Bruno Marques | Faculdade de Ciências Sociais e Humanas - Universidade Nova de Lisboa (original) (raw)
Books by Bruno Marques
A série Os Reis, exposta pela primeira vez em 1966 na Galeria Leonhart, em Munique, com o título ... more A série Os Reis, exposta pela primeira vez em 1966 na Galeria Leonhart, em Munique, com o título “Die Könige”, valeu a António Costa Pinheiro o prestigiado Prémio Burda na Haus der Kunst de Munique (1966) e o Prémio de Pintura (Förderpreis) da cidade de Munique (1967). Num cortejo de personagens das duas primeiras dinastias, concebido a partir da distância do exílio pátrio, o artista confrontou a grandeza histórica de um Império outrora cantado por poetas, com a imagem desanimadora de um país à época visto externamente como espaço serôdio e profundamente medíocre, em resultado de uma ditadura há muito fora da hora internacional. Cartas Fora do Baralho problematiza a originalidade conceptual e a dimensão eminentemente política desta psicomitografia feita em forma de retratos imaginários, convocando uma série de lendas, memórias e histórias para assim levar o leitor a perder-se num labirinto feito de realidades transpostas e ficções entrecruzadas. Um dos objetivos que lhe deu a sua razão de ser passa igualmente por desvelar o próprio processo criativo de Costa Pinheiro, mapeando pela primeira vez a evolução formal e iconográfica de cada personagem retratada através de um especial enfoque posto nos trabalhos que antecedem aquela que é considerada umas das mais importantes criações pictóricas portuguesas da segunda metade do século XX.
Bruno Marques, Mulheres do Século XVIII. Os Retratos. - Lisboa: Ela por Ela, 2006. , 2006
Apesar de abordar coisas que à partida não ousaria relacionar com o tema – como dissidências e tr... more Apesar de abordar coisas que à partida não ousaria relacionar com o tema – como dissidências e traços de emancipação – este texto não deixa de ser, de forma irremediável, mas consciente, um ensaio de descrição dos modos como a retratística dialecticamente reflecte e organiza os tipos genéricos que configuram o género feminino nas suas diversas facetas, tal como estão ainda socialmente ordenados no Antigo Regime.
É claro que o equilíbrio entre os vários tipos/capítulos terá algo de, eventualmente, inesperado, pois o relevo dado ao retrato de corte não corresponderá necessariamente ao peso que lhe é normalmente atribuído pela historiografia especializada da época, mas antes ao papel que pensamos lhe está concedido neste enredo que, espreitando já um pouco para por cima da cerca cronológica, olha para a modernidade do século XIX.
Como partimos deste descentramento dos plurais esquemas que regulam e orientam a prática do retrato, deixei-me levar sem grandes resistências pela crença de que, ao descrever as diferentes soluções iconográficas, estava a contar a história mais decisiva da sociedade moderna. Ou seja, que, descrevendo isso, a miríade dos factos do quotidiano é essencial para discernir os novos espaços de actuação, as novas posturas e sensibilidades que transformaram o(s) lugar(es) tradicionalmente ocupado(s) pelas mulheres. Neste sentido, a imagem da mulher requerida pelo retrato visa neste projecto um valor sobretudo relacional (ou contextual), ou seja, o papel da normação imagística não depende somente de qualquer suposta fixação das convenções iconográficas, mas dos papéis dos outros complexos normativos que os contextualizam e determinam. Tais papéis são relativamente diversos, indo desde a moral à hierarquia familiar, desde os protocolos das composturas aos rigores estabelecidos da indumentária, desde as situações sociais juridicamente tuteladas às determinações ético-religiosas, sem deixar de levar em conta ainda as formas de classificar e de hierarquizar. Mas, sabendo, por outro lado, que o arranjo destes complexos e o modo como eles se inter-relacionam é historicamente variável.
Às perguntas «como, onde e em que circunstância a mulher do século XVIII é retratada», ainda que de forma algo brutal e redutora, responderia a qualquer das três com o seguinte enunciado: em conformidade, por um lado, com as prerrogativas de género, e, por outro, com a sua condição social. Mas a questão do retrato é bem mais complexa. Cabe ainda perguntar quem é retratado; que propósitos estão por detrás das suas encomendas; como e porque um esquema cede lugar a outro; o que o retrato mostra e o que, por sua vez, não revela da mulher do seu tempo; que imagens mentais do feminino estão subjacentes aos esquemas iconográficos que visualmente o representam?
Edited Book by Bruno Marques
Conversas sobre Retrato / Portrait Talks, 2023
Based on the monthly cycle of online ‘conversations’ on Portrait that took place throughout 2021,... more Based on the monthly cycle of online ‘conversations’ on Portrait that took place throughout 2021, this ebook brings together conferences given by a group of researchers and specialists, national and international, around the subject of portrait representation in various media , from the most traditional to the most emerging, (re)thinking ideas and practices associated with the Portrait genre, as well as its multiple philosophical, social, cultural and/or political implications. Presenting different approaches from the fields of visual arts and literary arts, according to the scientific background and the areas of work of the guest speakers, this publication — which deliberately keeps a digital record of the conversations that gave rise to it — aims at both challenge borders and commonplaces about genological territories related to the Portrait category and question them from a less academically formatted and restrictive perspective, providing the Portuguese and international scientific community, and all readers interested in this subject, with new critical approaches and methodologies in a transdisciplinary and transnational perspective.
Volvidos cerca de quarenta anos sobre o início da trajectória artística de Julião Sarmento é fina... more Volvidos cerca de quarenta anos sobre o início da trajectória artística de Julião Sarmento é finalmente possível apresentar uma compilação de textos que acompanha a totalidade da sua carreira. O livro que agora se edita reúne um conjunto relevante de “ecos” sobre a obra deste artista, cobrindo um arco temporal compreendido entre 1976, data em que o seu percurso começou a obter reconhecimento crítico e institucional, e 2011.Nele podemos encontrar a pena de curadores, cineastas, críticos de cinema, artistas plásticos, críticos e historiadores de arte, teóricos da imagem, cientistas, colunistas culturais e até escritores. A ideia de juntar os textos críticos (que falam sobre a obra) com textos de recorte literário (que partem da obra para falar artisticamente, ou que nela se inspiraram) permite igualmente compreender o alcance gerador do universo Julião Sarmento, ao motivar que a actividade da escrita por vezes dilua a própria ordem dos géneros discursivos ou inverta mesmo os habituais circuitos de influência entre arte e literatura.
Publicação das actas do Colóquio Internacional Arte & Erotismo (coord. Margarida Acciaiuoli e Bru... more Publicação das actas do Colóquio Internacional Arte & Erotismo (coord. Margarida Acciaiuoli e Bruno Marques, EAC-IHA/FCSH-UNL), reunindo textos assinados por Margarida Acciaiuoli, José Sasportes, José Carlos Alvarez, Paulo Baptista, José Gabriel Pereira Bastos, Ivo André Braz, Afonso Cortez-Pinto, Luís Henriques, Giulia Lamoni, Pedro Lapa, Teresa Lima, Silvina Rodrigues Lopes, Bruno Marques, Paulo Filipe Monteiro, José Oliveira, Lúcia Pesapane, Miguel Proença, Alexandra Ai Quintas, Diniz Cayolla Ribeiro, Catarina Rosendo, Pedro Pavão dos Santos e Rui Zink. Através de colaborações vindas de domínios tão diferentes como o Cinema, a Literatura, a História da Arte, a Fotografia, a Antropologia, a Psicanálise, a Dança ou o Teatro, procurou-se enriquecer o alcance teórico do problema convidando investigadores a reflectir sobre um tema que marca o trajecto da Arte Ocidental. Assim, as comunicações que se apresentam e o tratamento de que são objecto, podem ser vistas como uma primeira tentativa de abordagem sistemática do assunto. Seis painéis temáticos agrupam assim as participações:
- A SEDUÇÃO DAS IMAGENS
- DISCURSO E ESPECTÁCULO
- EROTISMO E MODERNIDADE
- EROTISMO NO ESPAÇO QUOTIDIANO
- POÉTICAS DO CORPO
- POTÊNCIA E TRANSGRESSÃO
- ENSAIOS DE CRIAÇÃO
journal articles by Bruno Marques
Miguel Hernández Communication Journal, Vol. 15 (1), pp. 113 a 137, 2024
As same sex marriage emerged at centre of the social and political debate in Por- tugal, the film... more As same sex marriage emerged at centre of the social and political debate in Por- tugal, the film Hero, Captain, and Stranger (2009), by João Pedro Vale (JPV) and Nuno Alexandre Ferreira (NAF), inter- sected art, identity politics and porno- graphy in a manner hitherto unseen in Portugal. A homoerotic adaptation of Herman Melville’s 1851 novel Moby-Dick; or, The Whale, the film confronts a series of aesthetical and political taboos (and prejudices) which have never been analy- sed in depth despite their topicality. Initia- lly conceived to survey the references to Portuguese seaman from Massachusetts
in Herman Melville’s novel, the project by JPV and NAF is an irreverent provocation to a ‘semi-peripheral’ milieu, which still denied juridical recognition of homosexual marriage thirty-five years after the demise of the dictatorial regime (1926-1974). Basing itself on overcoming the incompatibility between art and pornography, as well as exploring the dis- tinctive connection between the idea of democratic eros and a more egalitarian model of gay porno- graphy, this article highlights the transformative capacity of ‘pornographic art’ to challenge established categories. It unveils a nuanced landscape that encourages a reevaluation of societal norms and moral dichotomies, ultimately facilitating a more inclusive and expansive comprehension of human desire.
Diálogos, 26(1), 98-122., 2022
Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at ... more Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at Cristina Guerra Galery (Lisbon), this article addresses the strategies of discursive repression of homosexual identity during the Portuguese Estado Novo period. Analyzing the works exhibited and their critical reception, we used Foucault's conceptualization of the panopticon and archaeological strategy as a marginal archive (queer). Given the official suppression of the English word "homosexual", Vale and Alexandre respond with the word cruizing, so that we can classify a set of prohibited practices that, in Portuguese, not long ago could not have an appropriate name.
Journal of Science and Technology of the Arts, 13(1), 80-86., 2021
This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Wo... more This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Works, that took place in Universidade Católica Portuguesa in Porto in 2019. This exhibition reunited 10 works in film and video produced by the Portuguese artist in different moments of his career. Following the audiovisual essay's structure, I will approach three thematic obsessions transversal to Julião Sarmento's work, as a reflexive proposal about a gaze phenomenology (or a vision's perversity), regarding dispositives that involve the moving image. Particularly, in what concerns the problematic of desire. These are: (1) The constant work of language (the real, the symbolic and the imaginary); (2) The fragmented body (the conscience/disassembling of voyeurism); (3) The rhythm (exposing the matter of time in favour of a deceptive aesthetics).
Iberic@l, Revue d’études ibériques et ibéro-américaines, 2020
Avec la série Pour l’étude de la mélancolie au Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis tend un mi... more Avec la série Pour l’étude de la mélancolie au Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis tend un miroir aux élites intellectuelles qui peuvent alors s’y contempler d’un regard neuf. En répondant à « l’hypertrophie de notre autoconscience» qui nous rend « absents de notre propre réalité », le peintre anticipe l’oeuvre Le labyrinthe de la saudade (1978). Ainsi, plutôt que d’accompagner les comportements et les actions révolutionnaires de mai 68 en France, adaptés au climat du « printemps marceliste » au Portugal, où l’espoir a vite laissé place à l’ennui, nous observons une génération de femmes incapables d’affronter et d’assumer leur propre sens d’accomplissement et leur destin. À travers les lectures d’Eduardo Lourenço sur le manque de réalité qui marque les réflexions du peuple portugais sur lui-même, cet article revisite ces images à la lumière du nouveau rôle féminin dans le nouvel espace de l’intellectualité portugaise qui s’est ouvert au Portugal entre mai 68 et la Révolution des OEuillets, en 1974.
Resumo: Com a série Para o estudo da Melancolia em Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis oferece-nos um daqueles espelhos em que as elites intelectuais se podem rever de um só golpe de vista e em corpo inteiro. Expondo a “hipertrofia da nossa autoconsciência” que nos torna “ausentes da nossa própria realidade”, o pintor antecipa o fundamental livro O Labirinto da Saudade (1978). Mais do que acompanhar atitudes e atividades revolucionárias do Maio de 68 em França ajustadas ao clima da Primavera Marcelista, onde a esperança rapidamente cedeu lugar ao tédio, vemos uma geração de mulheres incapaz de enfrentar e assumir o seu próprio sentido e destino. A partir das teses de Eduardo Lourenço a respeito do défice de realidade que pauta os discursos dos portugueses sobre eles próprios, o presente artigo relê estas imagens à luz do papel do feminino no novo espaço da intelectualidade portuguesa que se abriu em Portugal entre o Maio de 68 e a Revolução dos Cravos de 1974.
Revista 2i: Estudos De Identidade E Intermedialidade, 1(Especial). , 2019
Que espaço ocupa o retrato num panorama que dá tanta ênfase ao corpo? É caso para dizer que o cor... more Que espaço ocupa o retrato num panorama que dá tanta ênfase ao corpo? É caso para dizer que o corpo, a partir das últimas décadas do século XX, se tornou num significante despótico que subordina qualquer expressão artística chegando mesmo ao ponto de afectar a prática do retrato ousando eclipsar daquilo que com ele estava mais conotado: a imagem de um rosto. Partindo do conceito de visagéité de Gilles Deleuze e Félix Guattari e das noções “paisagens-corpos”, “paisagens-rostos” e “devir-rosto” desenvolvidas por José Gil, predentemos com este ensaio reflectir sobre um processo que aqui designamos de “transferência de funcionalidade”, através da qual o corpo se torna “rosto”.
Estudos Ibero-Americanos, 2020
As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importa... more As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importante guia para compreender a forma heterodoxa e “contraditória” como foi usada a fotografia enquanto meio de inculcação de um modelo feminino consentâneo com a ideologia do regime. Estas revelam uma intrínseca dialética entre temas / formas “tradicionalistas” e “modernistas”. Tomando como objecto de análise as fotografias publicadas no Boletim da Mocidade Portuguesa Feminina (1939-1947), o objectivo deste artigo é compreender de que modo esta dialética é posta ao serviço da propaganda do Estado Novo.
RIHA Journal, 2019
Instead of stabilising the poles of stasis and non-stasis, and narrative and nonnarrative, in the... more Instead of stabilising the poles of stasis and non-stasis, and narrative and nonnarrative, in the 1970s, Julião Sarmento plays within a concomitant scheme: photography and painting, photography and film, stasis and narrative are merged. What is at stake is the possibility of challenging the modernist tenets of photography canonically defined in opposition to painting and cinema. The perversity is not only in the content of some works but also in the very logic underlying the approach to the medium in Sarmento's œuvre, whether through a perversion of the boundaries between the media or by the assertion of the medium itself as perversion. This paper presents a case study that reflects upon the replacement of a structural and negative system with an unsystematic difference (in the sense less of expansion than of the medium's deconstruction). New dimensions concerning the issues of contamination and hybridisation in contemporary art are also brought into play.
MODOS. Revista de História da Arte., 2018
The attempt to retain the trivial, to bring visibility to the seemingly banal and thus to refuse ... more The attempt to retain the trivial, to bring visibility to the seemingly banal and thus to refuse everyday life´s dilution into oblivion is one of the features that can be identified in many artistic proposals that have been under development mostly since the second post -war.
This production privileges a renewed contact with reality and finds translation through the appropriation, the use and the problematization of its materials, its objects and its gestures - as became particularly evident in Pop Art or Nouveau Réalisme, but also in the different performative dynamics that acquired an increasing consistency over the subsequent decades and which continue to be currently explored.
Starting from the 1960s, and taking as a reference the production of different artists who have recovered actions often considered as anonymous or residual (Lefebvre 1947), this paper aims at problematizing everyday life in contemporary art.
Philosophy of Photography 9, no.1: 71-93, Apr 1, 2018
The fictional regime of the photographic image allows Helena Almeida to stage a theatrical metamo... more The fictional regime of the photographic image allows Helena Almeida to stage a theatrical metamorphosis of her own body through displacements, expansions and dissimulations, placing photography at the heart of a pictorial transgression that undermines the disciplinary boundaries of visual media: the artist becomes ink, inhabits the empty canvas space, multiplies herself in mirror games that produce the unfolding of a body in deep crisis, thrown beyond its physical limits and identity. Moreover, in multimedia works such as Feel me, Hear me and See me (1979–1980), as well as in some images of the series entitled The House (1982–1983), Almeida seems to move towards a radical linguistic and pictorial derangement, likely to break the traditional communicative and representative mechanisms. We seek to demonstrate, on the basis of these different aspects relating to photography’s effects of hybridization, and making use of the post-structuralist thought of Jacques Derrida and Gilles Deleuze, that the artist moves towards the designation of a structural space that combines photography, writing and the reinvention of the body. Almeida’s work confronts us with a complex reconfiguration of ways of seeing, feeling and thinking the photographic act, as well as its discursive features.
Sexecology - or ecosexuality - it’s a combination between art and environmental activism, which s... more Sexecology - or ecosexuality - it’s a combination between art and environmental activism, which seeks to make activism "more sexy, fun and diverse" and to involve the LGBTQ community, employing absurdist humor, performance art and sex-positivity as aesthetic and theoretical strategies. By bridging ecology with sexology, ecosex conceives of the earth not as a mother, but as a lover. This conceptual shift invites people to engage their bodies and senses in acts of environmental preservation. Based on An Evening with Annie Sprinkle and Beth Stephens and Wet Dreams Water Ritual (2016) – presented in the opening of the Public Programs of documenta 14 at Parko Eleftherias, Athens - the purpose of this essay is to question the impact and validation of this event, as an artistic and politic manifestation, in the context of the activism of the 21st century.
Quintana, Nº15, 2016. ISSN: 1579-7414, 2016
How does experimental cinema disassemble voyeurism? And what are its political implications when ... more How does experimental cinema disassemble voyeurism? And what are its political implications when viewed from different gender positions? Yoko Ono’s Fly (1970) questions the role of women as passive objects by means of a ‘masculine’ intruder in the form of a fl y. Andy Warhol’s Blowjob (1964) explores the vulnerability of a sexually aroused man and holds the viewer accountable for watching him. In Copies (1975), by Julião Sarmento, the director/voyeur reveals himself at the end, thus abandoning his space-shadow and showing himself to be an exhibitionist.
This paper argues that though the dismantling of voyeurism by the experimental cinema of the 1960 and 70s is often associated with a feminist perspective, there are significant male counter examples, from both queer and heterosexual viewpoints. Warhol and Sarmento question an orthodox feminist theory bound to a binary analysis (male/female, activity/passivity, watching/being watched, voyeur/exhibitionist, subject/object) and show that the subject of voyeurism is far more ambivalent, heterodox and complex.
Photographies, vol.9, n.3. 2016, Sep 27, 2016
This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic wor... more This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic work of the Portuguese artist Julião Sarmento. Taking the installation entitled 1947 — based on the appropriation of an ensemble of found photographs — as the central object of study, this paper seeks to discuss the relationship between archive, memory and the photographic, or the filmic. It is argued that in Julião Sarmento’s artistic work the problematic of the archive acquires an autographical dimension, allowing us to think over the role of both archive and memory as creative processes involving distinct supports and temporalities of the image. It is through the articulation of the psychoanalytical theory regarding recurrence and the unconscious and crucial references whose authors directly or indirectly approach the theme of the archive (J. Derrida, G. Didi-Huberman, H. Foster, A. Buchanan and J. Schwartz, among others) that we will be able to understand the way the archive structure acquires, in Julião Sarmento’s oeuvre, the meaning of a device of (counter-)narration able to materialize the movements of memory itself. The article seeks, therefore, to highlight a temporal and affective dimension that reveals itself to be central in archival practices that comprise the personal archive and found photography.
Cultura. Revista de História de História e Teoria das Ideias, dir. João Luís Lisboa e Luís Manuel A. V. Bernardo. Vol. 35 | 2016. Lisboa: CHAM, pp. 289-333. ISSN: 0870-4546, e-ISSN: 2183-2021., 2016
O presente artigo pretende compreender o fenómeno da propaganda indirecta no cinema enquanto disp... more O presente artigo pretende compreender o fenómeno da propaganda indirecta no cinema enquanto dispositivo ideológico de controlo da vida privada, identificando a forma como foram tratados os papéis do feminino e do masculino no que à intriga amorosa conducente ao casamento diz respeito.
Para o efeito, foram analisados, à luz do contexto sociocultural e político das duas primeiras décadas do Estado Novo em Portugal, sete filmes de ‘comédia à portuguesa’ marcantes do chamado ‘período de ouro’ do cinema português.
A análise comparada do enredo faz emergir um paradoxo: por um lado, o casamento, tido à luz da época como epicentro da vida privada e unidade primária da vida social e afectiva, é naturalmente um dos tópicos centrais nessas narrativas – tudo se encaminha para ele como concretização e realização individual. Porém – salvo raríssimas excepções –, nada dele é retratado. A sua vivência exterior ou social, e sobretudo quotidiana e privada, é omissa. Tratado dessa forma, o casamento não é mais do que um “desfecho ornamental” e uma utopia.
Revista de História da Arte – série W, n.º 6 (2017), Lisboa: IHA-FCSH/NOVA, pp. 59-74. e-issn 2182-3294. Editores: Cláudia Madeira, Fernando Matos Oliveira and Hélia Marçal., 2017
Quadrum, a Lisbon art gallery, is considered today to have been one of the main sites for experim... more Quadrum, a Lisbon art gallery, is considered today to have been
one of the main sites for experimental art in Portugal between
the mid‑1970s and mid‑1980s. Some of the most important
performance art works presented in our country took place
there, such as Gina Pane’s A Hot Afternoon (1978) and João
Vieira’s Caretos (1984). Following these experiences, in 2011 at
Quadrum, the Portuguese artist Alexandra do Carmo exhibited
an audio work based on the testimonies of eyewitnesses to the
Quadrum exhibitions and performances of the earlier era.
This essay examines the possibilities of documenting
performance through oral narrative, looking at the correlations
that are possible when human memory is activated,
counter‑posing a limited archive of photography and
video recording. Acknowledging the importance of Walter
Benjamin for this debate, we look at contemporary theoretical
contributions, in order to build stories of performance art.
Aniki : Revista Portuguesa da Imagem em Movimento. v. 2, n. 1 (2015): Dossier 'Cinema Expandido', Feb 26, 2015
Para lá da dificuldade em circunscrever o seu campo teórico e epistemológico – dada a pluralidade... more Para lá da dificuldade em circunscrever o seu campo teórico e epistemológico – dada a pluralidade de acepções que o mesmo abarca e dos múltiplos desdobramentos que foram despontando nas últimas décadas, - uma das tónicas mais prementes afectas ao expanded cinema refere-se à sua relação com questões de narrativa. Embora pouco óbvia, a referência ao trabalho de Julião Sarmento neste domínio parece-nos particularmente útil, desde logo pelo modo como a obra do artista português configura a existência de um impulso contra-narrativo que, construindo-se primeiramente no interior de uma dialéctica singular entre a fotografia e o cinema, pulveriza de modo particularmente eficaz o centramento estrutural e a linearidade espácio-temporal da sequência de imagens. Seguindo um percurso que nos leva dos filmes experimentais do meio dos anos 70 até às instalações dos anos 2000, procuramos sugerir que a importância do estruturalismo e da perspectiva genealógica da história e da memória do cinema constituem, no contexto da obra do artista, aspectos cada vez mais significativos na pesquisa ligada às novas configurações perceptivas, cognitivas e topológicas que acompanham a emergência do cinema dito expandido. A originalidade e o posicionamento crítico do autor levar-nos-á, por último, a equacionar a hipótese de um anti-expanded-cinema: é que mais do que uma problemática restrita à evolução tecnológica e ao alargamento multi-disciplinar, em Sarmento a expansão do cinema refere-se, sobretudo, à expansão dos critérios ligados à circulação do pensamento e do desejo numa topologia de infra-significação que emerge das novas formas de narrar, de fazer e de exibir cinema. Desta forma, o que está em causa é pois todo um novo modo de identificar, nomear e complexificar a problemática do expanded cinema, para lá da sua definição ortodoxa.
A série Os Reis, exposta pela primeira vez em 1966 na Galeria Leonhart, em Munique, com o título ... more A série Os Reis, exposta pela primeira vez em 1966 na Galeria Leonhart, em Munique, com o título “Die Könige”, valeu a António Costa Pinheiro o prestigiado Prémio Burda na Haus der Kunst de Munique (1966) e o Prémio de Pintura (Förderpreis) da cidade de Munique (1967). Num cortejo de personagens das duas primeiras dinastias, concebido a partir da distância do exílio pátrio, o artista confrontou a grandeza histórica de um Império outrora cantado por poetas, com a imagem desanimadora de um país à época visto externamente como espaço serôdio e profundamente medíocre, em resultado de uma ditadura há muito fora da hora internacional. Cartas Fora do Baralho problematiza a originalidade conceptual e a dimensão eminentemente política desta psicomitografia feita em forma de retratos imaginários, convocando uma série de lendas, memórias e histórias para assim levar o leitor a perder-se num labirinto feito de realidades transpostas e ficções entrecruzadas. Um dos objetivos que lhe deu a sua razão de ser passa igualmente por desvelar o próprio processo criativo de Costa Pinheiro, mapeando pela primeira vez a evolução formal e iconográfica de cada personagem retratada através de um especial enfoque posto nos trabalhos que antecedem aquela que é considerada umas das mais importantes criações pictóricas portuguesas da segunda metade do século XX.
Bruno Marques, Mulheres do Século XVIII. Os Retratos. - Lisboa: Ela por Ela, 2006. , 2006
Apesar de abordar coisas que à partida não ousaria relacionar com o tema – como dissidências e tr... more Apesar de abordar coisas que à partida não ousaria relacionar com o tema – como dissidências e traços de emancipação – este texto não deixa de ser, de forma irremediável, mas consciente, um ensaio de descrição dos modos como a retratística dialecticamente reflecte e organiza os tipos genéricos que configuram o género feminino nas suas diversas facetas, tal como estão ainda socialmente ordenados no Antigo Regime.
É claro que o equilíbrio entre os vários tipos/capítulos terá algo de, eventualmente, inesperado, pois o relevo dado ao retrato de corte não corresponderá necessariamente ao peso que lhe é normalmente atribuído pela historiografia especializada da época, mas antes ao papel que pensamos lhe está concedido neste enredo que, espreitando já um pouco para por cima da cerca cronológica, olha para a modernidade do século XIX.
Como partimos deste descentramento dos plurais esquemas que regulam e orientam a prática do retrato, deixei-me levar sem grandes resistências pela crença de que, ao descrever as diferentes soluções iconográficas, estava a contar a história mais decisiva da sociedade moderna. Ou seja, que, descrevendo isso, a miríade dos factos do quotidiano é essencial para discernir os novos espaços de actuação, as novas posturas e sensibilidades que transformaram o(s) lugar(es) tradicionalmente ocupado(s) pelas mulheres. Neste sentido, a imagem da mulher requerida pelo retrato visa neste projecto um valor sobretudo relacional (ou contextual), ou seja, o papel da normação imagística não depende somente de qualquer suposta fixação das convenções iconográficas, mas dos papéis dos outros complexos normativos que os contextualizam e determinam. Tais papéis são relativamente diversos, indo desde a moral à hierarquia familiar, desde os protocolos das composturas aos rigores estabelecidos da indumentária, desde as situações sociais juridicamente tuteladas às determinações ético-religiosas, sem deixar de levar em conta ainda as formas de classificar e de hierarquizar. Mas, sabendo, por outro lado, que o arranjo destes complexos e o modo como eles se inter-relacionam é historicamente variável.
Às perguntas «como, onde e em que circunstância a mulher do século XVIII é retratada», ainda que de forma algo brutal e redutora, responderia a qualquer das três com o seguinte enunciado: em conformidade, por um lado, com as prerrogativas de género, e, por outro, com a sua condição social. Mas a questão do retrato é bem mais complexa. Cabe ainda perguntar quem é retratado; que propósitos estão por detrás das suas encomendas; como e porque um esquema cede lugar a outro; o que o retrato mostra e o que, por sua vez, não revela da mulher do seu tempo; que imagens mentais do feminino estão subjacentes aos esquemas iconográficos que visualmente o representam?
Conversas sobre Retrato / Portrait Talks, 2023
Based on the monthly cycle of online ‘conversations’ on Portrait that took place throughout 2021,... more Based on the monthly cycle of online ‘conversations’ on Portrait that took place throughout 2021, this ebook brings together conferences given by a group of researchers and specialists, national and international, around the subject of portrait representation in various media , from the most traditional to the most emerging, (re)thinking ideas and practices associated with the Portrait genre, as well as its multiple philosophical, social, cultural and/or political implications. Presenting different approaches from the fields of visual arts and literary arts, according to the scientific background and the areas of work of the guest speakers, this publication — which deliberately keeps a digital record of the conversations that gave rise to it — aims at both challenge borders and commonplaces about genological territories related to the Portrait category and question them from a less academically formatted and restrictive perspective, providing the Portuguese and international scientific community, and all readers interested in this subject, with new critical approaches and methodologies in a transdisciplinary and transnational perspective.
Volvidos cerca de quarenta anos sobre o início da trajectória artística de Julião Sarmento é fina... more Volvidos cerca de quarenta anos sobre o início da trajectória artística de Julião Sarmento é finalmente possível apresentar uma compilação de textos que acompanha a totalidade da sua carreira. O livro que agora se edita reúne um conjunto relevante de “ecos” sobre a obra deste artista, cobrindo um arco temporal compreendido entre 1976, data em que o seu percurso começou a obter reconhecimento crítico e institucional, e 2011.Nele podemos encontrar a pena de curadores, cineastas, críticos de cinema, artistas plásticos, críticos e historiadores de arte, teóricos da imagem, cientistas, colunistas culturais e até escritores. A ideia de juntar os textos críticos (que falam sobre a obra) com textos de recorte literário (que partem da obra para falar artisticamente, ou que nela se inspiraram) permite igualmente compreender o alcance gerador do universo Julião Sarmento, ao motivar que a actividade da escrita por vezes dilua a própria ordem dos géneros discursivos ou inverta mesmo os habituais circuitos de influência entre arte e literatura.
Publicação das actas do Colóquio Internacional Arte & Erotismo (coord. Margarida Acciaiuoli e Bru... more Publicação das actas do Colóquio Internacional Arte & Erotismo (coord. Margarida Acciaiuoli e Bruno Marques, EAC-IHA/FCSH-UNL), reunindo textos assinados por Margarida Acciaiuoli, José Sasportes, José Carlos Alvarez, Paulo Baptista, José Gabriel Pereira Bastos, Ivo André Braz, Afonso Cortez-Pinto, Luís Henriques, Giulia Lamoni, Pedro Lapa, Teresa Lima, Silvina Rodrigues Lopes, Bruno Marques, Paulo Filipe Monteiro, José Oliveira, Lúcia Pesapane, Miguel Proença, Alexandra Ai Quintas, Diniz Cayolla Ribeiro, Catarina Rosendo, Pedro Pavão dos Santos e Rui Zink. Através de colaborações vindas de domínios tão diferentes como o Cinema, a Literatura, a História da Arte, a Fotografia, a Antropologia, a Psicanálise, a Dança ou o Teatro, procurou-se enriquecer o alcance teórico do problema convidando investigadores a reflectir sobre um tema que marca o trajecto da Arte Ocidental. Assim, as comunicações que se apresentam e o tratamento de que são objecto, podem ser vistas como uma primeira tentativa de abordagem sistemática do assunto. Seis painéis temáticos agrupam assim as participações:
- A SEDUÇÃO DAS IMAGENS
- DISCURSO E ESPECTÁCULO
- EROTISMO E MODERNIDADE
- EROTISMO NO ESPAÇO QUOTIDIANO
- POÉTICAS DO CORPO
- POTÊNCIA E TRANSGRESSÃO
- ENSAIOS DE CRIAÇÃO
Miguel Hernández Communication Journal, Vol. 15 (1), pp. 113 a 137, 2024
As same sex marriage emerged at centre of the social and political debate in Por- tugal, the film... more As same sex marriage emerged at centre of the social and political debate in Por- tugal, the film Hero, Captain, and Stranger (2009), by João Pedro Vale (JPV) and Nuno Alexandre Ferreira (NAF), inter- sected art, identity politics and porno- graphy in a manner hitherto unseen in Portugal. A homoerotic adaptation of Herman Melville’s 1851 novel Moby-Dick; or, The Whale, the film confronts a series of aesthetical and political taboos (and prejudices) which have never been analy- sed in depth despite their topicality. Initia- lly conceived to survey the references to Portuguese seaman from Massachusetts
in Herman Melville’s novel, the project by JPV and NAF is an irreverent provocation to a ‘semi-peripheral’ milieu, which still denied juridical recognition of homosexual marriage thirty-five years after the demise of the dictatorial regime (1926-1974). Basing itself on overcoming the incompatibility between art and pornography, as well as exploring the dis- tinctive connection between the idea of democratic eros and a more egalitarian model of gay porno- graphy, this article highlights the transformative capacity of ‘pornographic art’ to challenge established categories. It unveils a nuanced landscape that encourages a reevaluation of societal norms and moral dichotomies, ultimately facilitating a more inclusive and expansive comprehension of human desire.
Diálogos, 26(1), 98-122., 2022
Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at ... more Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at Cristina Guerra Galery (Lisbon), this article addresses the strategies of discursive repression of homosexual identity during the Portuguese Estado Novo period. Analyzing the works exhibited and their critical reception, we used Foucault's conceptualization of the panopticon and archaeological strategy as a marginal archive (queer). Given the official suppression of the English word "homosexual", Vale and Alexandre respond with the word cruizing, so that we can classify a set of prohibited practices that, in Portuguese, not long ago could not have an appropriate name.
Journal of Science and Technology of the Arts, 13(1), 80-86., 2021
This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Wo... more This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Works, that took place in Universidade Católica Portuguesa in Porto in 2019. This exhibition reunited 10 works in film and video produced by the Portuguese artist in different moments of his career. Following the audiovisual essay's structure, I will approach three thematic obsessions transversal to Julião Sarmento's work, as a reflexive proposal about a gaze phenomenology (or a vision's perversity), regarding dispositives that involve the moving image. Particularly, in what concerns the problematic of desire. These are: (1) The constant work of language (the real, the symbolic and the imaginary); (2) The fragmented body (the conscience/disassembling of voyeurism); (3) The rhythm (exposing the matter of time in favour of a deceptive aesthetics).
Iberic@l, Revue d’études ibériques et ibéro-américaines, 2020
Avec la série Pour l’étude de la mélancolie au Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis tend un mi... more Avec la série Pour l’étude de la mélancolie au Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis tend un miroir aux élites intellectuelles qui peuvent alors s’y contempler d’un regard neuf. En répondant à « l’hypertrophie de notre autoconscience» qui nous rend « absents de notre propre réalité », le peintre anticipe l’oeuvre Le labyrinthe de la saudade (1978). Ainsi, plutôt que d’accompagner les comportements et les actions révolutionnaires de mai 68 en France, adaptés au climat du « printemps marceliste » au Portugal, où l’espoir a vite laissé place à l’ennui, nous observons une génération de femmes incapables d’affronter et d’assumer leur propre sens d’accomplissement et leur destin. À travers les lectures d’Eduardo Lourenço sur le manque de réalité qui marque les réflexions du peuple portugais sur lui-même, cet article revisite ces images à la lumière du nouveau rôle féminin dans le nouvel espace de l’intellectualité portugaise qui s’est ouvert au Portugal entre mai 68 et la Révolution des OEuillets, en 1974.
Resumo: Com a série Para o estudo da Melancolia em Portugal (1971-1974), Nikias Skapinakis oferece-nos um daqueles espelhos em que as elites intelectuais se podem rever de um só golpe de vista e em corpo inteiro. Expondo a “hipertrofia da nossa autoconsciência” que nos torna “ausentes da nossa própria realidade”, o pintor antecipa o fundamental livro O Labirinto da Saudade (1978). Mais do que acompanhar atitudes e atividades revolucionárias do Maio de 68 em França ajustadas ao clima da Primavera Marcelista, onde a esperança rapidamente cedeu lugar ao tédio, vemos uma geração de mulheres incapaz de enfrentar e assumir o seu próprio sentido e destino. A partir das teses de Eduardo Lourenço a respeito do défice de realidade que pauta os discursos dos portugueses sobre eles próprios, o presente artigo relê estas imagens à luz do papel do feminino no novo espaço da intelectualidade portuguesa que se abriu em Portugal entre o Maio de 68 e a Revolução dos Cravos de 1974.
Revista 2i: Estudos De Identidade E Intermedialidade, 1(Especial). , 2019
Que espaço ocupa o retrato num panorama que dá tanta ênfase ao corpo? É caso para dizer que o cor... more Que espaço ocupa o retrato num panorama que dá tanta ênfase ao corpo? É caso para dizer que o corpo, a partir das últimas décadas do século XX, se tornou num significante despótico que subordina qualquer expressão artística chegando mesmo ao ponto de afectar a prática do retrato ousando eclipsar daquilo que com ele estava mais conotado: a imagem de um rosto. Partindo do conceito de visagéité de Gilles Deleuze e Félix Guattari e das noções “paisagens-corpos”, “paisagens-rostos” e “devir-rosto” desenvolvidas por José Gil, predentemos com este ensaio reflectir sobre um processo que aqui designamos de “transferência de funcionalidade”, através da qual o corpo se torna “rosto”.
Estudos Ibero-Americanos, 2020
As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importa... more As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importante guia para compreender a forma heterodoxa e “contraditória” como foi usada a fotografia enquanto meio de inculcação de um modelo feminino consentâneo com a ideologia do regime. Estas revelam uma intrínseca dialética entre temas / formas “tradicionalistas” e “modernistas”. Tomando como objecto de análise as fotografias publicadas no Boletim da Mocidade Portuguesa Feminina (1939-1947), o objectivo deste artigo é compreender de que modo esta dialética é posta ao serviço da propaganda do Estado Novo.
RIHA Journal, 2019
Instead of stabilising the poles of stasis and non-stasis, and narrative and nonnarrative, in the... more Instead of stabilising the poles of stasis and non-stasis, and narrative and nonnarrative, in the 1970s, Julião Sarmento plays within a concomitant scheme: photography and painting, photography and film, stasis and narrative are merged. What is at stake is the possibility of challenging the modernist tenets of photography canonically defined in opposition to painting and cinema. The perversity is not only in the content of some works but also in the very logic underlying the approach to the medium in Sarmento's œuvre, whether through a perversion of the boundaries between the media or by the assertion of the medium itself as perversion. This paper presents a case study that reflects upon the replacement of a structural and negative system with an unsystematic difference (in the sense less of expansion than of the medium's deconstruction). New dimensions concerning the issues of contamination and hybridisation in contemporary art are also brought into play.
MODOS. Revista de História da Arte., 2018
The attempt to retain the trivial, to bring visibility to the seemingly banal and thus to refuse ... more The attempt to retain the trivial, to bring visibility to the seemingly banal and thus to refuse everyday life´s dilution into oblivion is one of the features that can be identified in many artistic proposals that have been under development mostly since the second post -war.
This production privileges a renewed contact with reality and finds translation through the appropriation, the use and the problematization of its materials, its objects and its gestures - as became particularly evident in Pop Art or Nouveau Réalisme, but also in the different performative dynamics that acquired an increasing consistency over the subsequent decades and which continue to be currently explored.
Starting from the 1960s, and taking as a reference the production of different artists who have recovered actions often considered as anonymous or residual (Lefebvre 1947), this paper aims at problematizing everyday life in contemporary art.
Philosophy of Photography 9, no.1: 71-93, Apr 1, 2018
The fictional regime of the photographic image allows Helena Almeida to stage a theatrical metamo... more The fictional regime of the photographic image allows Helena Almeida to stage a theatrical metamorphosis of her own body through displacements, expansions and dissimulations, placing photography at the heart of a pictorial transgression that undermines the disciplinary boundaries of visual media: the artist becomes ink, inhabits the empty canvas space, multiplies herself in mirror games that produce the unfolding of a body in deep crisis, thrown beyond its physical limits and identity. Moreover, in multimedia works such as Feel me, Hear me and See me (1979–1980), as well as in some images of the series entitled The House (1982–1983), Almeida seems to move towards a radical linguistic and pictorial derangement, likely to break the traditional communicative and representative mechanisms. We seek to demonstrate, on the basis of these different aspects relating to photography’s effects of hybridization, and making use of the post-structuralist thought of Jacques Derrida and Gilles Deleuze, that the artist moves towards the designation of a structural space that combines photography, writing and the reinvention of the body. Almeida’s work confronts us with a complex reconfiguration of ways of seeing, feeling and thinking the photographic act, as well as its discursive features.
Sexecology - or ecosexuality - it’s a combination between art and environmental activism, which s... more Sexecology - or ecosexuality - it’s a combination between art and environmental activism, which seeks to make activism "more sexy, fun and diverse" and to involve the LGBTQ community, employing absurdist humor, performance art and sex-positivity as aesthetic and theoretical strategies. By bridging ecology with sexology, ecosex conceives of the earth not as a mother, but as a lover. This conceptual shift invites people to engage their bodies and senses in acts of environmental preservation. Based on An Evening with Annie Sprinkle and Beth Stephens and Wet Dreams Water Ritual (2016) – presented in the opening of the Public Programs of documenta 14 at Parko Eleftherias, Athens - the purpose of this essay is to question the impact and validation of this event, as an artistic and politic manifestation, in the context of the activism of the 21st century.
Quintana, Nº15, 2016. ISSN: 1579-7414, 2016
How does experimental cinema disassemble voyeurism? And what are its political implications when ... more How does experimental cinema disassemble voyeurism? And what are its political implications when viewed from different gender positions? Yoko Ono’s Fly (1970) questions the role of women as passive objects by means of a ‘masculine’ intruder in the form of a fl y. Andy Warhol’s Blowjob (1964) explores the vulnerability of a sexually aroused man and holds the viewer accountable for watching him. In Copies (1975), by Julião Sarmento, the director/voyeur reveals himself at the end, thus abandoning his space-shadow and showing himself to be an exhibitionist.
This paper argues that though the dismantling of voyeurism by the experimental cinema of the 1960 and 70s is often associated with a feminist perspective, there are significant male counter examples, from both queer and heterosexual viewpoints. Warhol and Sarmento question an orthodox feminist theory bound to a binary analysis (male/female, activity/passivity, watching/being watched, voyeur/exhibitionist, subject/object) and show that the subject of voyeurism is far more ambivalent, heterodox and complex.
Photographies, vol.9, n.3. 2016, Sep 27, 2016
This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic wor... more This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic work of the Portuguese artist Julião Sarmento. Taking the installation entitled 1947 — based on the appropriation of an ensemble of found photographs — as the central object of study, this paper seeks to discuss the relationship between archive, memory and the photographic, or the filmic. It is argued that in Julião Sarmento’s artistic work the problematic of the archive acquires an autographical dimension, allowing us to think over the role of both archive and memory as creative processes involving distinct supports and temporalities of the image. It is through the articulation of the psychoanalytical theory regarding recurrence and the unconscious and crucial references whose authors directly or indirectly approach the theme of the archive (J. Derrida, G. Didi-Huberman, H. Foster, A. Buchanan and J. Schwartz, among others) that we will be able to understand the way the archive structure acquires, in Julião Sarmento’s oeuvre, the meaning of a device of (counter-)narration able to materialize the movements of memory itself. The article seeks, therefore, to highlight a temporal and affective dimension that reveals itself to be central in archival practices that comprise the personal archive and found photography.
Cultura. Revista de História de História e Teoria das Ideias, dir. João Luís Lisboa e Luís Manuel A. V. Bernardo. Vol. 35 | 2016. Lisboa: CHAM, pp. 289-333. ISSN: 0870-4546, e-ISSN: 2183-2021., 2016
O presente artigo pretende compreender o fenómeno da propaganda indirecta no cinema enquanto disp... more O presente artigo pretende compreender o fenómeno da propaganda indirecta no cinema enquanto dispositivo ideológico de controlo da vida privada, identificando a forma como foram tratados os papéis do feminino e do masculino no que à intriga amorosa conducente ao casamento diz respeito.
Para o efeito, foram analisados, à luz do contexto sociocultural e político das duas primeiras décadas do Estado Novo em Portugal, sete filmes de ‘comédia à portuguesa’ marcantes do chamado ‘período de ouro’ do cinema português.
A análise comparada do enredo faz emergir um paradoxo: por um lado, o casamento, tido à luz da época como epicentro da vida privada e unidade primária da vida social e afectiva, é naturalmente um dos tópicos centrais nessas narrativas – tudo se encaminha para ele como concretização e realização individual. Porém – salvo raríssimas excepções –, nada dele é retratado. A sua vivência exterior ou social, e sobretudo quotidiana e privada, é omissa. Tratado dessa forma, o casamento não é mais do que um “desfecho ornamental” e uma utopia.
Revista de História da Arte – série W, n.º 6 (2017), Lisboa: IHA-FCSH/NOVA, pp. 59-74. e-issn 2182-3294. Editores: Cláudia Madeira, Fernando Matos Oliveira and Hélia Marçal., 2017
Quadrum, a Lisbon art gallery, is considered today to have been one of the main sites for experim... more Quadrum, a Lisbon art gallery, is considered today to have been
one of the main sites for experimental art in Portugal between
the mid‑1970s and mid‑1980s. Some of the most important
performance art works presented in our country took place
there, such as Gina Pane’s A Hot Afternoon (1978) and João
Vieira’s Caretos (1984). Following these experiences, in 2011 at
Quadrum, the Portuguese artist Alexandra do Carmo exhibited
an audio work based on the testimonies of eyewitnesses to the
Quadrum exhibitions and performances of the earlier era.
This essay examines the possibilities of documenting
performance through oral narrative, looking at the correlations
that are possible when human memory is activated,
counter‑posing a limited archive of photography and
video recording. Acknowledging the importance of Walter
Benjamin for this debate, we look at contemporary theoretical
contributions, in order to build stories of performance art.
Aniki : Revista Portuguesa da Imagem em Movimento. v. 2, n. 1 (2015): Dossier 'Cinema Expandido', Feb 26, 2015
Para lá da dificuldade em circunscrever o seu campo teórico e epistemológico – dada a pluralidade... more Para lá da dificuldade em circunscrever o seu campo teórico e epistemológico – dada a pluralidade de acepções que o mesmo abarca e dos múltiplos desdobramentos que foram despontando nas últimas décadas, - uma das tónicas mais prementes afectas ao expanded cinema refere-se à sua relação com questões de narrativa. Embora pouco óbvia, a referência ao trabalho de Julião Sarmento neste domínio parece-nos particularmente útil, desde logo pelo modo como a obra do artista português configura a existência de um impulso contra-narrativo que, construindo-se primeiramente no interior de uma dialéctica singular entre a fotografia e o cinema, pulveriza de modo particularmente eficaz o centramento estrutural e a linearidade espácio-temporal da sequência de imagens. Seguindo um percurso que nos leva dos filmes experimentais do meio dos anos 70 até às instalações dos anos 2000, procuramos sugerir que a importância do estruturalismo e da perspectiva genealógica da história e da memória do cinema constituem, no contexto da obra do artista, aspectos cada vez mais significativos na pesquisa ligada às novas configurações perceptivas, cognitivas e topológicas que acompanham a emergência do cinema dito expandido. A originalidade e o posicionamento crítico do autor levar-nos-á, por último, a equacionar a hipótese de um anti-expanded-cinema: é que mais do que uma problemática restrita à evolução tecnológica e ao alargamento multi-disciplinar, em Sarmento a expansão do cinema refere-se, sobretudo, à expansão dos critérios ligados à circulação do pensamento e do desejo numa topologia de infra-significação que emerge das novas formas de narrar, de fazer e de exibir cinema. Desta forma, o que está em causa é pois todo um novo modo de identificar, nomear e complexificar a problemática do expanded cinema, para lá da sua definição ortodoxa.
Revista de História da Arte, 2015
Identity, articulating image and meaning, constitutes a category of long duration in the history ... more Identity, articulating image and meaning, constitutes a category of long duration in the history of the West and a privileged topos of problematization in times of crisis. The current questioning of modernity´s norms and of the way they were based on ambivalence between the proper and improper constitutes an example of it.
In his artistic practice, Vasco Araújo adopts different masks taken from modernity, while mapping their mechanisms of control. In this enactment, the tensional juxtaposition of classic and modern, static nature and performance, voice and writing, continually gives rise to different persona. It is not possible to think contemporary identity without considering the ambivalence of the mask. In this sense, this article focuses primarily on two specific questions: (1) the hypothesis, in the present, of a crisis of identity in its proper meaning; (2) the possibility for the improper to constitute itself as the in-actuality of identity.
in Revista de História da Arte. – Lisboa, Instituto de História de Arte / FCSH da UNL, 2008, n.º 5, pp. 188-207., 2008
Na série dos Reis Costa Pinheiro desvirtua uma amálgama de signos provenientes da estatuária, da ... more Na série dos Reis Costa Pinheiro desvirtua uma amálgama de signos provenientes da estatuária, da heráldica e da iconografia das cartas de jogar, em função de um jogo poético que confunde ironicamente lenda, memória e história no mesmo horizonte de
representação. Desígnio que antecipa a verve "anti-zarco" de João Cutileiro, ao exortar uma desmitificação dos estereótipos naturalizados pelos esquemas iconológicos que a estatuária oficial estadonovista veicula. Como alternativa à dissolução do género,
corrompido na sua "lei" (efeito da arbitrariedade radical que liberta o significante neofigurativo do lastro do sujeito/referente que o consubstanciava), supõe-se uma ideia de retrato expansivo e permeável, que se firma em permanente extravasamento. Estatuto
que não o nega, antes o desloca ante as suas estipulações históricas mais ortodoxas.
in Revista de História da Arte. – Lisboa, Instituto de História de Arte / FCSH da UNL, 2008, n.º 5, pp. 8-17., 2008
Entre a miríade de campos de pesquisa em que José Gil se vem debruçando nos últimos anos, o que a... more Entre a miríade de campos de pesquisa em que José Gil se vem debruçando nos últimos anos, o que aqui nos merece particular interesse prende-se com um conjunto de escritos consignados ao tema do “retrato”. Talvez a sua pedra angular assente na defnição mesma de “retrato” como construção de um “eterno” enquanto obsessão estético-metafísica em sobreviver realmente à morte, na justa medida em que este suspende o tempo, torna presente a ausência, “ressuscita” o modelo morto, porque o fxa numa imagem “viva”. Foi em particular esta formulação que motivou a presente entrevista que o Professor José Gil muito amavelmente nos concedeu. Mas mais do que insistir na fxação de uma determinada noção, afrma-se aqui a necessidade de repensá-la, especialmenteno quadro das proundas mutações preconizadas pela arte contemporânea no que ao retrato dizem respeito. Foram abordadas questões da máxima relevância relativamente ao actual debate sobre a temática, e que, de modo muito esquemático, perspectivam criticamente, por exemplo, os motivos da impossibilidade de, hoje, se poder retratar segundo os postulados do retrato clássico, os efeitos da queda da“velha metafísica do Eu, único e idêntico a si mesmo”; as desestruturações avançadas pelo pensamento em torno da Teoria do Género; a desmontagem moderna e contemporânea do retrato; e as vias que, por seu turno, apontam para a sua “reinvenção” na viragem do milénio.
Maria Araujo da Silva e Fernando Curopos (dir.), Artistes et intellectuelles portugaises à Paris, Paris, Editions Hispaniques, 2023
São dois os relatórios redigidos por Helena Almeida sobre a sua estada em Paris nos quais relata ... more São dois os relatórios redigidos por Helena Almeida sobre a sua estada em Paris nos quais relata as suas actividades enquanto bolseira da FCG. O primeiro, relativo ao primeiro período de bolsa, balizado entre Outubro e Dezembro de 1964 , é composto por 21 páginas manuscritas que listam detalhadamente, nalguns casos com comentários, as 64 exposições por si visitadas em museus e galerias. O segundo relatório, referente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 1965 , dá conta, em 5 páginas dactilografadas, de 61 exposições.
Sob a forma de tópicos, e cientes de não ser sempre possível demonstrar uma relação directa de causa e efeito, ensaiamos uma articulação prospectiva entre o que Helena Almeida destaca nos relatórios e algumas obras que ela produzirá no arranque da sua carreira. Importa, assim, referir que as « pedras de toque » aqui distinguidas constituem, nesta primeira aproximação, tão somente aqueles referentes que nos parecem ter contribuído para o gradual estabelecimento dos eixos principais do seu programa, assumindo o risco de excluir como irrelevantes muitas outras manifestações artísticas que poderão ter participado na definição desse « caminho ».
Laboratório de Curadoria, 2012
Julião Sarmento tem uma carreira com mais de 40 anos, que atravessa sucessivos contextos geracion... more Julião Sarmento tem uma carreira com mais de 40 anos, que atravessa sucessivos contextos geracionais e conjunturas artísticas. Tendo a sua obra sido objeto de interesse e análise por parte de alguns dos mais proeminentes críticos e curadores da atualidade, o seu percurso presta-se facilmente a uma análise sobre as transformações que afetaram a atividade da crítica de arte, assim como ao estudo do correlativo processo de ascensão e estabelecimento da curadoria nos últimos três ou quatro decénios.
Se é certo que há uma crise ou já uma ausência de “crítica de arte”, tal não significa que não haja uma “crítica sobre arte” operante e de boa saúde, na medida que esta foi expandida e reconfigurada.
Arte & Viagem (coord. Margarida Acciaiuoli, Ana Duarte Rodrigues). - Lisboa: IHA-EAC/FCSH-UNL, 2012, pp. 251-267 (publicação apoiada pela FCT)., 2012
Sob a égide de conceitos em pleno processo de reabilitação/redefinição – como paisagem, territóri... more Sob a égide de conceitos em pleno processo de reabilitação/redefinição – como paisagem, território ou viagem - partindo da noção de cartografia podemos desenrolar uma linha de fuga que atravessa algumas das obras chave de Julião Sarmento ao longo da década de 70. A partir sobretudo de 1975/1976 efectiva-se no trabalho deste artista uma transição da geografia física para a geografia humana. Ressalta daqui um fio de pesquisa de índole topográfica e documental iniciado na fotografia – através dos ensaios de mapeamento do espaço público/urbano, dos lugares de domínio doméstico ou privado, do habitat natural dos animais selvagens e de espaços de clausura dos mesmos –, e que entretanto adquire significativamente novas matizes, quando o artista envereda pelo olhar fílmico explorando percursos especulares e tácteis de sugestão erótica revestidos por uma forte componente voyeuristica. Ainda que os seus trabalhos se apoiem numa topografia do corpo movido pelo desejo, as coordenadas espacio-temporais deste lugar (topos) são a viagem, o percurso incessante, a itinerância sem fim, feita por vezes através de uma deambulação febril e obsessiva.
in Arte & Melancolia (coord. Margarida Acciaiuoli e Maria Augusta Babo). - Lisboa: IHA-EAC | CECL, FCSH/UNL, 2011, pp. 475-502 (publicação apoiada pela FCT)., 2011
Enquanto melancólico confesso, James Joyce é tido por alguns dos seus actuais estudiosos como alg... more Enquanto melancólico confesso, James Joyce é tido por alguns dos seus actuais estudiosos como alguém que com a sua obra literária antecipou parte das ideias de Sigmund Freud defendidas em "Luto e Melancolia" (Freud 1917) , designadamente a tese que alega que o narcisismo, quando patologicamente accionado pela melancolia, é movido por um instinto de morte/auto-destruição.
Julião Sarmento é autor de uma série pictórica, de meados dos anos 90, dedicada às cartas de amor que Joyce dirige a Nora Barnacle; correspondência reunida em 1975 pelo seu melhor biógrafo, Richard Ellmann, a qual fora enviada a diferentes tempos – a maior parte entre 1904 e 1909, contando-se algumas missivas de 1911 a 1920, – ao sabor da errância do escritor irlandês por cidades como Dublin, Trieste ou Londres.
Atendendo ao impulso de encenação e de auto-feminização que perpassa o artista português no decénio de 90, num conjunto de imagens, onde uma figura feminina ambiguamente põe em perigo a sua própria integridade física, parece habitar toda uma intrincada rede de questões que religam, de modo enigmático, a esfera da criação artística ao universo da exercitação do desejo mediante um perturbante vórtice suicidário.
in Arte & Erotismo (coord. Margarida Acciaiuoli e Bruno Marques). - Lisboa: IHA-EAC, pp. 325-351 (publicação apoiada pela FCT) isbn: 978-989-95291-6-8, 2012
O presente ensaio indaga sobre o modo como através da noção de “quadros vivos”, Julião Sarmento t... more O presente ensaio indaga sobre o modo como através da noção de “quadros vivos”, Julião Sarmento tem algo a dizer de novo sobre o erótico, ao imprimir uma tensão entre o quadro sadiniano (imobilidade e apatia) e a linguagem do cinema experimental (o aborrecimento warholiano). Por esta via, o artista português atinge a auto-consciência do diferimento sensitivo, justamente através do poder erótico do cinema.
in IV Congresso da Associação de História de Arte Portuguesa / Homenagem a José-Augusto França (livro de resumos + CD de Comunicações), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012., 2012
Com uma série pictórica de sombras projectadas de pessoas, datada de inícios dos anos 1960, Lourd... more Com uma série pictórica de sombras projectadas de pessoas, datada de inícios dos anos 1960, Lourdes Castro parece não «ressuscitar» o modelo morto, porque, efectivamente, não o «fixa» em imagem «viva». Apresentando, ao invés, as pessoas como espectros, ela afasta-se do sentido essencial da "ostensiva obsessão estético-metafísica em sobreviver realmente à morte" de que José Gil nos fala, isto é, daquela função específica do retrato, enquanto "dispositivo particular de fabricação de um tempo real eterno dentro do tempo". Com uma boa dose de paradoxismo, apesar de entrar em colapso a primeira condição do retrato moderno – o seu suporte fenomenológico, a contemplação da imagem integral do outro, os sinais substitutivos, os traços de uma expressividade que esconde, fazendo rolar a ilusão, a aparência, a iminência da fala –, a verdade é que o desígnio mítico, originário do retrato é, em Lourdes Castro, alcançado: uma pintura que, em nome dos afectos, torna ainda, por assim dizer, presente o próprio ausente.
Curator’s Lab, 2012
Julião Sarmento’s career has extended over a period of more than 40 years, spanning successive ge... more Julião Sarmento’s career has extended over a period of more than 40 years, spanning successive generational contexts and artistic situations. His oeuvre has been subject to interest and analysis by several leading contemporary art critics and curators, and anthological and retrospective exhibitions of his works have been organised by the most prestigious national and international institutions. His career thus easily lends itself to analysis of the changes that have influenced the activity of art criticism, and the correlative process of the ascension and consolidation of curatorship over the last 3-4 decades.
Arte & Utopia (coord. Margarida Acciaiuoli et al.), Oct 2, 2013
Por oposição à teleologia do progresso (que aparece associada à urbanidade industrial), a obra de... more Por oposição à teleologia do progresso (que aparece associada à urbanidade industrial), a obra de Cabrita Reis é vista como algo no qual habita uma espécie de “arcaísmo”, evocação que envolve uma “cifra de sentido arquétipo” próprio de um “tempo mítico” . Ao mesmo tempo, ela está impregnada de ecos oriundos de casos paradigmáticos da história da arte e da arquitectura que envolvem uma vincada dimensão utópica (Piranesi, a contenção formal da pintura modernista, os construtivistas russos, as torres modernistas, entre outros).
Apesar de ser possível descortinar um espaço “utópico” no trabalho deste artista, ele opera de forma divergente, senão oposta, a tais referências. A possibilidade de perspectivar o actual como ruína mediante um acto primordial afecto à construção com vista a “refazer o mundo” e a repor uma “harmonia original”, leva-nos a pensar num movimento circular, regressivo, suspenso, mnemónico e sobreposto, ao invés do tempo linear e progressivo (no limite, quase “amnésico”) da modernidade e sobretudo do modernismo, o que inviabiliza uma projecção modelar de futuro, mas que ao mesmo tempo não cerceia a sua ambição, digamos, visionária.
Ante a tão famigerada equação arte/construção/utopia que a primeira metade do século XX radicalizou, “por oposição ao acto final e político da ordenação do espaço colectivo” , Cabrita Reis concebe antes um paralelo arquitectónico meditativo e ficcional; revelação poética e mítica a respeito do nosso lugar no mundo; intuição da verdade que emerge de um espaço metafórico que pretende ser anterior e posterior àquele onde se apresenta. Por isso trata-se de uma obra simultaneamente atópica e utópica que, buscando o absoluto, anseia substituir o mundo inteiro.
As indagações de Julião Sarmento em torno de uma ânsia obsessiva pelo toque são centrais na sua f... more As indagações de Julião Sarmento em torno de uma ânsia obsessiva pelo toque são centrais na sua filmografia experimental. Recorrendo ao cinema super-8 e 16mm, prolonga os questionamentos warholianos sobre o poder erótico da tela cinematográfica ao hiperbolizar o interruptor da hiper-consciência da nossa própria corporalidade, como se compensasse o que nos foi negado. Diante de filmes como Pernas (1975), Faces ou Sombra (1976), somos directamente reportados para os filmes independentes de Andy Warhol, onde se inventa um conjunto de novos géneros fílmicos marcados pela impassiva indiferença contemplativa – Sleep, Kiss ou Blow Job (1963). Através de planos de sequência contínuos e da projecção dos actos em câmara ultralenta, Sarmento torna inteligível o laço apertado que ata a dilatação/retardamento do tempo, simulado por via tecnológica, com a própria natureza do olhar voyeur – que se detêm hipnoticamente na contemplação muda que suspende o fluxo objectivo da duração, visando congelar, eternizar, o momento, e, assim, o seu objecto de fascínio. Chegamos por esta via ao aborrecimento no âmbito das pesquisas sobre o desejo e a afecção psicológica da imagem erótica no cinema. Directamente subsidiário do “anti-cinema” de Warhol, esta estratégia serve-lhe para inquirir a expectativa do consumidor de imagens sexualmente explícitas. Girando em torno das nossas expectativas, Sarmento impõe continuamente uma desconcertante ausência de resolução, tanto sexual como narrativa. Esta irresolução funciona invariavelmente como diferimento de um qualquer clímax, associando a problemática do desejo a um adiamento constante, à inexistência de um objectivo outro que não o da sua manutenção.
Actas do IV Congresso de História da Arte Portuguesa em Homenagem a José-Augusto França Sessões Simultâneas (2.ª edição revista e aumentada), pp. 435-442., 2014
Partimos de uma das mais importantes fábulas clássicas que nos narram histórias de sombras – a pi... more Partimos de uma das mais importantes fábulas clássicas que nos narram histórias de sombras – a pintura (e o retrato) teriam nascido no dia em que o homem teve a ideia de desenhar os contornos de uma sombra projectada sobre uma superfície. Convocamos o papel do índice que estava em jogo, insistindo na equação entre a relação amorosa e o desejo de conservar vestígios físicos de uma presença votada a desaparecer. Com o decalque de uma sombra, Lourdes Castro arranca uma parte de um continuum mais amplo: o passado – como um Monumento – passa a ser uma espécie de eterno passado no presente. Não obstante, ao contrário do desígnio do retrato (tal como definido na Renascença), Lourdes Castro parece não «ressuscitar» o modelo morto, porque, efectivamente, não o «fixa» em imagem «viva». Apresentando, ao invés, as pessoas como espectros, ela afasta-se do sentido essencial da ostensiva obsessão estético-metafísica em sobreviver realmente à morte de que José Gil nos fala; isto é, daquela função específica do retrato, enquanto dispositivo particular de fabricação de um tempo real eterno dentro do tempo. Com uma boa dose de paradoxismo, apesar de entrar em colapso a primeira condição do retrato moderno – o seu suporte fenomenológico, a contemplação da imagem integral do outro, os sinais substitutivos, os traços de uma expressividade que esconde, fazendo rolar a ilusão, a aparência, a iminência da fala, como critérios do retrato vivo –, a verdade é que o desígnio mítico, originário do retrato é, em Lourdes Castro, alcançado: uma pintura que, em nome dos afectos, torna ainda, por assim dizer, presente o próprio ausente.
Utopia: The Avant-Garde, Modernism and (Im)possible Life (eds. David Ayers, Benedikt Hjartarson, Tomi Huttunen and Harri Veivo), 2015
As opposed to teleology of progress (which appears associated with industrial urbanity), the work... more As opposed to teleology of progress (which appears associated with industrial urbanity), the work of Cabrita Reis is seen as something that fosters a certain "archaism", a recollection that involves a "cypher of archetypal meaning" typical of a "mythical time". Concurrently, it is full of echoes from paradigmatic cases of History of Art and Architecture presenting a strong utopic dimension (Piranesi, the formal restraint of modernist painting, the Russian constructivists, the modernist towers, etc.).
While it is possible to unveil a "utopic" space in his work, he acts in different ways, perhaps even opposite to such references. The opportunity of foreseeing the present as ruins through a primordial action dedicated to the construction in order to "remake the world" and to reinstate a "unique harmony”, sets us to think in a circular movement, regressive, suspended, mnemonic and superimposed, rather than the linear and progressive time (ultimately, almost "amnesiac") of modernity and especially modernism, which prevents an exemplary prediction of the future, but at the same time does not restrict his ambition, say, visionary.
Before such infamous equation art/construction/utopia radicalised during the first half of the 20th century, opposing "to the final political act of collective space arrangement", Cabrita Reis devises instead a meditative and fictional architectural parallel; a poetic and mythical revelation about our place in the world; intuition of the truth that arises from a metaphorical space looking to be anterior and posterior to where it is presented. Thus, it is a work both utopic and atopic that, while seeking the absolute, yearns to replace the entire world.
N. Abranja, A. A. Alcântara, F. Coelhoso, R. V. Ferreira, A. Marques, & T. Ribeiro (Eds.), Produtos, mercados e destinos turísticos. Mangualde: Edições Pedago. ISBN: 978-972-8980-65-0., 2016
O aumento da esperança de vida, o aumento do tempo livre depois da reforma e a necessidade de o o... more O aumento da esperança de vida, o aumento do tempo livre depois da reforma e a necessidade de o ocupar com actividades que proporcionam o convívio, o divertimento e novos conhecimentos, constituem um desafio premente ao qual Museus e Turismo Cultural terão que dar respostas. O envelhecimento é para muitos um “problema” (devido à diminuição da população activa, à falência do Serviço de Segurança Social, ao desequilíbrio do Sistema Nacional de Pensões, aos encargos avultados para o Serviço Nacional de Saúde, etc.), mas deve ser tomado, também, como uma oportunidade, pelo menos se tomado na óptica da dinamização concertada de dois sectores (Cultura/Museu e Sociedade/Universidades Seniores), através do Turismo como factor decisivo de incremento.
AVANCA | Cinema 2016. Internacional Conference, 2016
This paper focuses on the always complex conflicts between artistic creation and the standards th... more This paper focuses on the always complex conflicts between artistic creation and the standards that define a work of art as immoral or " morally acceptable ". Establishing a comparison between Vladimir Nabokov's Lolita (1952), the eponymous comedy-drama directed by Stanley Kubrick (1962), as well as paintings – and, more recently, photographs – by Balthus, we explore the relationship between films and painting, reflecting on the ethical, aesthetic and political implications resulting from a dilemma that puts art on the one side and morality on the other. If indeed there is a right under threat – the universal right to artistic freedom of expression – we also have, in turn, another safeguarded right – the right of the child not to have his or her image sexually exploited by a deviant artistic treatment. The source of this problem lies, as was the case with Nabokov's novel, in a recent report highlighting the recurrence and ongoing relevance of the theme: in 2014, in response to public outcry, the Folkwang Museum in Essen, Germany, cancelled an exhibition of Polaroid photographs taken by Balthus. A December article in the major newspaper Die Zeit called the images, depicting a model named Anna from ages 8 to 16, " documents of paedophile greed ". These images, some of which were used as preparatory work for Balthus's paintings, are always suggestive and considered by many of great eroticism. Lolitas representing enigmatic places of evasion in painting, photography and cinema ultimately allow us to question freedoms and the limits of transgressive beauty.
MARIA TERESA CRUZ, MARIA AUGUSTA BABO, JOSÉ GOMES PINTO (ORG.), Tecnologias Culturais e Artes dos Media, LISBOA: CECL/UNYLEYA, 2016, EBOOK, COLECÇÃO CULTURA, MEDIA E ARTES Nº4, 2016
A representação Portuguesa na Bienal de Veneza de 1997, foi o mote para a apresentação da série C... more A representação Portuguesa na Bienal de Veneza de 1997, foi o mote para a apresentação da série Casanova de Julião Sarmento, que incluía um conjunto de pinturas especificamente concebidas para os espaços do Palazzo Vendramin ai Carmini (Pavilhão Português) – o que prolongava o seu ciclo das “Pinturas Brancas” (iniciado em 1990) –, e uma obra particular, Untitled – que usava um meio tecnológico inédito no quadro da obra deste artista: numa sala obscurecida flutuava um corpo de uma bailarina sem cabeça e em repouso formado, sem matéria palpável, pelos feixes luminosos de um holograma.
- De que forma a invocação do célebre libertino de Veneza – que viveu durante cinco anos encarcerado nas masmorras do Palácio Ducal daquela cidade – serve a Sarmento para inquirir o diferimento e a impossibilidade apensa ao trabalho passional como operação maníaca e monológica do imaginário (i. e., em situação de isolamento, vivenciado como karma feito de um encantamento simultaneamente utópico e trágico); - Como pode ser entendida a tensão entre “pintura” e “desenho”, “materialidade” e “virtualidade”, “sensação” e “conceito” no âmbito das Pinturas Brancas; - Como podemos articular, não a imagem do objecto de desejo, mas antes a sua ideia, com a busca pela condição genérica, arquetípica e fantasmática da mulher ideal; - De que forma o holograma Untitled é mencionado tanto pela crítica nacional como internacional, e qual o relevo que lhe é conferido, no sentido de perceber a sensibilidade dos críticos de arte à introdução de uma tecnologia claramente atípica no contexto do mainstream da arte contemporânea; - Que questões estruturantes no âmbito do “digital” podem ajudar a enquadrar o holograma de Sarmento, e que diálogos podem ser estabelecidos entre este e artistas de referência que trabalham nesse universo.
Galeria_visita performance (Booklet), 2021
Que tipo de arte as instituições actuais consagram? Que espectadores produzem? Como usar estratég... more Que tipo de arte as instituições actuais consagram? Que espectadores produzem? Como usar estratégias de activação do espectador (mobilizadoras de proximidade), sem esbarrar com os códigos e normas da Galeria de Arte (na maioria dos casos exercidas como forças de distância)?
Galeria é uma visita performática que questiona os constrangimentos físicos e sociais que derivam das convenções a que obedecemos no momento da visita ao museu. Mobilizador de um ponto de convergência entre a prática das artes performativas e o lugar das artes visuais, Galeria materializa um espaço de criação teatral tornado ambíguo e aberto a vários lugares e cruzamentos. Ocupando o espaço desta “galeria branca”, primeiro, na figura mais convencional da “visita guiada”, e, seguidamente, experimentando estratégias de “mediação cultural”, configura uma abordagem à criação multidisciplinar e híbrida que integra as dimensões educativa, social e artística. Perante a fragilidade geral das democracias e os seus subsequentes perigos para a vivência coletiva, Galeria surge como uma oportunidade para reconsiderar os campos da arte, da participação e da política, num diálogo necessário entre instituição e prática, criador e espectador, teatro e vida.
Vasco Araújo: LIEBESTOD - Amor e Morte / LIEBSTOD - Love and Death |, 2021
AUTOR(ES): Araújo, Vasco, 1975-; Macedo Cannatá (Firma de design), resp. gráf.; Marques, Bruno, 1... more AUTOR(ES): Araújo, Vasco, 1975-; Macedo Cannatá (Firma de design), resp. gráf.; Marques, Bruno, 1975-, co-aut.; Camanho, Susana, rev.; Parada, Rui Cascais, trad. PUBLICACAO: Porto: Sismógrafo, 2021. DESCR. FISICA: [84] p. : principalmente il. color. ; 20 x 12 cm NOTAS: - Catálogo de artista publicado por ocasião da exposição realizada no Sismógrafo, Porto (Portugal), de 16 de abril a 15 de maio de 2021, com curadoria de Bruno Marques. Exemplares: 1/100; numerados e assinados pelo artista . – Cota BN: LA 859.2. ISBN: 978-989-54669-5-5. URL: https://www.macedocannata.com/pt/projects/vasco-araujo-liebestod/
“LIEBESTOD - Amor e Morte”
Uma exposição de Vasco Araújo
Curadoria de Bruno Marques
Abertura: Sexta, 15 de Abril, 15:00-19:00
Patente até 15 de Maio, 2021
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“LIEBESTOD - Love and Death”
An exhibition by Vasco Araújo
Curated by Bruno Marques
Opening: Friday, April 15, 3:00-7:00pm
Until May 15, 2021
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Por que razão somos ainda vítimas das ilusões e desilusões do amor romântico? Esta é uma das questões que Liebestod de Vasco Araújo nos suscita. Apresentada pela primeira vez em 2019, em Baku, no Azerbaijão, trata-se de uma instalação vídeo meta-operática. Duas lendas primordiais de amor trágico, perpectuadas na tradição oral e fixadas por poetas e trovadores há muitos séculos atrás, acabaram por dar o título a duas óperas emblemáticas. Tristão e Isolda e Leyli e Madjnun surgem lado a lado no seu filme, mostrando que, não obstante o “choque civilizacional” entre Ocidente e Médio Oriente - ou entre Cristianismo e Islão -, ambas constituem avatares de um mesmo arquétipo, senão de um mesmo modelo da psique humana.
Liebestod - Amor e Morte explora o amor romântico, a paixão e a impossibilidade de os dois amantes estarem juntos. Esses assuntos são revelados através do prisma de entrevistas a psicanalistas do Azerbaijão e da Alemanha que examinam e comparam os enredos das duas óperas e respondem a uma série de questões colocadas pelo artista sobre a definição do amor, a projecção das dificuldades dos protagonistas na actualidade ou o aconselhamento profissional sobre como se deve agir quando a ilusão choca com a realidade. Combinado com letras profundas, música comovente e sinistras paisagens nocturnas de antigos cemitérios, castelo abandonado e florestas virgens, estas conversas mergulham o espectador na reflexão sobre se a morte é a única salvação para o amor eterno.
No dia de abertura será lançado o livro da exposição: edição numerada e assinada pelo artista, com design da autoria de Maria João Macedo e Dário Cannatà e um ensaio de Bruno Marques. Ao tomar a forma (e função) de um libreto, esta publicação propicia, do ponto de vista conceptual e da recepção estética, uma estrita relação com a instalação vídeo, constituindo uma extensão da mesma.
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Vasco Araújo, nasceu em Lisboa, em 1975. Concluiu a licenciatura em Escultura pela FBAUL., frequentou o Curso Avançado de Artes Plásticas da Maumaus em Lisboa. Integrou ainda programas de residências, como Récollets (2005), Paris; Core Program (2003/04), Houston. Em 2003 recebeu o Prémio EDP Novos Artistas, Portugal.
Desde então tem participado em diversas exposições individuais e colectivas tanto nacional como internacionalmente: “Momento à parte”, MAAT – Fundação EDP, Lisboa, Portugal (2019); Vasco Araújo”, M-Museum, Leuven, Belgica, (2018); “Decolonial desires”, Autograph ABP, Londres, U.K. (2016); “Potestad”, MALBA - Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.(2015) “Under the Influence of Psyche”, The Power Plant, Toronto (2014); “Debret”, Pinacoteca do Estado de S. Paulo, S. Paulo (2013); “Eco” Jeu de Paume, Paris (2008); “Em Vivo Contacto”, 28º Bienal de S. Paulo, São Paulo (2008); “Experience of Art”; La Biennale di Venezia. 51th International Exhibition of Art, Veneza (2005); “The World Maybe Fantastic” Biennale of Sydney (2002), Sydney.
O seu trabalho está publicado em vários livros e catálogos e representado em várias colecções, públicas e privadas.
www.vascoaraujo.org
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Why are we still the victims of the illusions and disillusions of romantic love? This is one of the questions raised by Vasco Araújo’s video and installation Liebestod. Shown for the first time in 2019 in Baku, Azerbaijan, this piece is a meta-operatic work. Two primordial legends of tragic love, preserved in the oral tradition and fixed by poets and troubadours many centuries ago, provided the title of two emblematic operas. Tristan and Isolde and Leyli and Majnun appear side by side in his film to demonstrate that despite the “civilizational clash” between the West and the Middle-East (viz. between Christianity and Islam), both constitute not only the avatars of the same archetype but perhaps of the same model of the human psyche.
Liebestod - Love and Death explores romantic love, passion, and the impossibility of the two lovers being together. These issues presented through the identification prism of psychoanalysts from Azerbaijan and Germany who examine and compare the plots of the two operas and go through a series of questions raised by the artist about the definition of love, projection of the difficulties of the protagonists today, or the professional advice on how to act when the illusion collides with reality. Combined with deep lyrics, moving music, and sinister night landscapes of old cemeteries, an abandoned castle, and virgin forests, these conversations immerse the viewer in the thoughts on whether death is the only salvation for eternal love.
On the opening, will be released an exhibition book: a numbered edition signed by the artist, with design by Maria João Macedo and Dário Cannatà and an essay by Bruno Marques. By taking the form (and function) of a libretto, this publication provides, from a conceptual point of view and aesthetic reception, a strict relationship with the video installation, constituting an extension of it.
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Vasco Araújo was born in 1975 in Lisbon. Completed his first degree in Sculpture in 1999 at FBAUL, and attended the Advanced Course in Visual Arts at Maumaus in Lisbon. Also took part in residency programmes, such as The University of Arts, Philadelphia (2007); Récollets, Paris (2005); and the Core Program (2003/04), Houston. In 2003, he was awarded the EDP Prize for New Artists, Portugal.
Since then, he has participated in various solo and group exhibitions both in Portugal and abroad: “Momento à parte”, MAAT – Fundação EDP, Lisboa, Portugal (2019); Vasco Araújo”, M-Museum, Leuven, Belgica, (2018); “Decolonial desires”, Autograph ABP, Londres, U.K. (2016); “Potestad”, MALBA - Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.(2015) “Under the Influence of Psyche”, The Power Plant, Toronto (2014); “Debret”, Pinacoteca do Estado de S. Paulo, S. Paulo (2013);“Em Vivo Contacto”, 28º Bienal de S. Paulo, São Paulo (2008); “Experience of Art”, La Biennale di Venezia. 51st International Exhibition of Art, Venice; “The World Maybe Fantastic” Sydney Biennial (2002), Sydney.
His work has been published in various books and catalogues and is represented in several public and private collections.
www.vascoaraujo.org
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Apoio à programação do Sismógrafo / Support to Sismógrafo programme:
Direção Geral das Artes (DGArtes); Apoio Criatório (CMP), Casa das Artes/DRCultura do Norte; Artworks Ver menos
Vasco Araújo: LIEBESTOD - Amor e Morte / LIEBSTOD - Love and Death | (cat. exp.) – Sismógrafo, 2021, pp. [72-83]. , 2021
Por que razão ainda somos vítimas das ilusões e desilusões do amor romântico? Esta é uma das ques... more Por que razão ainda somos vítimas das ilusões e desilusões do amor romântico? Esta é uma das questões que Liebestod de Vasco Araújo nos suscita. Apresentada pela primeira vez em 2019, em Baku, no Azerbaijão, trata-se de uma obra meta-operática. Duas lendas primordiais de amor trágico, perpectuadas na tradição oral e fixadas por poetas e trovadores há muitos séculos atrás, acabaram por dar o título a duas óperas emblemáticas. Tristão e Isolda e Leyli e Madjnun surgem lado a lado no seu filme, mostrando que, não obstante o “choque civilizacional” entre Ocidente e Médio Oriente – ou entre Cristianismo e Islão –, ambas constituem avatares de um mesmo arquétipo, senão de um mesmo modelo da psique humana. Vasco Araújo desmonta o artifício no qual assenta a retórica do drama. Enquanto exercício de desconstrução, se o artista expõe ao espectador os códigos, as falácias e contradições inerentes à narrativa e à encenação do espetáculo operático, o espectador, em compensação, entrega-lhe a inocência do seu imaginário, para que a sua consciência, a respeito das armadilhas do amor romântico, possa ser beliscada.
(folha de sala da exposição LIEBESTOD, LOVE AND DEATH / AMOR E MOR parente no Sismógrafo, Porto, entre 16 de Abril e 15 de Maio, 2021, 2021
Por que razão ainda somos vítimas das ilusões e desilusões do amor romântico? Esta é uma das ques... more Por que razão ainda somos vítimas das ilusões e desilusões do amor romântico? Esta é uma das questões que Liebestod de Vasco Araújo nos suscita. Apresentada pela primeira vez em 2019, em Baku, no Azerbaijão, trata-se de uma obra meta-operática. Duas lendas primordiais de amor trágico, perpectuadas na tradição oral e fixadas por poetas e trovadores há muitos séculos atrás, acabaram por dar o título a duas óperas emblemáticas. Tristão e Isolda e Leyli e Madjnun surgem lado a lado no seu filme, mostrando que, não obstante o “choque civilizacional” entre Ocidente e Médio Oriente – ou entre Cristianismo e Islão –, ambas constituem avatares de um mesmo arquétipo, senão de um mesmo modelo da psique humana. Psicanalistas do Azerbaijão e da Alemanha foram convidados por Vasco Araújo para examinar e comparar as duas óperas em apreço. Respondem a provocações lançadas pelo artista sobre a definição do amor, a projecção do ente amado, o subsequente excesso de idealização, as possíveis correlações entre o enredo das duas óperas e as dificuldades que assolam os relacionamentos contemporâneos, assim como a respeito dos efeitos psicológicos inerentes ao choque entre ilusão e realidade.
Alexandra do Carmo’s intervention and the inseparable curatorial project to which it belongs, hel... more Alexandra do Carmo’s intervention and the inseparable curatorial project to which it belongs, held during the month of July 2006 at the Fábrica da Pólvora de Barcarena (in Oeiras), with the intriguing title The Steam Shop (or the painter’s studio) – leads us into a frenetically disturbing brainstorming process, whatever pops into our heads. In other words, one can see it as a two-sided critical awareness: <1> the artistic conventions that make up the studio (atelier) as a private topos of creation through the relational critique of two different historical paradigms (the “social” realism ideologically motivated by Courbet and the more recent state of the art world, dismissing universality, interventive and transformative power of the vanguards, and therefore, more fragmented by the structural micro-topia that traverses its discourses); and <2> the institutional model that the Museu da Polvora Negra embodies as a conventional way of editing and presenting the memory of the places of industrial architecture.
Reis, Damas e Valetes - O Imaginário de Costa Pinheiro (cat. exp.), Galeria S. Roque, Lisboa, [organização e compilação: Mário Roque, Patrícia Ferrari, Bruno Marques, António Afonso Lima, Eva Mendes], 2020
Os Reis, que começam a ser concebidos ainda em 1964, foram expostos pela primeira vez em 1966, na... more Os Reis, que começam a ser concebidos ainda em 1964, foram expostos pela primeira vez em 1966, na Galeria Leonhart, de Munique, tendo valido a Costa Pinheiro, nesse ano, o prestigiado Prémio Burda, assim como o Prémio de Pintura de Munique, em 1967. Composta por retratos imaginários de réis, rainhas e príncipes da Reconquista e dos Descobrimentos portugueses, a série foi objecto de uma grande exposição retrospectiva, em 1989, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, e na Casa de Serralves, no Porto, no ano seguinte.
Numa original conjugação entre a ingenuidade das cartas de jogar e a severidade dos brasões, o pintor apresenta um cortejo de personagens das duas primeiras dinastias da realeza portuguesa. Concebido a partir da distância do exílio pátrio, Costa Pinheiro confrontou a grandeza histórica de um Império outrora cantado por poetas, com a imagem desanimadora de um país à época visto externamente como espaço profundamente serôdio e medíocre, resultado de uma ditadura há muito fora da hora internacional. Construído como montagem pictórica, um espacialimo poético confunde ironicamente lenda, memória e história no mesmo horizonte de representação, levando assim o espectador a perder-se num fascinante labirinto feito de realidades transpostas e ficções entrecruzadas.
A presente exposição reúne um conjunto 82 obras sobre papel e sobre tela. Para além de tornar evidente a originalidade plástica e conceptual desta mitografia feita em forma de irónicas efígies, a mostra desvela o processo criativo de Costa Pinheiro, mapeando pela primeira vez a evolução formal e iconográfica de cada personagem retratada através de um especial enfoque posto nos trabalhos que antecedem as dezoito grandes telas pelas quais o artista obteve amplo reconhecimento nacional e internacional.
Alexandra do Carmo: The Green Studio at IC19 , 2018
Enacted as a denouncement of the strict association between negational othering acts and forms of... more Enacted as a denouncement of the strict association between negational othering acts and forms of western colonialism, Alexandra do Carmo jilts the suburban allotments’ state of invisibility. She puts forward that, as spontaneous political phenomena but equally as an action-stance towards and within the environment, these constitute true heterotopic spaces of micro-resistance and of postcolonial emancipation, facing an endemic segregation, resultant from the dictatorship of property and capital. Thenceforth the artist proposes counter-visibility as means to promote a mutual and interested gaze upon the other, herein on “precarious” citizens, marginal and undervalued; a gesture which permits opening up the possibility of integrating them in a shared imagined community, which “I” as much as “They” are whole-rightly part of.
/ Alexandra do Carmo, O atelier verde no IC 19, Sismógrafo, Porto (folha de sala da exposição), 2018
Enquanto denúncia da estrita associação entre actos de negação do “outro” e formas colonialistas ... more Enquanto denúncia da estrita associação entre actos de negação do “outro” e formas colonialistas ocidentais, Alexandra do Carmo rompe com o estado de “invisibilidade” da horta clandestina suburbana. Mostra que estas, enquanto fenómeno político espontâneo e postura de acção sobre e no ambiente, constituem verdadeiros espaços heterotópicos de micro-resistência e de emancipação pós-colonial, face a uma endémica segregação resultante da ditadura da propriedade e do capital. Daí que a artista proponha uma contra-visibilidade como forma de promover um olhar mútuo e interessado sobre o outro, neste caso, sobre o cidadão “precário”, marginal e subalternizado; gesto que permite abrir a possibilidade de o integrar numa mesma comunidade imaginada de que tanto Eu como Ele fazemos parte de pleno direito.
in Nadir Afonso. As Cidades no Homem (cat. exp, curadoria de Bruno Marques e Ivo André Braz). – Lisboa: Fundação Nadir Afonso / Assembleia da República, Lisboa, 2009, pp. 8-30 (texto escrito com Ivo Andre Braz)., 2009
Se reformularmos os critérios lineares e assumirmos um modelo baseado em antecipações e retrospec... more Se reformularmos os critérios lineares e assumirmos um modelo baseado em antecipações e retrospecções, podemos compreender, a partir dos trabalhos mais recentes de Nadir Afonso, que a abstracção, uma das propostas artísticas centrais da primeira metade do último século, não se resume à mera oposição ao figurativo, antes contém uma tensão entre delimitação e expansão, que é de ordem espacial e que, sendo própria do pictórico, diz respeito à relação deste com o real. Daí que Nadir possa recuperar elementos figurativos e sugestões de perspectiva, sem pôr em causa a definição modernista da sua pintura, na medida em que esta assenta na valorização de um principio regulador – a harmonia – o qual garante a especificidade. Simultaneamente, os trabalhos anteriores, particularmente a partir do momento em que incorporam a lição cinética, antecipam o modo como a tensão delimitação/expansão, eminente pictórica, se situa no encontro do espaço da pintura com o espaço genérico.
Torna-se deste modo compreensível que a herança utópica das vanguardas históricas surja transformada quer pela idiossincrasia do pintor, quer pelas coordenadas sócio-culturais diferenciadas onde ele actua. Assim, a abordagem à Cidade – situando-se entre o ponto de vista distanciado, panorâmico e idealizado, por um lado, e a vocação topológica que não ignora as condições espacio-temporais, por outro – prescinde da vocação modelar e ideológica sem renunciar à crença na capacidade terapêutica e transfiguradora da arte. De facto, para Nadir, se a arte não cria o real, pode transfigurá-lo filtrando a contingência e, nesse processo, transfigurar o indivíduo.
As condições do espaço e do movimento, inerentes à cidade, foram sendo trabalhadas ao longo dos anos, com obstinado rigor, por Nadir Afonso, numa pesquisa pictórica que, embora mantendo-se no quadro do modernismo e numa aspiração à harmonia, contribui, quando analisada na sua globalidade, para a compreensão e re-leitura da arte do século XX.
in Alexandra do Carmo – Office / Commercial (ed. David Barro) – Santiago de Compostela: Artedardo SL / Lisboa: Galeria Carlos Carvalho, 2008, pp. 39-42 (pt.) / pp. 43-46 (ing.) / pp. 47-50 (esp)., 2008
In “Office/Commercial”, presenting herself as a “commercially” successful fine artist, with the c... more In “Office/Commercial”, presenting herself as a “commercially” successful fine artist, with the company of a false assistant, and a previously contacted real estate agent, different each time, Alexandra do Carmo initiates a path through Brooklyn, New York, pretending to rent an “art studio”. The starting point are encounters in different parts of the city, bringing a camera man with her, she collets video images and conversations with the excuse of being the subject of a documentary for her gallery in Lisbon, a documentary on her “arrival” in New York. Emphasizing the symbolism of the undercover agent (imported from the international television journalism), the artist uses the records of those encounters in order to produce a video documentary, altogether different from the intentions transmitted to the real estate agents.
in Martinho Costa. Völkerwanderung. (catálogo virtual da exposição; disponível entre 15 de Set. e 15 Out 2007 no site do CAS (http://www.centrodeartesdesines.com.pt/), 2007
Integrada na nobre "Pintura de História" – o grand genre segundo a hierarquia académica formaliza... more Integrada na nobre "Pintura de História" – o grand genre segundo a hierarquia académica formalizada no século XVII –, a Cena de Batalha serviu, desde a Antiguidade, de monumento comemorativo para narrar, com dimensão épica, as sagas militares factuais e míticas travadas pelos povos contemporâneos ou ancestrais. Tal temática era tida em elevada consideração na medida em que exortava a edificação pública dos ideais civis mediante mensagens de índole moral e intelectual, invariavelmente veiculadas com um forte pendor pedagógico e propagandístico. Tal reposição iconográfica no contexto da arte contemporânea gera um inusitado desconcerto. Dirá o visitante mais esclarecido ao mais incauto que Martinho Costa não poderá mais exercer o papel "clássico" do pintor que, por encomenda oficial, acolheu a incumbência de mitografar a glorificação de um dado reino ou país através da celebração das proezas (colectivas e individuais) granjeadas pelas batalhas memoriais que hoje preenchem os manuais escolares de História.
"Turn me on" (jornal da exposição). - Lisboa: Pavilhão 28, Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa /inter-face | Arte Contemporânea / Festival NÚMERO – interfaces(s)’ 08 /, 13 a 30 Dez. 2008., 2009
in 7 Artistas aos 10º mês (cat. exp.) – Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008., 2008
Coreto-carrossel 1 é uma instalação circular que incorpora mobiliário doméstico (camas, cómodas, ... more Coreto-carrossel 1 é uma instalação circular que incorpora mobiliário doméstico (camas, cómodas, armários, toucadores, etc) e objectos "engavetados" que dão a este dispositivo um sentido híbrido : um piano falseado, um rádio que funciona ao toque, sapatos que giram freneticamente dentro de uma gaveta, maquetas de casas ladeadas de pinheiros, cartas, recados, listas de tarefas, etc. O palco encontra-se totalmente revestido dos
in A Situação está Tensa mas sob Controlo (cat. exp.) – Lisboa: Arte Contempo, 2008, pp. 9-15 (texto escrito com Marta Mestre). , 2008
André Guedes, André Sousa, Gustavo Sumpta, Tânia Bandeira Duarte, Renato Ferrão trabalham em torn... more André Guedes, André Sousa, Gustavo Sumpta, Tânia Bandeira Duarte, Renato Ferrão trabalham em torno dos pólos tensão e controlo, transformando o espaço num "ringue" onde se medem forças e polarizam contrários indispensáveis. Os trabalhos expostos tanto manipulam como neutralizam o espaço, ora potenciam protagonismos ou simplesmente condicionam a visibilidade das obras, estabelecendo um conjunto constituído por peças ligadas através dos seus próprios intervalos.
Tomaram-se como ponto de partida situações de guerra ou crise, e as correlativas formas de mediação que visam aplacar o pânico. O tópico de partida é igualmente evocativo da simultaneidade de pólos contraditórios, tanto subjacentes à formulação de ideias como à arte e às imagens.
Os curadores Bruno Marques e Marta Mestre (vencedores da Iniciativa Novos Comissários 2008) propuseram a André Sousa (artista e programador de espaços independentes tais como MAD WOMAN IN THE ATTIC, PêSSEGOpráSEMANA e A CERTAIN LACK OF COHERENCE, no Porto), a selecção de quatro artistas. Experimenta-se uma situação de "curadoria repartida" com o fim de preservar a rede de relações colectivas e de gestão independente que os artistas já haviam tecido entre si.
in Paisagem - Limiar. Ana Anacleto. Maria João Alves, Martinho Costa, Maria Jorge Martins. (cat. exp.) - Edição de inter-face / Arte Contemporânea: Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul (Fev.-Março 2007) / Centro de Artes de Sines (Abril-Maio 2007), pp. 9-11.
As janelas da ZDB, da Sociedade Guilherme Cossoul (Lisboa) e do CAS (Sines) converteram-se virtua... more As janelas da ZDB, da Sociedade Guilherme Cossoul (Lisboa) e do CAS (Sines) converteram-se virtualmente na "soleira" sobre a qual Agamben discorre. Estamos perante uma situação de ("dilatação" de um) limiar, onde o tempo ocupa agora um lugar-função historicamente não prescrito, isto é, torna-se numa via operatória que simultaneamente contesta e expande a noção tradicional de "Paisagem". Em suma, Ana Anacleto testa o nosso sentido de repetição e diferença, de memória e deslocamento, com o intuito último de tematizar as transformações fundamentais da experiência e da subjectividade ocorridas no mundo contemporâneo perante um topos que ainda continuamos – talvez de modo assaz ingénuo - a designar…
in Paisagem - Limiar. Ana Anacleto. Maria João Alves, Martinho Costa, Maria Jorge Martins. (cat. exp.) - Edição de inter-face / Arte Contemporânea: Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul (Fev.-Março 2007) / Centro de Artes de Sines (Abril-Maio 2007), pp. 6-7.
Arte Capital, 2020
Num contexto em que, recentemente, se assistiu a uma onda de contestação (e questionamento) dos m... more Num contexto em que, recentemente, se assistiu a uma onda de contestação (e questionamento) dos monumentos erigidos aos heróis da História de Portugal, impõem-se revisitar "Os Reis" (1964-1966). Enquanto nesse poema patriótico e esotérico que é a Mensagem, em forma de prece e lamento sobre o Quinto Império, Fernando Pessoa confere carácter de urgência à necessidade de realização do Ser da Pátria pela via de um “novo sebastianismo”, na condição de percursor da Nova-figuração que desponta do efervescente ambiente dos anos 1960, Costa Pinheiro leva a cabo uma desmitificação dos nossos “ícones nacionais” mediante uma sabotagem semiótica dos emblemas, insígnias e demais símbolos que os sustentam.
Convocarte — Revista de Ciências da Arte n.º4 Revista Internacional Digital com Comissão Científi... more Convocarte — Revista de Ciências da Arte n.º4
Revista Internacional Digital com Comissão Científica Editorial e Revisão de Pares
Tema do Dossier Temático ARTE E ACTIVISMO POLÍTICO: TEORIAS, PROBLEMÁTICAS E CONCEITOS
Ideia e Coordenação Geral Fernando Rosa Dias
Coordenação Científica do Dossier Temático Cristina Pratas Cruzeiro
by Revista Quintana, Olaya Sanfuentes, Montserrat Capelán, francesco giaveri, Bruno Marques, ALEXANDRA MESA MENDIETA, Constanza Nieto Yusta, Marta Rico Cuesta, Fátima Díez-Platas, Mercedes López-Mayán, Capelan Montserrat, Poyato Pedro, and Alfredo Vigo Trasancos
in AVANCA | Cinema 2013.Internacional Conference, pp. 530-538 , 2013
This paper is based on the documentary research made for the script rewriting of a fiction short-... more This paper is based on the documentary research made for the script rewriting of a fiction short-film entitled “Second rate Poetry”. The script’s main narrative context is the consolidation of Portugal’s authoritarian political regime during the mid-30’s of the 20th century. The film is an adaptation of a specific historical event - a literary awards ceremony organized by the National Propaganda Secretariat (SPN), in Lisbon, 21st February 1935. The film’s title is a manipulation of the offical designation of one of the categories that composed the Antero de Quental poetry award. The second category award was destined to a poetry work with less than one hundred pages, and it was this the award that was given to Message, the single work in portuguese that the poet Fernando Pessoa saw published during his lifetime. In parallel with the portrayal of an award ceremony, several issues are addressed: the political temptation to instrumentalize the literary and artistic creation; awards as ideological control systems; the repression of freedom of speech has a form of cultural and psychological fog. This paper’s title – Against fog – is an allusion to Message’s final poem – Nevoeiro – the portuguese word for fog. It was in Fernado Pessoa’s poetical view, what most clearly caracterized Portugal at his time.
Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at ... more Focusing on the exhibition that João Pedro Vale and Nuno Alexandre Ferreira presented in 2018 at Cristina Guerra Galery (Lisbon), this article addresses the strategies of discursive repression of homosexual identity during the Portuguese Estado Novo period. Analyzing the works exhibited and their critical reception, we used Foucault's conceptualization of the panopticon and archaeological strategy as a marginal archive (queer). Given the official suppression of the English word "homosexual", Vale and Alexandre respond with the word cruizing, so that we can classify a set of prohibited practices that, in Portuguese, not long ago could not have an appropriate name.
FERNANDO CALHAU S/Título #65, 1988 Colecção CAM/FCG Uma pintura sobre tela suspensa e uma ch... more FERNANDO CALHAU
S/Título #65, 1988
Colecção CAM/FCG
Uma pintura sobre tela suspensa e uma chapa encostada à parede apresentam-se recortadas no canto superior direito. Em ambas, um quadrado negro – motivo recorrente em Fernando Calhau – foi-lhes subtraído. Se rebaixarmos o limite inferior da pintura (um quadrado negro “imperfeito”) até à altura do segundo elemento (rectângulo horizontal esguio igualmente imperfeito na medida em que duplica, como eco formal, o recorte que mutilou o primeiro elemento), e acrescentarmos o pequeno quadrado “presente-ausente” em ambos (que corresponde justamente às dimensões do intervalo que separa os dois elementos), uma escada geometricamente perfeita desponta em sentido descendente.
Um nível de leitura da imagem que nos surge primeiramente como repetição (convocadora do serialismo e do processo de reprodução mecânica tão caros à Pop Art e ao Minimalismo), acaba, na realidade, por sugerir um devir e uma metamorfose. Como se a pintura – género disciplinar histórico e proeminente – subitamente desejasse caminhar em direcção ao chão que o espectador pisa. Tal migração – enquanto fuga da parede em direcção à morada tradicional da escultura – implica uma “transfiguração” da sua identidade. Prenuncia o objecto. Ainda que não seja já tridimensional, acena simultaneamente para a peça de chão e para a peça de parede, para recorrermos ao léxico minimalista. Em resultado dessa “evolução descendente”, a pintura ganha uma dimensão de espaço, e adquirindo “espessura”, obriga o espectador a tomar consciência da sua presença física.
Em concordância com os princípios da depuração da linguagem e da economia de meios, o artista resume, de modo extraordinariamente conciso, toda uma longa “narrativa”. Indagando sobre os efeitos prolongados do quadro negro de Malevich, Calhau dramatiza o ocaso do pictórico, religando a tradição da pintura monocromática configurada (o shaped canvases) ao repto minimalista da execução industrial, gesto que desvela que o segundo é uma derivação lógica do primeiro. O monocromatismo, o negro, o quadrado, a repetição, a serialidade, alimentam, de modo assombrosamente luminoso, a evocação do lugar seminal que o “quadrado negro” ocupa na história da “morte da pintura” e do sequente “luto” que afere a sua persistência ou actualidade (cf. Ive Alain Bois 1990).
Calhau alude assim ao carácter proscrito da pintura, nomeadamente à sua “paixão” enquanto trajectória que vai das primeiras sentenças de “morte” lançadas por um primeiro abstraccionismo marcadamente purista (Malevich, Rodchenko e Mondrian), até ao “definitivo” abandono desse género artístico, tão enfaticamente proclamado pelas neo-vanguardas nos anos 60 e 70, de que o Minimalismo foi precisamente um dos seus mais decisivos “carrascos”. Assim, tomando a pintura como “fantasma”, apenas resta fazer um trabalho de rememoração melancólica ou revisitação continuada dos “elos escondidos” (cf. De Duve 1996) que continuam a convocá-la enquanto motivo para lá da sua legitimidade (ou viabilidade) ontológica.
Constituindo a pintura a sua matriz de questionamento da prática artística nos seus diversos desdobramentos e expansões, Calhau tematiza o binómio fractura/continuidade entre um genuíno fascínio pela prática e história da pintura e a sua crise enquanto medium, justamente no momento histórico dos anos 80 em que imperavam, não sem celeuma e polémica, os seus tão famigerados “regressos”. BM
Fernando Calhau, S/ Título, 1970 Gravura Serigrafia e Grafite sobre Papel 06GP1942 Colecção C... more Fernando Calhau, S/ Título, 1970
Gravura
Serigrafia e Grafite sobre Papel
06GP1942
Colecção CAM/FCG
Em 1970, ano da sua exposição individual, Desenhos Negros, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa, a apresentação de um conjunto de serigrafias intervencionadas com a omissão de número de série (característica dos múltiplos), indicia que Fernando Calhau assume estes trabalhos não como gravuras mas já como desenhos. Será justamente a partir desta data que Calhau deixa de conferir especial importância ao múltiplo neste media, libertando-se do “esquema” convencional da “tiragem” de várias cópias a partir de uma mesma “matriz”, o que torna cada trabalho num objecto único. Do ponto de vista técnico, a gravura surge como um meio que amplamente domina, mas com o qual pretende sobretudo explorar questões transversais a outras formas de expressão (como, por exemplo, o desenho ou a pintura).
Na margem inferior deste trabalho pode ler-se a inscrição “segundo Josef Albers”. A respeito deste precursor do “minimalismo”, Calhau confessa um “interesse pela sucessão dos quadrados”. Ao citar a famosa série Homage the Square (1950-1976) de Albers, mas suprimindo as interacções de cor em função da severa rarefacção inerente ao “quadrado preto” – motivo que se tornará persistente em Calhau –, o artista transforma a complexidade da combinatória cromática do artista norte-americano num eco estritamente formal que, tal como as composições de Albers, progride do interior para o exterior através da sucessão de quadrados assimétricos concêntricos.
No momento em que começa a desenvolver as coordenadas que viriam a definir os seus eixos matriciais de trabalho – repetição, serialidade, depuração geométrica, monocromatismo e uma reprodutibilidade mecânica ainda subsidiária de uma execução necessariamente manual –, sob a égide do Minimalismo, Calhau desenvolve um diálogo com algumas das principais referências do modernismo pictórico. Em especial, as que fizeram sistematicamente do quadrado um motivo essencial para uma indagação interna e perceptiva que, ainda que em metamorfose na passagem dos anos 1960 para os 1970, está filiada na tradição da pintura. BM
Julião Sarmento, Sem título, 1981 Carvão sobre papel 75 x 108 cm N.º Inventário: 422024 Colec... more Julião Sarmento, Sem título, 1981
Carvão sobre papel
75 x 108 cm
N.º Inventário: 422024
Colecção Fundação CGD
Sobre um fundo composto por um denso emaranhado de linhas (gerador de vibração retiniana), formas duras, esquemáticas e angulosas vagueiam num limbo bidimensional, parecendo representar inabilmente o phallus, os seios femininos e a vulva.
Lendo a obra de cima para baixo, próximo do canto superior direito, numa área branca (como que deixada vazia) que o emoldura, um disco com uma saliência de sugestão fálica. Descendo no sentido do centro da composição, no interior de um recorte branco de maiores dimensões – que ultrapassa os limites do suporte – encontram-se delineados dois triângulos acoplados mediante uma linha tosca, bruta e expressionista. Na zona inferior, um triângulo (arquétipo do sexo feminino) surge preenchido copiosamente com traços diagonais (alusão à zona pilosa).
Enquanto exercício de regressão (infantilizante) convocador de um estádio ante-convenção ou pré-simbólico, com este geometrismo inábil, rude e primitivista, o artista remete para uma iconografia sexual ainda em formação, como que presa num estado informe. Desse modo, entrevê-se um jogo tensional entre o esquematismo essencialista das formas e uma ambiguidade/ambivalência interpretativa que desafia a identificação/diferenciação estável e peremptória no que concerne aos arquétipos sexuais mais primários que povoam o nosso imaginário pessoal e colectivo.
Julião Sarmento, O Peso de Um Gesto, 1990 Técnica mista sobre tela 190 x 220 cm Colecção Funda... more Julião Sarmento, O Peso de Um Gesto, 1990
Técnica mista sobre tela
190 x 220 cm
Colecção Fundação CGD
Duas figuras masculinas, perdidas e sequiosas, procuram, desoladamente, um qualquer rastro no solo árido, debaixo de um sol escaldante. Metáfora da energia que os tomou e os move. A homologia entre a travessia do deserto e as incursões pelo corpo feminino consubstancia uma tónica de indagação omnipresente no quadro da obra de Sarmento. Ela, de perfil e sugerindo nudez, é miragem de um referente inatingível, algo que só existe e permanece enquanto sombra ou fantasma, uma presença ausente, uma falta. Projecção que consubstancia a derradeira impossibilidade que constitui a essência do desejo. Esse perfil, momentâneo e enigmático, correlaciona-se com as linhas brancas que, em várias investidas, circunscrevem uma forma antropomórfica com contornos repetidos sobre a paisagem; forma que permanece aberta e indeterminável, justamente como a imagem modelar da mulher genérica, fazendo jus à sua natureza abstracta enquanto ideal.
Terry Frost, Yellow Suspense, 1969 Tinta acrílica sobre tela 259 x 198 cm PE229 Colecção CAM/... more Terry Frost, Yellow Suspense, 1969
Tinta acrílica sobre tela
259 x 198 cm
PE229
Colecção CAM/FCG
A partir dos finais dos anos 1950, Terry Frost passa de um abstraccionismo enfático e gestual, em que os elementos compositivos são profundamente imprecisos, para composições que, ao longo dos anos 1960, se vão tornando maiores, mais lisas e mais simplificadas. Ao mesmo tempo, um maior compromisso com a cor, tomada aqui como elemento principal, revela-se notório através do seu uso saturado.
Usando formas simples, nesta pintura a acrílico Frost aflora a tensão existente entre a expectativa e a percepção do observador ao nível da transição cromática. Seis bandas curvadas evoluem do vermelho para o amarelo. Nestes elementos que se parecem com “fatias de melão” (David Brown), observa-se uma leve sugestão de volumetria através de um subtil dégradé. Mas a solidez maciça – aparente ou ilusória – destas formas resulta contrariada. Pois o sentido de gravidade é conjurado pela formação de diferentes campos de cor que se tornam cada vez mais leves e voláteis, tal como acontece com alguns elementos químicos quando atingem a atmosfera através da evaporação.
Neste movimento ascendente, a passagem da quarta para a quinta banda cromática (um campo laranja surge depois de um campo amarelo) põe em causa a sequência lógica desta progressão, que encontramos, por exemplo, numa tabela de cor. Num primeiro relance, somos automaticamente impelidos a aceitar essa progressão linear. Percebemos que a mente se precipitou porque, depois de um olhar mais demorado, a percepção acaba por nos devolver afinal algo diferente do espectável. Ressalta daqui a consciencialização de um conflito entre dois domínios: o cognitivo e o perceptivo.
Encarando a pintura como uma fonte de luz que nos ilumina no “nevoeiro que nos rodeia” (Frost), o artista propõe uma filosofia optimista. Muitas das suas pinturas derivaram de momentos de grande alegria, particularmente sentida diante da natureza. Através do seu trabalho, Frost procura comunicar tais experiências, a fim de criar no observador uma similar sensação de prazer. BM
JOAQUIM RODRIGO Vermelho x Azul n.º 2, 1958 Pintura Óleo sobre Tela e Folha\de ouro 83P524 C... more JOAQUIM RODRIGO
Vermelho x Azul n.º 2, 1958
Pintura
Óleo sobre Tela e Folha\de ouro
83P524
Colecção CAM/FGG
Em 1958, Joaquim Rodrigo procura novos fundamentos para prosseguir com a sua teorização sobre a pintura, tendo em vista uma ordem científica de composição. Mondrian será agora a referência que lhe fornece não só a paleta, mas sobretudo uma nova teoria a desenvolver em busca das relações lógicas, das leis rítmicas e da ordem padronizada no âmbito do campo visual. Rodrigo elimina o desajuste ainda subjacente na compartimentação espacial das composições do artista holandês, ao recorrer a um sistema de natureza matemática. O resultado: visando o universal, a composição sensitiva é banida e as inter-relações das formas são postas fora do domínio do aleatório. Fazendo jus à inscrição registada no verso da tela (– = 1/10), a malha ortogonal obedece a uma progressão aritmética sobre o valor 1 que é multiplicado por 10. No canto inferior direito, um ponto de confluência, entre uma banda vertical e uma banda horizontal, funciona como módulo. Desse modo, cruzando 10 linhas com 10 colunas invisíveis, estes dois eixos conformam, em altura e em cumprimento, todos os elementos quadriláteros através de uma sistema de alternância baseado em diferentes modos de conjugação entre ordenadas e abcissas. A par das leis de contra-peso ou de compensação subsidiárias do neo-plasticismo, tal como um desenho preparatório permite concluir – Estudo para Vermelho x Azul n.º 2 , 1957 –, um progressivo despojamento e contenção das cores resulta num sentido de harmonia e de equilíbrio pautado por uma grande serenidade. BM
Joaquim Bravo, Happy Fool, 1985 Tinta acrílica sobre tela 100 x 100 cm 86P472 Colecção CAM/FC... more Joaquim Bravo, Happy Fool, 1985
Tinta acrílica sobre tela
100 x 100 cm
86P472
Colecção CAM/FCG
A partir do início dos anos 1980, a pintura entra na fase de ascensão dos valores expressivos, intuitivos e poéticos que marcam a década. A contracorrente, Joaquim Bravo aprofunda a lição de Malevich com o desenvolvimento formal do que viria a apelidar de “estratégia do quadrado”. Ao mesmo tempo, o confessado reconhecimento do artista sobre a necessidade de transferir o desenho para a tela (de “pintar desenhos”), traduz bem a relação tensa, complementar, híbrida e oscilatória que no seu trabalho sempre existiu entre estas duas formas de expressão.
Roçando a paródia e o auto-derrisório, Happy Fool [Tolo Feliz] é um título que nos atira para o domínio da ironia. Por cima da austeridade ideal de um quadrado azul, foram inscritos uma série de traços grossos, bruscos, rápidos. Agindo como esquisso corrector, este “desenho pintado” é impetuoso e provocador, como se abertamente expusesse uma pintura falhada que pretende refazer ou corrigir.
Se, por um lado, a obra de Bravo demonstra um interesse pela Nova Abstracção – pautada pelos conceitos de simplicidade, pureza e essencialidade, reivindicando uma pintura liberta de acidentes, significados e irregularidades; por outro, assumindo-se como um impuro, o artista actua sempre segundo uma lógica de desvio e transgressão face a qualquer escola ou dogma.
O desenho resulta conotado como vontade de renovação e de afastamento, desalinhando continuamente a auto-suficiência e rigidez do formulário da pesquisa abstracta. Em simultâneo, Bravo revela que uma depuração a caminho do essencial, uma economia de meios ao serviço da síntese comunicativa, não elimina a travessia dos passos anteriores. Ou seja, o artista indicia todo um imenso laboratório de formas em movimento, orientado pela inesgotável capacidade de experimentar. Numa entrevista de 1989, diz o artista que, “um quadro tem sempre uma história atrás dele. […] espero que se pressinta que existe um percurso, do qual esse quadrado é uma simples extroversão. […]. Por um lado, não quero apagar nada do que me surge no decurso do fazer, por outro, quero mostrar coisas claras e definitivas.” BM
António Palolo, Sem Título, 1973 Tinta acrílica sobre tela 120 x 139 cm 83P573 Colecção CAM/F... more António Palolo, Sem Título, 1973
Tinta acrílica sobre tela
120 x 139 cm
83P573
Colecção CAM/FCG
Após a estridência e o excesso pop explorados na década de 1960, António Palolo avança no sentido de uma clarificação formal, pautada pela nitidez e rigor da estrutura geométrica. Porém, essa ordem é cínica e falaciosa, já que é exercida a partir de uma deliberada arquitectura de absurdos.
Duas estruturas geométricas similares (uma horizontal, outra vertical ligeiramente inclinada), acoplam-se nas suas extremidades. Porém, essa união gera, entre conjuntos de bandas e listas de cor a perder de vista, uma dialéctica de continuidades/descontinuidades e de encontros/desencontros.
Herdeiro natural das anteriores pesquisas retinianas, o presente trabalho repõe o confronto com o duplo, através de um equivalente jogo de espelhos e de desdobramento da imagem abstracta. Apoiado numa situação técnica de agregação de dois elementos (lembrando um díptico), António Palolo utiliza o padrão com base numa persistente pesquisa sobre a ideia de simetria, inversão e repetição. O princípio da diferença da imagem quando posta em confronto (e em situação de junção) consigo mesma, é geradora de confusão tanto óptica como cognitiva. Neste diálogo interior da pintura, Palolo constrói um campo de coexistência de correntes estéticas distintas, muitas vezes tidas como inconciliáveis do ponto de vista da historiografia, fruto de uma capacidade singular em deslocar e ironizar os discursos das diversas conjunturas artísticas. Desse modo, um abstraccionismo de sinalização pop/dadaísta, a convocação do shaped canvases e alguns efeitos psicadélicos, justificam-lhe plenamente o carácter híbrido, irreverente e heterodoxo que lhe foi atribuído, desafiando toda e qualquer classificação exclusivista. BM
Diálogos
Centrando-se na exposição que João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira apresentaram em 2018 na G... more Centrando-se na exposição que João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira apresentaram em 2018 na Galeria Cristina Guerra (Lisboa), o presente artigo aborda as estratégias discursivas de repressão à identidade homossexual durante o período do Estado Novo. Analisando as obras exibidas e sua recepção crítica, recorremos à conceptualização foucaultiana em torno do panóptico e da estratégia arqueológica enquanto arquivo marginal (queer). À supressão oficial do termo “homossexual”, Vale e Ferreira respondem com a palavra inglesa “cruising”, a fim de podermos classificar um conjunto de práticas interditas que, em Portugal, ainda recentemente não podiam ser nomeadas.
This paper focuses on the always complex conflicts between artistic creation and the standards th... more This paper focuses on the always complex conflicts between artistic creation and the standards that define a work of art as immoral or " morally acceptable ". Establishing a comparison between Vladimir Nabokov's Lolita (1952), the eponymous comedy-drama directed by Stanley Kubrick (1962), as well as paintings – and, more recently, photographs – by Balthus, we explore the relationship between films and painting, reflecting on the ethical, aesthetic and political implications resulting from a dilemma that puts art on the one side and morality on the other. If indeed there is a right under threat – the universal right to artistic freedom of expression – we also have, in turn, another safeguarded right – the right of the child not to have his or her image sexually exploited by a deviant artistic treatment. The source of this problem lies, as was the case with Nabokov's novel, in a recent report highlighting the recurrence and ongoing relevance of the theme: in 2014, in response to public outcry, the Folkwang Museum in Essen, Germany, cancelled an exhibition of Polaroid photographs taken by Balthus. A December article in the major newspaper Die Zeit called the images, depicting a model named Anna from ages 8 to 16, " documents of paedophile greed ". These images, some of which were used as preparatory work for Balthus's paintings, are always suggestive and considered by many of great eroticism. Lolitas representing enigmatic places of evasion in painting, photography and cinema ultimately allow us to question freedoms and the limits of transgressive beauty.
&quot;Enquanto melancólico confesso, James Joyce é tido por alguns dos seus actuais estud... more &quot;Enquanto melancólico confesso, James Joyce é tido por alguns dos seus actuais estudiosos como alguém que com a sua obra literária antecipou parte das ideias de Sigmund Freud defendidas em &quot;Luto e Melancolia&quot; (Freud 1917) , designadamente a tese que alega que o narcisismo, quando patologicamente accionado pela melancolia, é movido por um instinto de morte/auto-destruição. Julião Sarmento é autor de uma série pictórica, de meados dos anos 90, dedicada às cartas de amor que Joyce dirige a Nora Barnacle; correspondência reunida em 1975 pelo seu melhor biógrafo, Richard Ellmann, a qual fora enviada a diferentes tempos – a maior parte entre 1904 e 1909, contando-se algumas missivas de 1911 a 1920, – ao sabor da errância do escritor irlandês por cidades como Dublin, Trieste ou Londres. Atendendo ao impulso de encenação e de auto-feminização que perpassa o artista português no decénio de 90, num conjunto de imagens, onde uma figura feminina ambiguamente põe em perigo a sua própria integridade física, parece habitar toda uma intrincada rede de questões que religam, de modo enigmático, a esfera da criação artística ao universo da exercitação do desejo mediante um perturbante vórtice suicidário.&quot;
Estudos Ibero-Americanos, 2020
As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importa... more As imagens que constroem o ideal de “nova” mulher do Estado Novo Português estabelecem um importante guia para compreender a forma heterodoxa e “contraditória” como foi usada a fotografia enquanto meio de inculcação de um modelo feminino consentâneo com a ideologia do regime. Estas revelam uma intrínseca dialética entre temas / formas “tradicionalistas” e “modernistas”. Tomando como objecto de análise as fotografias publicadas no Boletim da Mocidade Portuguesa Feminina (1939-1947), o objectivo deste artigo é compreender de que modo esta dialética é realizada ao serviço da propaganda do Estado Novo.
Photographies, 2016
This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic wor... more This paper deals with the experience of archive and memory as key aspects in the photographic work of the Portuguese artist Julião Sarmento. Taking the installation entitled 1947 — based on the appropriation of an ensemble of found photographs — as the central object of study, this paper seeks to discuss the relationship between archive, memory and the photographic, or the filmic. It is argued that in Julião Sarmento’s artistic work the problematic of the archive acquires an autographical dimension, allowing us to think over the role of both archive and memory as creative processes involving distinct supports and temporalities of the image. It is through the articulation of the psychoanalytical theory regarding recurrence and the unconscious and crucial references whose authors directly or indirectly approach the theme of the archive (J. Derrida, G. Didi-Huberman, H. Foster, A. Buchanan and J. Schwartz, among others) that we will be able to understand the way the archive structure acquires, in Julião Sarmento’s oeuvre, the meaning of a device of (counter-)narration able to materialize the movements of memory itself. The article seeks, therefore, to highlight a temporal and affective dimension that reveals itself to be central in archival practices that comprise the personal archive and found photography.
This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Wo... more This article analyses an audiovisual essay created around the exhibition Julião Sarmento. Film Works, that took place in Universidade Católica Portuguesa in Porto in 2019. This exhibition reunited 10 works in film and video produced by the Portuguese artist in different moments of his career. Following the audiovisual essay's structure, I will approach three thematic obsessions transversal to Julião Sarmento's work, as a reflexive proposal about a gaze phenomenology (or a vision's perversity), regarding dispositives that involve the moving image. Particularly, in what concerns the problematic of desire. These are: (1) The constant work of language (the real, the symbolic and the imaginary); (2) The fragmented body (the conscience/disassembling of voyeurism); (3) The rhythm (exposing the matter of time in favor of a deceptive aesthetics).
Revista COMUNICAÇÃO PÚBLICA, VOL. 12, Nº 23, 2017 (Número temático) FOTOGRAFIA E PROPAGANDA NO E... more Revista COMUNICAÇÃO PÚBLICA, VOL. 12, Nº 23, 2017 (Número temático)
FOTOGRAFIA E PROPAGANDA NO ESTADO NOVO PORTUGUÊS
Encontra-se disponível online o número da revista Comunicação Pública, editado por Filomena Serra (IHA-FCSH/NOVA), Paula André (DINÂMIA'CET-IUL-ISCTE-IUL) e Bruno Marques (IHA-FCSH/NOVA).
Nele é apresentada uma nova linha de pesquisa que é a da fotografia pública impressa - ou simplesmente “fotografia impressa”. Os textos deste número da Revista exploram o papel da fotografia pública impressa no Estado Novo, bem como a circulação e consumo das imagens fotográficas públicas criadas durante esse período, sem no entanto deixar de considerar os contra-discursos e as contra-imagens, isto é, as manifestações de protesto.
The present study focus the period of the work by Julião Sarmento that critics and historiography... more The present study focus the period of the work by Julião Sarmento that critics and historiography paid attention later – from the initial phase connected with post-Pop filiations to the total commitment towards (post-)conceptualists languages (1972-1980) –, attending the critical reception that, being, in this thesis, an autonomous topos of analysis and reflection, enrolls, for the first time, an exhaustive review of a corpus of texts written between 1974 and 2007.
In the first part different agents and corresponding effects on the discourses till 2007 are analyzed – date of its first catalogue raisonné edition -, in terms of recognition as well as of diffusion, and in terms of delays and non-syntonization. It was our aim to offer a context where names and actors were integrated in space and time within their own conjunctures, without avoiding the inevitable noteworthy of circumstances, events and figures. After focusing the apologetic and laudatory contributes the “polemic” character of its critical fortune turns out to be more explicit. Through slanderers and silence we seek to read the history of resistances as well as the revindication for new programs, as if they were strangeness’ in tension. The implicit comparison between Portuguese critics and international critics has revealed equally crucial to the understanding of the possibilities as well as the insufficiencies that have assoiled the national scene for that last thirty years. The vast critical review of the innumerable and diverse discourses sustains a hypothesis of work conceived to be an easy argument to the reader to follow: the work by Julião Sarmento in the seventies only acquires its own critical and institutional value in Portugal and abroad, after the second half of the nineties, through a “re-discovery” and retrospective re-valorization, essentially created by the return of his work to a new conceptual dimension (and heterodox) which the White Paintings cycle and, in sequence, the interest in installations, photography and video had consubstantiate.
Making justice to the artist’s own creative process, in the second part, we approach individually a series of internal axes (and contextual) of the work integrated between 1972 and 1980. After a singular incursion in paintings with post-Pop filiations – translating the cinema’s "découpage" in function of the context basic elements, of the cut recourse, of the separation and the promise of narrative -, we have verify that the work by Sarmento produced after the middle of the decade approaches artists and movements or artistic attitudes affected to the post-conceptualist heterodoxy. Photography, film, performance, installation, sound, video and all these processes crossed become ways of expression of new concerning that face the work as a project, document or process, per suiting its dematerialization. It is stained that Sarmento attests a deep actuality in the main axes that international contemporary art was experimenting by then. Nevertheless, the way the Portuguese artist goes through those routes is quite idiosyncratic. Even when it approaches problematic that are equally present in propositions out of the strict domain of sexuality and of erotic – such as the cartography, the perception, the spatiality, the secularization, the documentation of performance activities, the staging, the suggestion of a narrative – or when it shares a reflexive attitude towards a more generic understanding of art – when it includes exercises of seriation, indexation, repetition, games of tautology, exam of structures, semiotic analysis of the work of art, expansion of the textual domain – the centre of its research is focused specially on desire, rethinking it in its potentiality, impossibility or postponed consummation.
With the glance directed to the exterior, and without having the need to emigrate, Sarmento has built such a sophisticated as original language by postulating a fan of individual questions of the maximum relevancy to the international context where he starts to act and with which he aims to dialogue actively, without having benefit, in “real time”, from a critical defenses and an institutional recognition to its standards.
His “fever” of actuality gone through all steps in a unique speed in Portuguese art is a sign of a deeply singular artistic will, resulting in some notable, actual and acting, works of art, which we seek to consider today, in a retrospective vision, in the international art history of the seventies.
RESUMO
O presente estudo centra-se no período da obra de Julião Sarmento a que a crítica e a historiografia mais tardiamente deram atenção – a etapa inicial que vai de uma filiação “pós-pop” à plena adesão às linguagens (pós-)conceptualistas (1972-1980) –, acompanhando a recepção crítica que, merecendo aqui um lugar autónomo de análise e reflexão, abarca, pela primeira vez, uma recensão exaustiva de um corpus de textos situado entre 1974 e 2007.
Na primeira parte analisam-se os diferentes agentes e correspondentes efeitos produzidos em matéria de discurso até 2007 – ano da publicação do seu primeiro catalogue raisonné –, tanto nos termos do reconhecimento e da difusão, como dos atrasos e das dessintonizações. Pretendeu-se tecer toda uma trama contextualizadora enquadrando nela os nomes ou actores que integram os seus tempos e conjunturas, não prescindindo do quase inevitável memorando das circunstâncias, acontecimentos e personagens. Depois dos contributos apologéticos e laudatórios é tornado explícito o carácter mais “polémico” da fortuna crítica no tocante aos seus equívocos, contradições e disputas. Através dos detractores e dos silêncios cremos poder ler tão bem tanto a história das resistências, como das reivindicações de programas novos, enquanto jogo de forças postas em tensão. A implícita comparação entre a crítica portuguesa e a crítica internacional revelou-se igualmente crucial para o entendimento tanto das possibilidades como das insuficiências que assolaram a cena nacional nos últimos trinta anos. A ampla recensão crítica dos inúmeros e diversos discursos configura uma hipótese de trabalho pensada para o leitor poder seguir o argumento principal deste estudo: a obra de Julião Sarmento dos anos 70 apenas adquire o seu resoluto validamento crítico e institucional em Portugal e no estrangeiro, a partir sobretudo da segunda metade dos anos 90, através de uma “re-descoberta” e revalorização de cunho retrospectivo, fundamentalmente gerada pelo retorno do trabalho a uma nova dimensão conceptual (e heterodoxa) que o ciclo das Pinturas Brancas e, sequentemente, o re-interesse pela instalação, pela fotografia e pelo vídeo haviam consubstanciado.
Fazendo jus ao próprio processo criativo do autor, na segunda parte é tratado autonomamente um conjunto de eixos internos (e contextuais) da obra enquadrada no balizamento epocal em estudo (1972-1980). Após uma singular incursão por uma pintura de filiação pós-pop – transladando o "découpage" do cinema em função da consciencialização dos elementos base do enquadramento, do recurso ao (re)corte, do distanciamento e da promessa de narrativa –, verificou-se que a obra de Sarmento produzida a partir de meados do decénio aproxima-se de artistas e de movimentos ou atitudes artísticas afectos à heterodoxia (pós-)conceptualista. A fotografia, o filme, a performance, a instalação, o som, o vídeo e o cruzamento de todos estes processos erigem-se em caminhos de expressão de novas preocupações que encaram a obra como projecto, documento ou processo, perseguindo a sua desmaterialização. Ficou apurado que Sarmento atesta uma profunda actualidade no quadro das linhas axiais que a contemporaneidade internacional então experimentava. Porém, o modo como o artista português percorre esses caminhos comuns é extremamente idiossincrático. Mesmo quando aborda problemáticas que estão igualmente presentes em propostas situadas fora do domínio estrito da intelectualização da sexualidade e do sentido libertário do erótico – como a cartografia, a percepção, a espacialidade, a temporalização, a documentação de actividades performativas, a encenação, a sugestão narrativa – ou quando partilha uma postura reflexiva sobre um entendimento mais genérico da arte – ao incluir exercícios de seriação, indexação, repetição, jogos de tautologia, exame de estruturas, análise semiótica da obra, expansão do domínio textual – o centro da sua pesquisa localiza-se sobretudo no desejo, repensando-o na sua potencialidade, impossibilidade ou consumação diferida.
Com o olhar dirigido para o exterior, e sem ter sido necessário emigrar, Sarmento construiu uma linguagem tão sofisticada como original ao postular um leque de indagações próprias da máxima pertinência para o contexto internacional onde começa a actuar e com o qual pretende mais activamente dialogar, sem que, porém, pudesse ter usufruído, em “tempo real”, de uma defesa crítica e de um reconhecimento institucional à sua altura. A sua “febre” de actualidade com etapas percorridas a uma velocidade inigualável na arte portuguesa, são sinais de uma determinação artística profundamente singular, de cujo balanço resultam obras notáveis, actuais e actuantes, que tendemos hoje, no quadro mental da visão retrospectiva, a situar na história de arte internacional dos anos 70.
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"Este estudo indaga sobre o tratamento heterodoxo da retratística na contemporaneidade. Estudámos... more "Este estudo indaga sobre o tratamento heterodoxo da retratística na contemporaneidade. Estudámos um exemplo português filiado em cada um dos principais eixos de pesquisa que mais instabilizaram a imagem do Outro em pintura nos anos 60 do século XX: o vestígio do corpo (Lourdes Castro), a autonomia do significante neo-figurativo (Costa Pinheiro) e o distanciamento des-psicolizante da pop art (Nikias Skapinakis).
Pretende-se caracterizar uma "crise" (ou descontinuidade) que tem uma amplitude mais lata, por não dizer respeito apenas ao "retrato", mas à falência de todo um paradigma de longa duração (Humanismo Clássico) com o qual aquele "dispositivo" fazia sistema. Alega-se que esta "crise" polariza-se nos Anos 60, mediante a estruturação de todo um novo campo de saberes, teorias ou conhecimentos que afecta noções como as de Sujeito, Representação, Arte ou Género.
Para tal falha epistémica concorre um conjunto de mutações estruturantes: o anti-subjectivismo que a "morte do homem" estruturalista transporta; a "crise da representação" afecta a uma apetência pelo real; a "inactualidade" da manufactura que motiva uma proximidade da pintura a meios de reprodutibilidade técnica; o efeito da arbitrariedade radical do signo quando o significante pictórico se liberta do lastro do referente; e a disrupção dos géneros artísticos. Pois os Anos 60 corporalizam o momento em que, de modo programático, se põe em causa a prática e a teoria das estruturas binárias, da outreidade e dos modelos racionais da diferença, acentuando as zonas fronteiriças mistas. A Teoria do Género teria que inevitavelmente sofrer com a fragmentação de posições, a celebração do hibridismo e da heterogeneidade. Como alternativa à dissolução do género, corrompido na sua "lei", desponta um retrato expansivo e permeável, que se firma em permanente extravasamento. Estatuto que não o nega, antes o desloca ante as suas estipulações históricas."