João Carlos Nara Júnior | Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (original) (raw)

Papers by João Carlos Nara Júnior

Research paper thumbnail of As Rosas Negras do Cemitério de Pretos Novos de Santa Rita: sinais de um patrimônio invisível

Revista do IHGRJ, 2022

Cemitérios são cidades póstumas que eternizam a desigual condição dos cidadãos. Desta feita, a ci... more Cemitérios são cidades póstumas que eternizam a desigual condição dos cidadãos. Desta feita, a cidadania do além se caracteriza por singularidades e classificações derivadas dos avatares da vida presente, a modo de espelho reflexo das conquistas e frustrações que o defunto leva consigo. Contudo, muitos desses mortos são indiferenciados, elementos escondidos na massa, sujeitos ausentes das narrativas. Como lápides sem nome, suas vidas 1 Arquiteto e historiador, Doutor em História Comparada (UFRJ), Diretor Executivo da Fundação Biblioteca Nacional e Sócio do IHGRJ. Resumo No Largo de Santa Rita, no Centro do Rio de Janeiro, houve durante o século XVIII um cemitério para africanos escravizados recém-chegados, que morreram antes de ser vendidos. Em 1774 o tráfico negreiro e seu respectivo cemitério foram transferidos ao Valongo, subúrbio pertencente à mesma freguesia de Santa Rita. O antigo cemitério foi esquecido, mas a recente instalação do VLT carioca no Largo de Santa Rita ocasionou uma contestação dos movimentos sociais sobre a legitimidade das pesquisas arqueológicas na região. Como sucedâneo à necessária rememoração desses mortos, o IPHAN propôs a representação de rosas negras no chão do cemitério, que continua servindo de logradouro público. A análise das contradições políticas do episódio e o estranhamento diante da não-paisagem de Santa Rita reclamam da academia e das instituições públicas respostas mais robustas, cujas linhas são sugeridas na conclusão.

Research paper thumbnail of Eloquência, ambivalência, audiência: arqueologia da primeira decoração rococó religiosa nas Américas

Revista Imagem Brasileira, 2018

O inventário dos aspectos funcionais do estilo rococó empregado na decoração da Matriz da Fregues... more O inventário dos aspectos funcionais do estilo rococó empregado na decoração da Matriz da Freguesia de Santa Rita, no Rio de Janeiro, evidencia a ambiguidade da simbologia decorativa, a despeito de sua eventual decodificação. A decoração religiosa é passível de ressignificação e traz no seu bojo a marca da historicidade. Contudo, ambivalência não quer dizer ilusão, mas amplidão, pois o símbolo — ao saltar o abismo entre a representação artística e o conteúdo transcendente do numinoso — traz consigo a marca da própria insuficiência, embora não impeça o numinoso de se fazer presente. O melhor modo de interpretar imagens consiste em abdicar de lê-las como se fossem ideogramas, pois a questão imagética versa menos sobre as mensagens, do que sobre os mensageiros. De que forma o mensageiro se vale da fragilidade do símbolo para persuadir sua audiência? E que audiência é essa, capaz de fazer da experiência estética uma experiência religiosa?

Research paper thumbnail of Vêm a ter os testadores mais pragas que sufrágios: os últimos desejos de Manoel Nascentes Pinto (†1731)

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, 2016

Nascentes Pinto (Rio de Janeiro, † 1731), proporciona ao historiador uma envolvente aproximação à... more Nascentes Pinto (Rio de Janeiro, † 1731), proporciona ao historiador uma envolvente aproximação à sociedade carioca do século XVIII no que tange aos seus valores, à religiosidade de sua gente e ao desenvolvimento urbano. A localização do espaço geográfico no Rio de Janeiro da época, a utilização do documento para a comparação dos valores dos bens inventariados, como escravos e imóveis, constituem preciosas informações acerca de um período com escassos dados documentais. A par de tal importância, o artigo procura também levantar questões que merecerão ulteriores aprofundamentos.

Research paper thumbnail of Arqueologia da Persuasão: Estudo Arqueológico da Primeira Igreja Rococó da América

A Matriz de Santa Rita de Cássia é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserv... more A Matriz de Santa Rita de Cássia é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserva como bem integrado um conjunto original e completo de talha rococó do sécu-lo XVIII, constituindo a primeira aparição do estilo na América. Além disso, o edifício, tombado a nível federal em 1938, possuiu em seu Largo contíguo um cemitério para pre-tos novos, anterior ao do Valongo. Esta dissertação investiga o vasto conjunto indiciário a respeito do Rio de Janeiro setecentista, propiciado pelas singularidades urbanas, arquite-tônicas e simbólicas do monumento em questão. Com efeito, a análise de sua arquitetura, tomada como metáfora material, assim como a interpretação do seu simbolismo decora-tivo a partir de métodos pós-processuais, complementam as fontes documentais sobre o período colonial carioca. Os monumentos arquitetônicos, tomados como remanescentes de cultura material, oferecem um campo de estudo arqueológico privilegiado, reunindo símbolos, registrando tendências e conservando os traços das sucessivas intervenções. A pesquisa aborda principalmente a talha da igreja, devido ao seu valor particular, artístico e tipológico.

Research paper thumbnail of O pioneirismo da matriz de Santa Rita de Cássia no Rio de Janeiro  no panorama da arquitetura religiosa colonial brasileira

No Rio de Janeiro, a tombada matriz da freguesia de Santa Rita de Cássia, datada de 1721, conserv... more No Rio de Janeiro, a tombada matriz da freguesia de Santa Rita de Cássia, datada de 1721, conserva a primeira incursão do rococó em solo brasileiro. Sendo o único exemplar carioca completamente preservado, permite a realização de um estudo sistemático desse estilo. Tal gosto decorativo da arquitetura colonial brasileira é distinto do rococó mineiro e do rococó pernambucano pelo seu aspecto palaciano, pelas molduras ornamentais nos tetos e nas paredes, e pela proeminência do arco cruzeiro, que separa a nave do presbitério (ou altar-mor). Realizado na segunda metade do século XVIII, o rococó é o registro emblemático da fase em que predominaram mestres, artífices e artistas nativos da colônia, deixando expressa a maturidade dos monumentos religiosos do centro urbano do Rio de Janeiro. Por outro lado, a matriz de Santa Rita também surpreende com sua história. Com efeito, a igreja está ligada ao passado escravagista por ter sido a sede de um cemitério de pretos novos; foi o templo que inaugurou na América o culto da mística italiana, então recém-beatificada; e a sua construção foi fruto da devoção católica popular, diferentemente das outras igrejas da época, patrocinadas pelas ordens religiosas. Do ponto de vista urbano, abriu caminho para a expansão da cidade ao ser erigida como terceira freguesia do Rio de Janeiro; e conseguiu sobreviver à sanha modernizadora das reformas urbanísticas do início do século XX devido ao seu valor. O mosaico de todas essas facetas torna a igreja de Santa Rita um lugar privilegiado para o resgate do Rio de Janeiro setecentista.

Research paper thumbnail of As talhas rococós da matriz de Santa Rita de Cássia, no Rio de Janeiro

A matriz de Santa Rita de Cássia, outrora chamada “igreja dos malfeitores”, e em cujo Largo homôn... more A matriz de Santa Rita de Cássia, outrora chamada “igreja dos malfeitores”, e em cujo Largo homônimo havia um
cemitério de pretos-novos, é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserva intactas, como
bem integrado, talhas rococós do século XVIII. Relacionadas ao surgimento das primeiras Irmandades cariocas, as
singularidades decorativas da igreja de Santa Rita — cuja tipologia, integralmente preservada, permite seu estudo
sistemático — disponibilizam indícios sobre o sentimento religioso popular vivido durante o período colonial e,
concomitantemente, refletem o quotidiano setecentista do Rio de Janeiro.
A análise arquitetônica contribui de forma determinante e significativa para a investigação de determinado
período histórico e a compreensão da sociedade que nele incidiu, com suas ideologias. Sandra Poleshuck de Faria
Alvim, ao estudar a arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro, apontou como a análise da talha de madeira
permite explicitar as mudanças da vida econômica, social e religiosa, assim como as tendências de gosto.
Tratando-se as talhas como um “artefato remanescente de cultura material”, produz-se um aporte privilegiado
para a compreensão antropológica e arqueológica do edifício, o qual reúne símbolos, registra tendências e
conserva os traços das sucessivas intervenções.
O objetivo do trabalho é mostrar a importância do estudo do patrimônio arquitetônico da igreja de Santa Rita,
tendo em vista tanto sua preservação (pois é preciso conhecer bem um objeto para conservá-lo) quanto sua
valência arqueológica (pois o monumento se apresenta simultaneamente como signo e documento).
A metodologia consiste na análise das talhas, em busca de suas origens formais, filiações estilísticas, simbologia,
tipologia técnica e material, forma de aplicação, desenho e acabamentos, etc.

Research paper thumbnail of Inserção da Matriz de Santa Rita de Cássia na Espacialidade do Rio de Janeiro Colonial

No Largo de Santa Rita, Centro do Rio de Janeiro, ergue-se a matriz da paróquia de Santa Rita; te... more No Largo de Santa Rita, Centro do Rio de Janeiro, ergue-se a matriz da paróquia de Santa Rita; templo que contrasta — por sua fachada singela e parcialmente descaracterizada — com o porte e o estilo dissonante dos atuais edifícios da região. Significativamente, a construção conserva o último conjunto intacto de talha rococó na cidade do Rio de Janeiro do século XVIII.
Antes de 1721, para honrar a conciliadora mística italiana, cuja beatificação ocorrera coisa de cem anos antes, e cuja devoção rapidamente se estendera à península Ibérica, o casal Nascentes Pinto teve a iniciativa de lhe erigir um templo em sua propriedade no Rio de Janeiro, então chamada Sítio Valverde.
A devoção popular difundiu-se rapidamente, de modo que, três décadas depois da fundação, a capela de Santa Rita tornou-se sede de freguesia, administrada por Irmandade, no território desmembrado da circunscrição de Nossa Senhora da Candelária; assim, o templo passou a ser uma das referências da vida dos cariocas dos setecentos, numa das mais antigas áreas da cidade.
A investigação do monumento em questão, em suas singularidades urbanas (localização, implantação, entorno), arquitetônicas (inovações, insuficiências, adaptações) e decorativas (tipologia, gosto, qualidade), oferece um vasto conjunto indiciário, propiciando uma aproximação ao quotidiano setecentista da cidade do Rio de Janeiro e ao pensamento que lhe então lhe foi subjacente.
Com efeito, a região, por onde se escoavam os produtos das áreas suburbanas, fora considerada o primeiro foco de crimes da cidade no século XVII e sua igreja veio a ser chamada pelo vulgo de capela dos malfeitores, porque ali faziam suas preces os condenados à morte.
Em paralelo, Ayres de Saldanha, governador do Rio de Janeiro entre 1719 e 1725, determinou que fosse criado no Largo da igreja um cemitério exclusivo para os africanos que não sobreviveram ao tráfico escravagista. O cemitério, porém, manifestou-se exíguo; de fato, a partir de 1765 mandaram abrir covas em plena rua e, por volta de 1769, o vice-rei Marquês do Lavradio ordenou a mudança do cemitério para a região da Saúde e a transferência do mercado de escravos da Rua Direita (atual Primeiro de Março) para a Rua do Valongo (atual Camerino).
Ao antigo cruzeiro de mármore que sinalizava o cemitério outrora existente no Largo de Santa Rita, sucedeu em 1839 um chafariz cujas águas, oriundas do aqueduto da Carioca, chegavam mediante um quilômetro de encanamento. Com a criação da atual Avenida Marechal Floriano e a reforma das adjacências em 1904, o Largo de Santa Rita foi reduzido e o chafariz igualmente deixou de existir, desaparecendo qualquer referência do antigo campo santo.

Drafts by João Carlos Nara Júnior

Research paper thumbnail of Detecção do Chafariz Histórico de Santa Rita através do GPR

Texto preparado para a apresentação no VII Simpósio Brasileiro de Geofísica, Ouro Preto, 25 a 27 ... more Texto preparado para a apresentação no VII Simpósio Brasileiro de Geofísica, Ouro Preto, 25 a 27 de outubro de 2016.

Conference Presentations by João Carlos Nara Júnior

Research paper thumbnail of Armando Magalhães Correia e a integração dos aspectos sociais, culturais e naturais na prática da preservação

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, 2018

Discurso de posse da cadeira Armando Magalhães Correia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio... more Discurso de posse da cadeira Armando Magalhães Correia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro

Research paper thumbnail of Reforma: luzes e feridas

Martinho Lutero indagou com radicalidade pelo papel de Deus em sua vida pessoal e na sociedade. A... more Martinho Lutero indagou com radicalidade pelo papel de Deus em sua vida pessoal e na sociedade. A solução para essa questão seguiu caminhos diferentes no protestantismo e no catolicismo. A comemoração dos 500 anos da Reforma constitui uma oportunidade ímpar para confrontar a história dessa diversidade.

Research paper thumbnail of Proposta de ampliação da paisagem cultural do Rio de Janeiro: a importância da Freguesia de Santa Rita

Desde 2010, a região portuária do Rio de Janeiro, com 5 milhões de m², tem passado por uma profun... more Desde 2010, a região portuária do Rio de Janeiro, com 5 milhões de m², tem passado por uma profunda reestruturação urbana através de uma operação consorciada com a iniciativa privada. Em 2011, a municipalidade ali instituiu o “Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana”, ao qual foi integrado, no ano seguinte, o redescoberto cais do Valongo, por onde aportaram no Brasil mais de um milhão de africanos cativos até o século XIX. Em 2013 o Valongo se tornou patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro e, em março passado, teve sua candidatura homologada pelo Centro do Patrimônio Mundial da Unesco para ser reconhecido como Patrimônio da Humanidade, em função de seu valor excepcional como memória da violência. Pesquisas arqueológicas ainda têm apontado novos marcos representativos da vida dos africanos nessa área, que poderão ser acrescentados ao Circuito, como é o caso do cemitério de pretos novos contíguo à igreja de Santa Rita, aliás o primeiro exemplar arquitetônico com decoração rococó nas Américas. A revalorização de toda essa região — rica em bens patrimoniais, históricos e arqueológicos — é um convite a incluí-la entre os bens cariocas que compõem a paisagem cultural do Rio de Janeiro, atualmente restritos em sua maioria à Zona Sul da cidade. Sem dúvida, a movimentada evolução da região portuária do Rio de Janeiro representa significativamente o processo de interação do homem com o meio natural, as estratégias de antropização do espaço brasileiro colonial e os vestígios deixados pela diáspora africana. A inclusão do Circuito da Herança Africana na chancela de Paisagem Cultural poderia servir de estímulo para a valorização e a preservação da tão importante paisagem recém-recuperada.

Books by João Carlos Nara Júnior

Research paper thumbnail of O Cemitério de Pretos Novos de Santa Rita: História social e Arqueologia da transição no complexo escravagista do Rio de Janeiro setecentista

Tese de Doutorado, Dec 18, 2019

O tráfico negreiro pressupôs a instalação de um complexo escravagista no Rio de Janeiro colonial,... more O tráfico negreiro pressupôs a instalação de um complexo escravagista no Rio de Janeiro colonial, o qual incluía, entre outras instâncias (controle sanitário, aduana, lojas etc.), um cemitério exclusivo para os africanos recém-chegados ao Brasil (“pretos novos”) que não resistissem ao translado para a América. Essas pessoas anônimas, cuja história se desconhecia, representam fronteiras étnicas, geográficas e escatológicas. Mas por meio de seus remanescentes arqueológicos, presentes nos cemitérios da freguesia de Santa Rita, os pretos novos podem alçar a sua voz silenciosa para fazer parte, pela primeira vez, da memória brasileira.

Research paper thumbnail of As Rosas Negras do Cemitério de Pretos Novos de Santa Rita: sinais de um patrimônio invisível

Revista do IHGRJ, 2022

Cemitérios são cidades póstumas que eternizam a desigual condição dos cidadãos. Desta feita, a ci... more Cemitérios são cidades póstumas que eternizam a desigual condição dos cidadãos. Desta feita, a cidadania do além se caracteriza por singularidades e classificações derivadas dos avatares da vida presente, a modo de espelho reflexo das conquistas e frustrações que o defunto leva consigo. Contudo, muitos desses mortos são indiferenciados, elementos escondidos na massa, sujeitos ausentes das narrativas. Como lápides sem nome, suas vidas 1 Arquiteto e historiador, Doutor em História Comparada (UFRJ), Diretor Executivo da Fundação Biblioteca Nacional e Sócio do IHGRJ. Resumo No Largo de Santa Rita, no Centro do Rio de Janeiro, houve durante o século XVIII um cemitério para africanos escravizados recém-chegados, que morreram antes de ser vendidos. Em 1774 o tráfico negreiro e seu respectivo cemitério foram transferidos ao Valongo, subúrbio pertencente à mesma freguesia de Santa Rita. O antigo cemitério foi esquecido, mas a recente instalação do VLT carioca no Largo de Santa Rita ocasionou uma contestação dos movimentos sociais sobre a legitimidade das pesquisas arqueológicas na região. Como sucedâneo à necessária rememoração desses mortos, o IPHAN propôs a representação de rosas negras no chão do cemitério, que continua servindo de logradouro público. A análise das contradições políticas do episódio e o estranhamento diante da não-paisagem de Santa Rita reclamam da academia e das instituições públicas respostas mais robustas, cujas linhas são sugeridas na conclusão.

Research paper thumbnail of Eloquência, ambivalência, audiência: arqueologia da primeira decoração rococó religiosa nas Américas

Revista Imagem Brasileira, 2018

O inventário dos aspectos funcionais do estilo rococó empregado na decoração da Matriz da Fregues... more O inventário dos aspectos funcionais do estilo rococó empregado na decoração da Matriz da Freguesia de Santa Rita, no Rio de Janeiro, evidencia a ambiguidade da simbologia decorativa, a despeito de sua eventual decodificação. A decoração religiosa é passível de ressignificação e traz no seu bojo a marca da historicidade. Contudo, ambivalência não quer dizer ilusão, mas amplidão, pois o símbolo — ao saltar o abismo entre a representação artística e o conteúdo transcendente do numinoso — traz consigo a marca da própria insuficiência, embora não impeça o numinoso de se fazer presente. O melhor modo de interpretar imagens consiste em abdicar de lê-las como se fossem ideogramas, pois a questão imagética versa menos sobre as mensagens, do que sobre os mensageiros. De que forma o mensageiro se vale da fragilidade do símbolo para persuadir sua audiência? E que audiência é essa, capaz de fazer da experiência estética uma experiência religiosa?

Research paper thumbnail of Vêm a ter os testadores mais pragas que sufrágios: os últimos desejos de Manoel Nascentes Pinto (†1731)

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, 2016

Nascentes Pinto (Rio de Janeiro, † 1731), proporciona ao historiador uma envolvente aproximação à... more Nascentes Pinto (Rio de Janeiro, † 1731), proporciona ao historiador uma envolvente aproximação à sociedade carioca do século XVIII no que tange aos seus valores, à religiosidade de sua gente e ao desenvolvimento urbano. A localização do espaço geográfico no Rio de Janeiro da época, a utilização do documento para a comparação dos valores dos bens inventariados, como escravos e imóveis, constituem preciosas informações acerca de um período com escassos dados documentais. A par de tal importância, o artigo procura também levantar questões que merecerão ulteriores aprofundamentos.

Research paper thumbnail of Arqueologia da Persuasão: Estudo Arqueológico da Primeira Igreja Rococó da América

A Matriz de Santa Rita de Cássia é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserv... more A Matriz de Santa Rita de Cássia é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserva como bem integrado um conjunto original e completo de talha rococó do sécu-lo XVIII, constituindo a primeira aparição do estilo na América. Além disso, o edifício, tombado a nível federal em 1938, possuiu em seu Largo contíguo um cemitério para pre-tos novos, anterior ao do Valongo. Esta dissertação investiga o vasto conjunto indiciário a respeito do Rio de Janeiro setecentista, propiciado pelas singularidades urbanas, arquite-tônicas e simbólicas do monumento em questão. Com efeito, a análise de sua arquitetura, tomada como metáfora material, assim como a interpretação do seu simbolismo decora-tivo a partir de métodos pós-processuais, complementam as fontes documentais sobre o período colonial carioca. Os monumentos arquitetônicos, tomados como remanescentes de cultura material, oferecem um campo de estudo arqueológico privilegiado, reunindo símbolos, registrando tendências e conservando os traços das sucessivas intervenções. A pesquisa aborda principalmente a talha da igreja, devido ao seu valor particular, artístico e tipológico.

Research paper thumbnail of O pioneirismo da matriz de Santa Rita de Cássia no Rio de Janeiro  no panorama da arquitetura religiosa colonial brasileira

No Rio de Janeiro, a tombada matriz da freguesia de Santa Rita de Cássia, datada de 1721, conserv... more No Rio de Janeiro, a tombada matriz da freguesia de Santa Rita de Cássia, datada de 1721, conserva a primeira incursão do rococó em solo brasileiro. Sendo o único exemplar carioca completamente preservado, permite a realização de um estudo sistemático desse estilo. Tal gosto decorativo da arquitetura colonial brasileira é distinto do rococó mineiro e do rococó pernambucano pelo seu aspecto palaciano, pelas molduras ornamentais nos tetos e nas paredes, e pela proeminência do arco cruzeiro, que separa a nave do presbitério (ou altar-mor). Realizado na segunda metade do século XVIII, o rococó é o registro emblemático da fase em que predominaram mestres, artífices e artistas nativos da colônia, deixando expressa a maturidade dos monumentos religiosos do centro urbano do Rio de Janeiro. Por outro lado, a matriz de Santa Rita também surpreende com sua história. Com efeito, a igreja está ligada ao passado escravagista por ter sido a sede de um cemitério de pretos novos; foi o templo que inaugurou na América o culto da mística italiana, então recém-beatificada; e a sua construção foi fruto da devoção católica popular, diferentemente das outras igrejas da época, patrocinadas pelas ordens religiosas. Do ponto de vista urbano, abriu caminho para a expansão da cidade ao ser erigida como terceira freguesia do Rio de Janeiro; e conseguiu sobreviver à sanha modernizadora das reformas urbanísticas do início do século XX devido ao seu valor. O mosaico de todas essas facetas torna a igreja de Santa Rita um lugar privilegiado para o resgate do Rio de Janeiro setecentista.

Research paper thumbnail of As talhas rococós da matriz de Santa Rita de Cássia, no Rio de Janeiro

A matriz de Santa Rita de Cássia, outrora chamada “igreja dos malfeitores”, e em cujo Largo homôn... more A matriz de Santa Rita de Cássia, outrora chamada “igreja dos malfeitores”, e em cujo Largo homônimo havia um
cemitério de pretos-novos, é o único templo barroco da cidade do Rio de Janeiro que conserva intactas, como
bem integrado, talhas rococós do século XVIII. Relacionadas ao surgimento das primeiras Irmandades cariocas, as
singularidades decorativas da igreja de Santa Rita — cuja tipologia, integralmente preservada, permite seu estudo
sistemático — disponibilizam indícios sobre o sentimento religioso popular vivido durante o período colonial e,
concomitantemente, refletem o quotidiano setecentista do Rio de Janeiro.
A análise arquitetônica contribui de forma determinante e significativa para a investigação de determinado
período histórico e a compreensão da sociedade que nele incidiu, com suas ideologias. Sandra Poleshuck de Faria
Alvim, ao estudar a arquitetura religiosa colonial no Rio de Janeiro, apontou como a análise da talha de madeira
permite explicitar as mudanças da vida econômica, social e religiosa, assim como as tendências de gosto.
Tratando-se as talhas como um “artefato remanescente de cultura material”, produz-se um aporte privilegiado
para a compreensão antropológica e arqueológica do edifício, o qual reúne símbolos, registra tendências e
conserva os traços das sucessivas intervenções.
O objetivo do trabalho é mostrar a importância do estudo do patrimônio arquitetônico da igreja de Santa Rita,
tendo em vista tanto sua preservação (pois é preciso conhecer bem um objeto para conservá-lo) quanto sua
valência arqueológica (pois o monumento se apresenta simultaneamente como signo e documento).
A metodologia consiste na análise das talhas, em busca de suas origens formais, filiações estilísticas, simbologia,
tipologia técnica e material, forma de aplicação, desenho e acabamentos, etc.

Research paper thumbnail of Inserção da Matriz de Santa Rita de Cássia na Espacialidade do Rio de Janeiro Colonial

No Largo de Santa Rita, Centro do Rio de Janeiro, ergue-se a matriz da paróquia de Santa Rita; te... more No Largo de Santa Rita, Centro do Rio de Janeiro, ergue-se a matriz da paróquia de Santa Rita; templo que contrasta — por sua fachada singela e parcialmente descaracterizada — com o porte e o estilo dissonante dos atuais edifícios da região. Significativamente, a construção conserva o último conjunto intacto de talha rococó na cidade do Rio de Janeiro do século XVIII.
Antes de 1721, para honrar a conciliadora mística italiana, cuja beatificação ocorrera coisa de cem anos antes, e cuja devoção rapidamente se estendera à península Ibérica, o casal Nascentes Pinto teve a iniciativa de lhe erigir um templo em sua propriedade no Rio de Janeiro, então chamada Sítio Valverde.
A devoção popular difundiu-se rapidamente, de modo que, três décadas depois da fundação, a capela de Santa Rita tornou-se sede de freguesia, administrada por Irmandade, no território desmembrado da circunscrição de Nossa Senhora da Candelária; assim, o templo passou a ser uma das referências da vida dos cariocas dos setecentos, numa das mais antigas áreas da cidade.
A investigação do monumento em questão, em suas singularidades urbanas (localização, implantação, entorno), arquitetônicas (inovações, insuficiências, adaptações) e decorativas (tipologia, gosto, qualidade), oferece um vasto conjunto indiciário, propiciando uma aproximação ao quotidiano setecentista da cidade do Rio de Janeiro e ao pensamento que lhe então lhe foi subjacente.
Com efeito, a região, por onde se escoavam os produtos das áreas suburbanas, fora considerada o primeiro foco de crimes da cidade no século XVII e sua igreja veio a ser chamada pelo vulgo de capela dos malfeitores, porque ali faziam suas preces os condenados à morte.
Em paralelo, Ayres de Saldanha, governador do Rio de Janeiro entre 1719 e 1725, determinou que fosse criado no Largo da igreja um cemitério exclusivo para os africanos que não sobreviveram ao tráfico escravagista. O cemitério, porém, manifestou-se exíguo; de fato, a partir de 1765 mandaram abrir covas em plena rua e, por volta de 1769, o vice-rei Marquês do Lavradio ordenou a mudança do cemitério para a região da Saúde e a transferência do mercado de escravos da Rua Direita (atual Primeiro de Março) para a Rua do Valongo (atual Camerino).
Ao antigo cruzeiro de mármore que sinalizava o cemitério outrora existente no Largo de Santa Rita, sucedeu em 1839 um chafariz cujas águas, oriundas do aqueduto da Carioca, chegavam mediante um quilômetro de encanamento. Com a criação da atual Avenida Marechal Floriano e a reforma das adjacências em 1904, o Largo de Santa Rita foi reduzido e o chafariz igualmente deixou de existir, desaparecendo qualquer referência do antigo campo santo.

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Texto preparado para a apresentação no VII Simpósio Brasileiro de Geofísica, Ouro Preto, 25 a 27 ... more Texto preparado para a apresentação no VII Simpósio Brasileiro de Geofísica, Ouro Preto, 25 a 27 de outubro de 2016.

Research paper thumbnail of Armando Magalhães Correia e a integração dos aspectos sociais, culturais e naturais na prática da preservação

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, 2018

Discurso de posse da cadeira Armando Magalhães Correia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio... more Discurso de posse da cadeira Armando Magalhães Correia do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro

Research paper thumbnail of Reforma: luzes e feridas

Martinho Lutero indagou com radicalidade pelo papel de Deus em sua vida pessoal e na sociedade. A... more Martinho Lutero indagou com radicalidade pelo papel de Deus em sua vida pessoal e na sociedade. A solução para essa questão seguiu caminhos diferentes no protestantismo e no catolicismo. A comemoração dos 500 anos da Reforma constitui uma oportunidade ímpar para confrontar a história dessa diversidade.

Research paper thumbnail of Proposta de ampliação da paisagem cultural do Rio de Janeiro: a importância da Freguesia de Santa Rita

Desde 2010, a região portuária do Rio de Janeiro, com 5 milhões de m², tem passado por uma profun... more Desde 2010, a região portuária do Rio de Janeiro, com 5 milhões de m², tem passado por uma profunda reestruturação urbana através de uma operação consorciada com a iniciativa privada. Em 2011, a municipalidade ali instituiu o “Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana”, ao qual foi integrado, no ano seguinte, o redescoberto cais do Valongo, por onde aportaram no Brasil mais de um milhão de africanos cativos até o século XIX. Em 2013 o Valongo se tornou patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro e, em março passado, teve sua candidatura homologada pelo Centro do Patrimônio Mundial da Unesco para ser reconhecido como Patrimônio da Humanidade, em função de seu valor excepcional como memória da violência. Pesquisas arqueológicas ainda têm apontado novos marcos representativos da vida dos africanos nessa área, que poderão ser acrescentados ao Circuito, como é o caso do cemitério de pretos novos contíguo à igreja de Santa Rita, aliás o primeiro exemplar arquitetônico com decoração rococó nas Américas. A revalorização de toda essa região — rica em bens patrimoniais, históricos e arqueológicos — é um convite a incluí-la entre os bens cariocas que compõem a paisagem cultural do Rio de Janeiro, atualmente restritos em sua maioria à Zona Sul da cidade. Sem dúvida, a movimentada evolução da região portuária do Rio de Janeiro representa significativamente o processo de interação do homem com o meio natural, as estratégias de antropização do espaço brasileiro colonial e os vestígios deixados pela diáspora africana. A inclusão do Circuito da Herança Africana na chancela de Paisagem Cultural poderia servir de estímulo para a valorização e a preservação da tão importante paisagem recém-recuperada.

Research paper thumbnail of O Cemitério de Pretos Novos de Santa Rita: História social e Arqueologia da transição no complexo escravagista do Rio de Janeiro setecentista

Tese de Doutorado, Dec 18, 2019

O tráfico negreiro pressupôs a instalação de um complexo escravagista no Rio de Janeiro colonial,... more O tráfico negreiro pressupôs a instalação de um complexo escravagista no Rio de Janeiro colonial, o qual incluía, entre outras instâncias (controle sanitário, aduana, lojas etc.), um cemitério exclusivo para os africanos recém-chegados ao Brasil (“pretos novos”) que não resistissem ao translado para a América. Essas pessoas anônimas, cuja história se desconhecia, representam fronteiras étnicas, geográficas e escatológicas. Mas por meio de seus remanescentes arqueológicos, presentes nos cemitérios da freguesia de Santa Rita, os pretos novos podem alçar a sua voz silenciosa para fazer parte, pela primeira vez, da memória brasileira.