Tembé/Tenetehara Research Papers - Academia.edu (original) (raw)
“A dinâmica social do povo Tenetehara” é um conjunto de textos elaborados durante mais de trinta anos de contato com esse povo indígena que vive na Pré-Amazônia brasileira, mais precisamente no Estado do Maranhão, um dos povos mais... more
“A dinâmica social do povo Tenetehara” é um conjunto de textos elaborados durante mais de trinta anos de contato com esse povo indígena que vive na Pré-Amazônia brasileira, mais precisamente no Estado do Maranhão, um dos povos mais numerosos que ainda lutam pelo direito de sobreviver como povo diferenciado.
Basicamente trata-se da tradução revisada e atualizada do livro anterior: “Conflito e coesão: o dinamismo tenetehara”, minha dissertação de mestrado, do qual foram subtraídas algumas partes que foram inseridas como notas no final do texto mas que podem ser recuperadas na edição desse livro de 1999. No entanto, foram atualizados alguns dados demográficos e relativos à delimitação das terras, assim como os conflitos atuais. Além disso, foram retiradas reflexões relativas às relações conflituais, como fruto da dinâmica social desse povo, baseadas na antropologia dinâmica, especialmente em Max Gluckman e Claude Meillassoux e o texto foi dinamizado como uma etnografia.
A parte central do livro, relativa aos mitos tenetehara é inédita no seu conjunto visto que a maioria dos textos, discutidos na minha tese de doutorado, foram publicados em várias revistas e em anais de congressos. Pela primeira vez serão editados como um corpo único.
Finalmente, alguns textos inseridos nessa nova edição completam, a meu ver, uma visão ampliada sobre esse povo indígena que luta para continuar como povo diferenciado da cultura ocidental.
A metodologia utilizada baseia-se, principalmente, em três metodologias das ciências sociais: a memória oral, recolhida através de entrevistas realizadas com várias lideranças, com a ajuda do gravador; a observação participante, registrada nas “notas de campo” desde 1983 quando iniciaram meus contatos com esse povo; enfim, a pesquisa bibliográfica em documentos oficiais antigos, especialmente relativos ao período imperial, e documentos de cronistas e historiadores, bem como a análise teórica da antropologia.
Em janeiro de 1994 recolhi oito horas de entrevistas com as lideranças da região de Barra do Corda; em julho de 1996 recolhi narrações sobre os mitos em duas aldeias da Área Indígena Araribóia: Tiririca e Juçaral e com outros indígenas, por um total de nove horas e meia de gravações. Enfim, pude dispor para este estudo, de outras vinte horas e meia de gravações que foram transcritas com muita atenção por ser um material precioso para as análises.
Quando iniciei as primeiras entrevistas, em janeiro de 1994, a intenção era a de reconstruir a memória oral dos conflitos interétnicos da região de Barra do Corda. Aos poucos, porém, percebi a necessidade de aprofundar o estudo das relações internas dos Tenetehara.
A técnica utilizada foi aquela de deixar falar à vontade os entrevistados. Muitas vezes a entrevista mudava a direção e tratava de coisas que, naquele momento não interessavam aos dados da pesquisa, porém traziam informações que abriam novos caminhos. Assim ia se construindo o objeto de reflexão.
No primeiro capítulo faz-se uma reconstrução histórica do povo Tenetehara atual, partindo da sua localização espacial. Isto porque a fixação no espaço geográfico atual é o resultado de um período de expansão, entre o final do século XVIII e os primeiro decênios do XIX, por causa dos conflitos interétnicos. Esta breve reconstrução histórica evidencia a estrita relação entre o presente e o passado. Em “Conflito e coesão” este capítulo se estruturava a partir de uma desconstrução histórica “do presente ao passado” mostrando como existe uma relação entre a situação atual desse povo e os acontecimentos do passado durante o período imperial, colonial e pré-colonial. É um capítulo fruto de pesquisas históricas, algumas inéditas, em documentos oficiais do período colonial e imperial.
No segundo capítulo – baseado em dados etnográficos, recolhidos através da observação participante durante a convivência e através de entrevistas -, com o suporte da Antropologia, mais especificamente com base em Van Geenep e Victor Turner, é colocada uma ampla base de interpretação da cultura tenetehara. Com a análise dos rituais, são colocadas em evidência as relações sociais. Estes são interpretados como manifestações culturais relacionadas às várias fases da vida e como complemento da personalidade do indivíduo.
Na terceira parte analisa-se a organização social, política e econômica, para compreender as bases com as quais esse povo luta para se manter coeso. Assim, a família extensa e a organização social são categorias fundamentais para entender o jogo político que permite a disputa pelo o prestígio. Enfim, a análise do sistema produtivo ajuda a perceber as relações que sustentam a economia tenetehara. Desta última, podem se perceber as relações de gênero como relações complementares e não conflituais, bem como a presença do “estranho”, na visão de Claude Meillassoux, isto é, o não indígena e como este se relaciona no interior da sociedade.
O capitulo seguinte trata do universo ideológico, especialmente das relações humano-natureza, humano-sobrenatural como negativas (negative feedback), ou de punção (Meillassoux) e positivas entre os seres humanos quando trocam entre eles os produtos da caça e coleta (Carvalho). Analisa, em particular, a espiritualidade desse povo. Ainda, trata da função do pajé e de dois rituais ligados a formação deste. No capítulo foram incluídas duas reflexões: uma sobre a festa do mel e a outra, elaborada por Cinthia Guajajara, sobre a festa do milho, as quais evidenciam como estes rituais tem uma relação especial com o universo espiritual.
O quinto capítulo apresenta uma reflexão sobre a mitologia tenetehara que registrei durante os anos de contato com este povo. É esta uma maneira para restituir aos Tenetehara narrativas que mi foram generosamente compartilhadas em conversações alegres e inesquecíveis. Procura-se mostrar que existe um diálogo entre a mitologia desta sociedade, sua estrutura e seu funcionamento, numa relação dialética práxis-ideologia-práxis na qual a ideologia é representada pela mitologia e a práxis pelo modo de vida da sociedade tenetehara. Os mitos refletem a vida dessa sociedade, ao mesmo tempo em que esta interfere e, às vezes, modifica o mito e o adapta às situações conjunturais da comunidade. Este capítulo é dividido em quatro sub capítulos conforme os mitos narrados: identidade tenetehara, alianças simbólicas com o mundo animal, a mulher e as plantas, e enfim, a cosmologia tenetehara.
O último capítulo, baseado nas relações interétnicas que os Tenetehara mantém com os setores regionais não indígenas, trata dos maiores conflitos que este povo teve que enfrentar com a sociedade envolvente no século XX e no começo do século XXI. O denominador comum destes conflitos é a ocupação das terras por parte de não indígenas. Se a lei prevê a proteção destes povos, no entanto, os interesses econômicos sempre se sobrepuseram ao respeito por estas populações que, durante séculos, esperaram por uma solução por parte dos organismos delegados para tal fim. Hoje os indígenas renunciaram a esperar por uma solução dos seus problemas e iniciaram a lutar com suas próprias forças e “com as mãos nuas contra as espingardas”. Por isto os conflitos aumentaram de forma violenta. Este povo, especialmente com suas lideranças juvenis, luta por um futuro digno no respeito às suas tradições culturais.
Concluindo, podemos afirmar que este povo manifesta toda sua vitalidade e sua força frente às necessidades de sobrevivência como cultura diferenciada. O dinamismo é o ponto fundamental para a manutenção da ordem social e cultural dos Tenetehara.