aceitar amplamente as teses independentistas. 4 contraditórios. Todavia, cumpre reafirmá-lo, mais digna de destaque é a propensão generalizada para proceder à glorificação, por vezes mitificadora, da ação colonizadora e missionária portuguesa e para enfatizar a heroicidade, o saber e a abnegação dos pioneiros desse processo. À continuidade e permanência de interesses partilhados por amplos setores da sociedade portuguesa em relação às colónias juntou-se o carácter limitado das transformações ocorridas na historiografia portuguesa durante todo este período. É certo que, já antes de 1960, podemos encontrar as primeiras manifestações de uma renovação das perspetivas de investigação que beneficiaram com as aquisições científicas que se foram verificando nos principais centros de que irradiaram as inovações. Bastará lembrar os nomes de um Jaime Cortesão, de um Luís de Albuquerque ou de um Vitorino Magalhães Godinho, autores de obras de mérito geralmente reconhecido. O certo, porém, é que, se a sua repercussão foi (e permanece), indiscutível, em termos estatísticos o que avulta amplamente são os trabalhos produzidos de acordo com perspetivas antiquadas, quando não arcaicas, que evidenciam um escasso conhecimento das novas formas de conceber e redigir a história. Tal é a tendência preponderante das obras dadas à estampa no período considerado. Assim se compreende, por exemplo, a larga percentagem dos títulos de índole biográfica concebidos com o objetivo de exaltar determinadas figuras de santos 5 e sábios, mas principalmente de heróis, apresentados às novas gerações como exemplos a seguir. Por outro lado, verifica-se ser grande a proporção dos estudos relativos a episódios e temas cujo contributo para a compreensão das características essenciais da colonização portuguesa é bastante diminuto. Retórica excessivamente generalizadora e abuso de minuciosidade erudita foram, com demasiada frequência, os dois polos em que se fixou a escrita da história no período considerado. Iremos encontrar tais características nas obras sobre Macau e a China produzidas em Portugal nas seis primeiras décadas do século XX, como as poderíamos detetar, seguramente, se nos debruçássemos sobre os estudos consagrados a outras regiões. Mais do que insistir nas (em muitos casos óbvias) limitações dessa produção historiográfica interessará, contudo, pôr em evidência as suas temáticas e as ideias expendidas por cada um dos autores.