Soja Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
A organização deste dossiê decorre de um convite do Centro de Estudos Migratórios (CEM-Missão Paz). Agradecemos ao Pe. Paolo Parise e ao Dirceu Cutti – coordenadores da Missão Paz e da Revista Travessia, respectivamente – pela... more
A organização deste dossiê decorre de um convite do Centro de Estudos Migratórios (CEM-Missão Paz). Agradecemos ao Pe. Paolo Parise e ao Dirceu Cutti – coordenadores da Missão Paz e da Revista Travessia, respectivamente – pela oportunidade para que realizássemos pesquisa sobre a migração paraguaia em São Paulo.
Mas por que um dossiê sobre migração paraguaia?
A migração paraguaia em direção a São Paulo se relaciona a uma diversidade de temáticas estratégicas para refletirmos sobre as tendências do capitalismo transnacional. Ao abordar o trânsito de pessoas entre Paraguai e Brasil na atualidade, este dossiê retoma desde os efeitos das ditaduras na América Latina na questão migratória passando pelo fluxo dos sacoleiros brasileiros no comércio fronteiriço, a expansão das fronteiras da soja associada à atuação dos “brasiguaios”, as cadeias produtivas da indústria de confecções, e também as formas de resistência que passam pela valorização da língua guarani e a formação de associações de migrantes. Apesar de privilegiar a migração paraguaia, as análises ultrapassam os limites nacionais, considerando múltiplas travessias imbricadas nestas dinâmicas migratórias.
A motivação para realizar um estudo dedicado a paraguaios, nasceu da constatação de que o elevado contingente desse grupo residente na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo) não condizia com o reduzido número de estudos. Enquanto se multiplicaram nos últimos anos as análises e o interesse sobre bolivianos e haitianos, poucas são as referências à migração paraguaia. No artigo que traz uma apresentação geral da história e perfil dos Paraguaios em São Paulo, vemos que se trata de um dos maiores fluxos migratórios para a região na última década. Seja através das informações do Ministério da Justiça para os migrantes regulares no país, seja através dos dados sobre aqueles que participaram do processo de anistia em 2009, os paraguaios estão entre os principais, destacando-se como o quarto maior grupo em número de migrantes nos dois casos. Nesse artigo, construímos perfis de paraguaios residentes em São Paulo com base em dados do Censo-IBGE de 2010 e da análise histórica. Acabamos por identificar diferenças geracionais. O grupo de paraguaios que se estabeleceu na RMSP no contexto das ditaduras militares, entre os anos 1960 e 1980, era predominantemente de origem urbana, sobretudo dos arredores de Assunção. Na década de 1990 diminuiu o fluxo de paraguaios para São Paulo. A partir da virada do milênio uma nova geração, menos escolarizada, de origem rural, com idade inferior a trinta anos, ruma a São Paulo para trabalhar predominantemente nas oficinas de costura.
A questão dos migrantes transnacionais que trabalham em oficinas de costura não é um tema novo. Há uma infinidade de estudos que tratam da inserção de bolivianos nessa cadeia produtiva. No entanto, o objetivo do artigo Migrantes na costura em São Paulo foi compreender o mecanismo que faz circular migrantes transnacionais através de oficinas. Não se trata de um texto sobre bolivianos, nem sobre paraguaios ou brasileiros que trabalham com costura; considerar a presença de paraguaios no setor, assim como comparar os perfis dos três grupos foi estratégico para revelar as razões que tornam a exploração de migrantes transnacionais atrativa para a indústria de confecções reestruturada. A hipótese desenvolvida coloca em evidência como a subcontratação de oficinas de costura para a produção de vestuário garante agilidade às grandes redes varejistas para oferecer constantemente novos produtos em suas araras, assim como reduzir custos e externalizar os riscos da atividade para as oficinas na ponta da cadeia produtiva. Em um contexto de concorrência global, procuramos demonstrar que os problemas das condições de trabalho no setor são fruto da maneira como se organiza a cadeia produtiva e das demandas de serviço das grandes redes varejistas que pautam o ritmo de trabalho nas oficinas de costura, e não decorrem da origem de seus trabalhadores.
Ao acompanharmos agentes pastorais nas oficinas de costura de paraguaios em São Paulo, notamos a recorrência de migrantes oriundos do departamento de Caaguazú, mais especialmente de Repatriación. Em O que se passa em Caaguazú?, seguimos a trajetória de Moisés, um jovem trabalhador que sai da zona rural paraguaia para buscar melhores oportunidades de trabalho em São Paulo. Nosso primeiro contato com Moisés ocorreu na véspera da Semana Santa de 2013, enquanto vivia na Vila Medeiros em uma oficina de costura, na zona norte de São Paulo. No final desse ano, Moisés retornou à cidade de origem para ajudar os pais na lavoura. Reencontramos o jovem trabalhador no assentamento em que morava com a família em Repatriación. Ao descrever a trajetória de Moisés, evidenciamos o impacto da monocultura da soja, gerida por brasiguaios que expandem a fronteira agrícola para plantar a commodity, com a respectiva concentração de terras e êxodo rural. Além disso, descrevemos como o pacato município de Caaguazú, que tem economia decadente e dependente da indústria extrativista da madeira, é dinamizado pelas remessas de migrantes transnacionais.
De Caaguazú partimos para Ciudad del Este. Neste artigo, discutimos como as representações usuais que se tem no Brasil sobre o Paraguai são largamente informadas pelas imagens construídas sobre comércio fronteiriço. De tal modo que “do Paraguai” e “paraguaio”, acabaram se associando pejorativamente a “contrabando” e “falsificação”. Procuramos descrever como se deu a formação do mercado de fronteira, animado por milhares de sacoleiros brasileiros que durante um determinado período se dirigiam cotidianamente à região em busca de mercadorias, mas também de paraguaios que levavam produtos de São Paulo para o Paraguai. Retomamos a história da fundação de Ciudad del Este no processo de reaproximação diplomática entre Paraguai e Brasil com a inauguração da Ponte da Amizade na década de 1960, e, também no processo de constituição dos fluxos migratórios de chineses e libaneses que, desde o início, conectam o comércio da cidade paraguaia ao centro de São Paulo. No entanto, desde a abertura econômica nos anos 1990, o fluxo de sacoleiros vem diminuindo progressivamente e São Paulo vem ganhando centralidade nestas dinâmicas comerciais. Atualmente, muitas “feiras do Paraguai” espalhadas pelo Brasil são abastecidas pelo centro de São Paulo.
Além das questões que desenvolvemos nos diferentes artigos mencionados, dois temas pungentes impunham-se para a constituição de um dossiê sobre paraguaios na RMSP: a relevância das associações de migrantes em São Paulo e a importância da língua guarani. Convidamos Porfirio Leonor Ramírez (Leo), que conhecemos em um contexto de entrevista para a pesquisa e que se tornou um grande amigo, para redigir Caacupé: trajetórias de organizações de paraguaios em São Paulo. Ramirez chegou do Paraguai em 2004, trabalhou por anos em oficinas de costura, conseguiu cursar o ensino superior em São Paulo e atualmente trabalha no Consulado da Venezuela. Influente na comunidade paraguaia, Leo compõe a Japayke, uma das poucas associações de paraguaios em São Paulo. Em seu texto, ele descreve as organizações existentes no município, dá ênfase aos grupos culturais e à devoção à Virgencita de Caacupé. Para Leo, a constituição de associações de migrantes é fundamental para organizar os interesses coletivos na busca pela expansão de seus direitos e melhores condições de inserção no país de acolhida. Leo é um batalhador, dedicado a resistir às formas de opressão e de supressão de direitos dos migrantes. Agradecemos sua contribuição e dedicação na produção do artigo.
Além disso, Leo concentra uma vasta rede de contatos envolvendo organizações sociais, sindicais, acadêmicas, governamentais, entre outras. Através de Leo tivemos a oportunidade de conhecer Miguel Ángel Verón, linguista, diretor geral de planificação linguística da Secretaría de Políticas Linguísticas do Paraguai, professor da Universidade de Assunção e militante pela revalorização da língua guarani. Verón, em Los migrantes paraguayos y la lengua guaraní, texto escrito em espanhol, justifica a valorização da língua guarani e mostra o impacto dos brasiguaios em termos linguísticos no Paraguai. Para o autor, “el portugués [que acompanha os colonos brasileiros] se impone como el monocultivo de soja que carcome el campo paraguayo”. Obrigado Miguel por nos possibilitar aprofundar a compreensão sobre o tema.
Para nós, o dossiê almejou tratar os diversos aspectos relacionados à migração paraguaia sem ficar restrito à análise deste grupo populacional em específico. Portanto, para compreender os paraguaios em São Paulo foi necessário articular diversos outros movimentos migratórios em temporalidades distintas. A pesquisa não teria sido possível sem a colaboração das pessoas que nos receberam em suas casas e compartilharam suas histórias. Somos gratos ao pe. Alejandro Cifuentes, à agente de pastoral Patrícia Rivarola e aos seminaristas, em especial o paraguaio Eudes Sanabria, que permitiram que os acompanhássemos em suas visitas às oficinas de costura. A pesquisa foi desenvolvida através de análise documental, acesso à literatura especializada, entrevistas de trajetórias, observação dos espaços em que estão presentes em São Paulo além da análise de dados da Rais, do Ministério do Trabalho e Emprego, e do Censo-IBGE de 2010.