Falência da Evergrande expõe mudança na relação da China com grandes corporações (original) (raw)

Esta é a edição da newsletter China, terra do meio. Quer recebê-la no seu email? Inscreva-se abaixo.

China, terra do meio

Receba no seu email os grandes temas da China explicados e contextualizados

A falência da Evergrande, principal incorporadora imobiliária da China, inaugura uma nova era no relacionamento entre o governo e as grandes corporações do país. A empresa vinha se arrastando para sobreviver a processos de credores há mais de 18 meses e deve ser liquidada após uma ordem de um tribunal em Hong Kong.

Ainda cabe recurso à decisão judicial. Se a liquidação for executada, será a maior falência de uma empresa chinesa desde a queda da Corporação Internacional de Comércio e Investimento de Guangdong (GITIC), no final da década de 1990.

Diante do saculejo na economia como um todo à época, nos anos seguintes o governo chinês passou a intervir para resgatar empresas consideradas "grandes demais para quebrar".

O modelo parece ter chegado ao fim. Desde o início da crise na Evergrande, iniciada em 2022, Pequim não fez movimentações para ajudar a companhia. A mensagem que ficou foi a de que gastar dinheiro com companhias deficitárias, mesmo que muito grandes, apenas aprofunda ineficiências e incentiva concorrentes a serem tão displicentes quanto.

Isso não significa, porém, que Xi Jinping e companhia não estejam preocupados com as consequências das decisões que levaram à derrocada da incorporadora.

A Evergrande se consolidou no mercado compensando alavancagens a juros baixos com o aumento no preço de imóveis. O comportamento foi incentivado por subsídios fiscais e legislações generosas para o setor da construção civil, responsável até aqui por quase um terço do PIB.

A economia vacilante e a queda no consumo pós-pandemia, porém, levaram a uma redução generalizada nos preços de imóveis novos, expondo assim a fragilidade da estratégia.

Por que importa: embora tenha sido a principal, a Evergrande não foi a única empresa a ter problemas no setor imobiliário chinês. Serão necessários meses, senão anos, para que o mercado local se ajuste à nova realidade, com consequências imprevisíveis para o crescimento econômico do país como um todo.

Pare para ver

Sobre o autor: Lin nasceu na província de Cantão durante a era imperial chinesa e estudou com mestres da pintura na Alemanha e na França. Criticado e denunciado por maoístas durante a Revolução Cultural, deixou a China em 1977 com o pretexto de se reunir com a esposa francesa e a filha no Brasil, mas não viajou ao país sul-americano por falta de dinheiro. Morreu em Hong Kong, depois de ser reabilitado e reconhecido mundialmente. Leia mais sobre ele aqui (em inglês).

O que também importa

A China ampliou a pressão militar sobre Taiwan. Na sexta (26), enviou dezenas de aeronaves militares e navios de guerra para as proximidades da ilha. Segundo o Ministério da Defesa taiwanês, 33 aeronaves e 6 navios se aproximaram do território. Ao menos 13 destas aeronaves chegaram a cruzar o estreito que divide as duas regiões.

A Embaixada da China nos EUA alertou os estudantes chineses a não entrarem em território americano através do Aeroporto Internacional de Dulles, o principal terminal de Washington. O comunicado foi emitido após mesmo alunos com visto válido relatarem ser alvos de assédio e de interrogatórios por parte de agentes americanos. A embaixada afirmou que as práticas contrariam o consenso alcançado durante a cúpula entre Joe Biden e Xi Jinping em São Francisco no ano passado. Os estudantes foram aconselhados a documentar tratamentos injustos e denunciá-los "às autoridades competentes".

Os caças chineses J-10CE e os jatos europeus Eurofighter Typhoon participarão de exercícios aéreos em conjunto com o Paquistão e o Qatar. O objetivo é melhorar a interoperabilidade e o nível de treinamento conjunto entre os equipamentos. O Paquistão é uma das principais forças no mundo a utilizarem o modelo chinês, e Qatar tem ampliado o uso do jato europeu. Autoridades de defesa dos dois países disseram que os exercícios são uma oportunidade para as forças aéreas envolvidas "aprimorarem suas habilidades e táticas em um ambiente desafiador".

Fique de olho

Os EUA demandaram apoio da China para pressionar o Irã a interromper o financiamento dos rebeldes houthis, que há várias semanas impõem bloqueio a embarcações no mar Vermelho. A milícia xiita assumiu o poder no Iêmen após um golpe de Estado em 2014 e é financiada pelo regime de Teerã.

Os houthis afirmam que seus atos são uma campanha de apoio aos palestinos em Gaza em meio à Guerra Israel-Hamas. Sob essa justificativa, embarcações americanas e britânicas foram atacadas com mísseis.

Washington cobrou ajuda de Pequim na negociação, e o assunto foi pauta de um encontro entre o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, e o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, no fim de semana.

Por que importa: embora não queira desgastar sua relação com o Irã, um aliado de peso na região e membro recém-admitido do Brics, Pequim tem interesses no fim dos bloqueios e gostaria de ver a agressão houthi cessar.

Resta saber se a China gastará capital diplomático para fazer o Irã suspender o financiamento e amenizar as tensões.

Para ir a fundo