Portugal Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
A designação “literatura de cordel” recobre, no uso dos especialistas, um conjunto vasto e instável de obras que eram penduradas, para exposição e venda, em cordéis distendidos entre dois suportes, presos por pregos ou alfinetes, em... more
A designação “literatura de cordel” recobre, no uso dos especialistas, um conjunto vasto e instável de obras que eram penduradas, para exposição e venda, em cordéis distendidos entre dois suportes, presos por pregos ou alfinetes, em paredes de madeira ou na rua, podendo também pender dos braços ou da cintura de vendedores ambulantes. Se não há dúvidas quanto ao processo e às motivações que conduziram ao aparecimento dessa expressão, que também é usada em Espanha, de onde poderá ter sido importada, talvez na segunda metade do século XIX, o mesmo não se pode dizer da data e do local precisos.
No século XVIII, Nicolau Tolentino alude a estes objectos impressos de larga divulgação e circulação, quando, na sátira O Bilhar, a propósito do “sujo poeta” que “glosava por dinheiro”, escreve em tom satírico: “Todos os versos leu da Estátua Equestre,/ E todos os famosos entremeses,/ Que no Arsenal ao vago caminhante/ Se vendem a cavalo num barbante” (Maffre 232). Em A Guerra, o mesmo poeta dirá, em versos que testemunham bem a existência dessa literatura, “E do vulgo os olhos chama/ Nas paredes do Arsenal,/ Cheia de aplauso e de lama” (Maffre 62). Ainda Tolentino, na sátira O Passeio, critica os placards publicitários de uma casa comercial que procura atrair clientela publicitando aquilo que ele denomina de “ridicularias”:
Iremos ler no outro lado,
Onde acaso os olhos pus:
“Em quarto grande, e estampado
Saiu novamente à luz
Carlos Magno comentado.
Na mesma loja hão-de achar
As Obras de Caldeirão,
Que em bom preço se hão-de dar;
E o Cavalheiro Cristão,
E as Regras de Partejar” (Tolentino 49).
Bocage também evoca causticamente esta literatura. Ao dizer “Mercenário pregão de cego andante”, o poeta insurge-se contra a “falsa atribuição de tradutor da novela exemplar de Cervantes, a Espanhola Inglesa, que os cegos apregoavam sob o nome de Bocache” (Braga 1985, 319).
Que saibamos, é Teófilo Braga quem primeiro consagra em Portugal, de forma convincente, a designação “literatura de cordel”, que decerto veio de Espanha, talvez na primeira metade do século XIX, ou mesmo durante o século XVIII, embora, a confirmar-se a cunhagem e circulação da expressão entre nós em Setecentos, nos cause alguma perplexidade a ausência de qualquer rasto dela na produção de poetas como Tolentino ou Bocage; e isto apesar de uma locução adjectiva – “de cordel” – que conviria bem à notação pejorativa que esses poetas quiseram imputar a uma literatura copiosa, ou a uma boa parte dela, reputada de menor.
O que por agora apenas pretendemos, esperando que outras investigações aduzam novos dados que permitam construir com minúcia a história dessa designação, é salientar o empenho de Teófilo Braga no estudo da literatura de cordel e no reconhecimento de uma fórmula classificadora que aparece já pelo menos em 6 de Junho de 1865, num breve artigo, “Da literatura de cordel”, que o autor publica no Jornal do Comércio, e que constitui, como ele próprio declara em 1881, “a primeira tentativa para este trabalho” (62). Nesse texto, retomado e ampliado num subcapítulo da sua História da Poesia Popular Portuguesa (1867), Teófilo Braga afirma com convicção, depois de nomear a obra Histoire des Livres Populaires ou de la Littérature du Colportage (1854), de Charles Nisard: “é o que entre nós tem o nome característico e verdadeiramente português de literatura de cordel”. Em 1881, no ensaio “Os livros populares portugueses (folhas volantes ou literatura de cordel)”, e integrado, quatro anos volvidos, no livro O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições, o mesmo teórico refere-se a “uma literatura especial, de uma grande importância étnica e histórica, à qual se dá o nome pitoresco de literatura de cordel”. (...)
2.ª ed., Lisboa, Apenas Livros, 2003;
3.ª ed., Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2004;
4.ª ed., Apenas Livros, 2006.