Lucas Bulamah | Universidade de São Paulo (original) (raw)
Papers by Lucas Bulamah
O verdadeiro self em Winnicott e a questão da identidade , 2020
O tema da identidade tem sido abordado criticamente por diversas disciplinas, representantes do c... more O tema da identidade tem sido abordado criticamente por diversas disciplinas, representantes do chamado pós-estruturalismo, inspiradas no descentramento freudiano do sujeito. Neste artigo, investigamos a noção winnicottiana de verdadeiro self com o intuito de apontar para uma alternativa à postulação do psicanalista inglês como antagonista da desconstrução operada pela abordagem pós-estruturalista das identidades.
Associado ao postulado do núcleo incomunicável do self como uma instância indisponível à relacionalidade com objetos objetivos, o verdadeiro self advém tanto como representante de uma experiência primordial de indeterminação, na qual a distinção entre eu e outro estão fundamentalmente excluídas, quanto como instância resistente à determinação identitária característica da relação com objetos objetivos.
This work aims to explore the historical proscription of gay candidates to the psychoanalytic tra... more This work aims to explore the historical proscription of gay candidates to the psychoanalytic training offered by the societies affiliated to the International Psychoanalytic Association (IPA). Through a research made in reports, archives and bulletins, it was found that the homosexual visibility movement that emerged in the 1970s brought into light both the institutional prejudice and the rationalizations that grounded it. The development of psychoanalytic theory and the model of psychoanalytical institutionalization are pointed out as key factors for the exclusionary practice.
Desde que Freud postulou a existência do inconsciente e da pulsão sexual, contra o primado da Raz... more Desde que Freud postulou a existência do inconsciente e da pulsão sexual, contra o primado da Razão e a concepção naturalizante do instinto sexual, a psicanálise apresentou-se como um saber e uma prática revolucionária, progressista e, até certa medida, libertadora. Lançou-se uma potencial torção nas bases do dispositivo médico-moral que classificava quaisquer outras formas de erotismo que não o membrum hominis in vaginae feminae como algo aberrante, descritas e catalogadas obsessivamente pelo discurso científico. Em virtude de tal investida contra a naturalização e as categorias às quais nos acostumamos a pensar o homem e suas classificações, é espantoso ver que alguns psicanalistas, por vezes publicamente, desqualifiquem a homossexualidade como um erotismo aberrante, parado em algum ponto entre o autoerotismo e a genitalidade reprodutiva. Por que tomamos uma outra direção, tão distinta daquele início potencialmente revolucionário e o que podemos fazer para retomarmos tal ímpeto, perguntam-se alguns psicanalistas contemporâneos. Em Psicanálise & homossexualidades: teoria, clínica, biopolítica, Thamy Ayouch (2015) posiciona-se entre tais psicanalistas. O trabalho estrutura-se em torno da seguinte hipótese: " uma visão meramente intrapsíquica do sexual-infantil, desvinculada da relação social e do contexto histórico, dá lugar a uma concepção normalizadora da sexualidade que esquece a sua determinação histórica, instituindo dessa maneira uma norma e patologias " (p. 16), e o leitor acompanhará o autor durante um percurso curto e bastante denso por um mapa para a reflexão sobre como a psicanálise, desde Freud até os contemporâneos, abordou a questão das homossexualidades. Todavia, tal questão é apenas uma fenda por onde enxergamos, em níveis mais profundos, a relação da psicanálise com os discursos e jogos de poder em tornos dos quais se estruturou ora em oposição crítica, ora em concordância. Por isso não deve estranhar que Ayouch revisite um vasto conteúdo acerca do que hoje se pensa em termos de estudos de gênero e sexualidade, não apenas a homossexualidade. Todavia, é devido a este intuito e sua execução que o livro perde em profundidade e deixa em aberto diversas questões e instrumentos conceituais que merecem ser abordados de forma mais detida. Considerando apenas dois exemplos, a ideia de sexuação é fundamental para as discussões atuais entre os estudos de gênero e a psicanálise, e no livro é empregado como se quase fosse auto intuitivo, e há também o uso de fontes secundárias para a ancoragem de argumentos acerca da história da psicanálise, que devido à importância dos fatos em questão, resulta
Analytica Revista De Psicanalise, 2014
Analytica Revista De Psicanalise, 2014
fundamentalpsychopathology.org
Na voga do paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de... more Na voga do paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de epistème, algumas correntes psicanalíticas se incluíram no grupo de modelos teóricos que classificavam a homoafetividade como fenômeno psicopatológico. Alguns autores, na tentativa de expandir o conhecimento a respeito da homossexualidade, propuseram que ela fosse vista como formação falso self, apoiando-se em interpretações pessoais das idéias de Donald Winnicott. O presente trabalho tem como propósito incluir-se no grupo de pesquisas que, dentro da psicanálise, visam constituir um novo paradigma, questionando a forma de conceber a diversidade sexual. Isso será feito por meio do estudo de um caso clínico em pesquisa psicanalítica com técnicas projetivas, paralelamente à revisão de trabalhos de psicanalistas winnicottianos que abordaram o tema da sexualidade. Com efeito, visa-se demonstrar que, com o apoio dos avanços da própria teoria psicanalítica contemporânea, é possível questionar o status de sexualidade desviante da homoafetividade e também esclarecer que, na realidade, potencialmente psicopatológica é a tentativa de repressão da atração afetivo-sexual por alguém do mesmo sexo. Palavras-chave: sexualidade, homossexualidade, falso self, Winnicott. Introdução Seguindo um paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de epistème, algumas correntes psicanalíticas não deixaram de se incluir no grupo de modelos teóricos que classificavam a afetividade sexual direcionada a um indivíduo do mesmo gênero como algo estranho, desviante e psicopatológico. Nessas correntes, a homossexualidade foi rotulada como sintoma de estruturas perversas, casos isolados de neuroses obsessivas, atos encobertos e ocasionais ou, ainda, como fenômeno que se apresenta em pessoas "normais" em certos casos extremos, como os de confinamento na prisão (Abadi, 1997). Esse estudo se propõe a tecer reflexões sobre a compreensão da homossexualidade na perspectiva winnicottiana, percorrendo alguns constructos teóricos propostos pelo psicanalista inglês e contemplando as decorrências, para a teoria da sexualidade, da mudança paradigmática que se operou na psicanálise. Paralelamente, pretende-se apontar que alguns autores, aparentemente alinhados ao pensamento winnicottiano, na verdade fazem uma apreensão parcial de seus conceitos na tentativa de compreender a homossexualidade, extraindo conclusões duvidosas. Tais propósitos serão percorridos por meio do estudo de um caso clínico extraído de uma pesquisa psicanalítica que se valeu de técnicas projetivas, juntamente com a revisão de trabalhos de psicanalistas que abordaram o tema da mudança paradigmática e sexualidade em Winnicott. A pesquisa psicanalítica da qual foi extraído o estudo de caso clínico, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos participantes, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCRP e da FMRP-USP de acordo com o processo HCRP n o 10013/2009. 2 Sexualidade, elaboração imaginativa e falso self De acordo com a idéia consagrada de Winnicott (1983) a respeito do falso self, o indivíduo, mediante a vivência de uma intrusão ambiental nos momentos mais precoces de sua vida, interrompe a continuidade do ser e passa a reagir para fazer frente ao ambiente. Assim, grosso modo, para não perder a afeição do objeto primordial, o indivíduo é forçado a atender às necessidades do ambiente. Em conseqüência, tendências singulares da personalidade, nomeadas por Winnicott (1990) como gesto espontâneo, são cindidas e dirigidas a uma instância protegida das intrusões ambientais, ou aguardando condições propícias para serem manifestadas ou permanecendo-se ocultas, em um extremo patológico. Isso aponta para uma clivagem, uma dissociação intrapsíquica que tende a enraizar-se profundamente. Dentre essas tendências singulares da personalidade figura a sexualidade própria do indivíduo. Antes de prosseguirmos, vale um esclarecimento sobre o que o próprio Winnicott entende por sexualidade e como ele deixa de lado o conceito freudiano de pulsão sexual.
RESUMO: A psicanálise atualmente encontra-se em frutífero debate com as teorias contemporâneas ac... more RESUMO: A psicanálise atualmente encontra-se em frutífero debate com as teorias contemporâneas acerca dos gêneros e das sexualidades, servindo ao mesmo tempo como interlocutora e fonte de conceitos. Todavia, é notável a ausência de relatos clínicos de pacientes transexuais, apesar de tal fenômeno ocupar o um lugar de destaque nos interesses acadêmicos e políticos contemporâneas. O presente trabalho visa contribuir com tal debate e com o posicionamento da psicanálise no mesmo através de uma revisão bibliográfica acerca dos casos clínicos de pacientes transexuais analisados e relatados por psicanalistas desde a década de 70 até atualmente. Interrogamos os relatos clínicos com questões acerca do diagnóstico, transferência e manejo dos casos. Foi postulada a divisão entre dois grandes grupos separados a partir de eventos que marcaram a psicanálise e, de modo mais geral, a cultura, a partir do final do século passado, cujos efeitos foram decisivos para a clínica psicanalítica da transexualidade. Abstract: Psychoanalysis has lately been engaged in a fruitful debate with the contemporary theories on gender and sexuality, being at the same time an interlocutor and a source of concepts. However, the absence of clinical reports of transsexual patients is noticeable, even though the given phenomena occupies a large part of the contemporary academic and political interests. This work aims to contribute with such debate and with the positioning of psychoanalysis in it, through a bibliographical revision regarding clinical cases of transsexual patients analyzed and reported by psychoanalysts from the 1970s until today. A division was proposed between two large groups, divided from the events that marked psychoanalysis and, in a broader manner, the culture, from the end of the last century, and which effects were decisive to the psychoanalytic clinic of transsexuality.. Resumén: El psicoanálisis últimamente se encuentra en un debate fructífero com las teorías contemporáneas de género y sexualidad, siendo al mismo tiempo un interlocutor y una fuente de conceptos. Todavía, la ausencia de relatos clínicos de pacientes transexuales es notable, aunque este fenómeno ocupe uma larga parte de los intereses acadêmicos y políticos contemporaneos. Este trabajo busca contribuir con tal debate y con el posicionamento del psicoanálisis en él, a través de uma revisión bibliográfica relativa a los casos clínicos de pacientes transexuales analisados y reportados por psicoanalistas desde la década de 1970 hasta hoy. Se propuso una división entre dos grandes grupos, divididos desde los eventos que marcaran el psicoanálisis y, en un sentido más amplo, la cultura, desde finales del siglo passado, cuyos efectos fueron decisivos para la clínica psicoanalítica de la transexualidad.
Durante muitas décadas, na ipa, tanto como em outras associações psicanalíticas, sujeitos homosse... more Durante muitas décadas, na ipa, tanto como
em outras associações psicanalíticas, sujeitos homossexuais
foram considerados como doentes
e, portanto, banidos da formação didática e do
acesso à posição de psicanalistas. Hoje em dia,
esta visão, às vezes mantida, parece proceder de
uma concepção meramente intrapsíquica do sexual-
infantil, desvinculada do contexto histórico,
político e clínico das homossexualidades, e dá lugar
a uma versão normalizadora da sexualidade.
Este artigo pretende apresentar uma breve história
da formação e da dissolução de uma regra não escrita
referente à homossexualidade do/a analista,
para abordar, num segundo momento, algumas reflexões
decorrentes destes debates históricos.
A questão do psicanalista homossexual ainda se mantém imersa em constrangimento e negação, remont... more A questão do psicanalista homossexual ainda se mantém imersa em constrangimento e negação, remontando aos primeiros anos da psicanálise organizada como instituição e como movimento em expansão global. O presente trabalho, por meio de uma pesquisa em arquivos, relatos e artigos publicados, percorre os principais momentos da história do movimento psicanalítico relacionados à proscrição de candidatos homossexuais masculinos à formação em psicanálise oferecida pela Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Com o intento de levantar o véu de uma prática que durante muito tempo se manteve desconhecida ou ignorada, pretende-se oferecer material para reflexões mais conscienciosas sobre procedimentos e instituições psicanalíticas.
Pretende-se, neste artigo, uma análise crítica do “caso Amílcar Lobo” – médico que atuou em equip... more Pretende-se, neste artigo, uma análise crítica do “caso Amílcar Lobo” – médico
que atuou em equipe de tortura do Exército durante a ditadura militar no
Brasil, estando, simultaneamente, em formação psicanalítica na Sociedade
Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Tomando o caso como “analisador” do
processo de institucionalização da psicanálise, demonstra-se de que maneira
as sociedades psicanalíticas filiadas à Associação Psicanalítica Internacional
(IPA) – naquele contexto da história do nosso País – foram coniventes com o
regime de exceção instaurado, bem como com as práticas de tortura então
vigentes. Em seguida, problematiza-se, por meio de uma pesquisa acerca dos
efeitos transferenciais produzidos pelo modelo padronizado de formação
psicanalítica, de que modo o movimento psicanalítico se encontra implicado
na produção do “caso Amílcar Lobo”.
Articles in magazines by Lucas Bulamah
by Rafael Alves Lima, Paulo Sérgio de Souza Jr., João Felipe Domiciano, Pedro Ambra, Giedre Moura, Caterina Koltai, Maria Tereza Guimarães de Lemos, Ana Gebrim, Marcela Rosenberg, Diego Penha, and Lucas Bulamah
"A questão que nos animava – a transmissão da psicanálise hoje, no Brasil, especialmente em São P... more "A questão que nos animava – a transmissão da psicanálise hoje, no Brasil, especialmente em São Paulo – para além ou aquém dos dogmas institucionais consagrados, impôs primeiramente colocar-nos à escuta das questões que nossos colegas – jovens e de nossa geração – gostariam de ver tratadas em um dossiê de psicanálise. Todos os convocados responderam ao convite de um encontro em que não tínhamos nenhuma pauta previamente definida, salvo conversar sobre psicanálise, e apostamos que, daquela conversa, sairiam os temas para este número da revista. Ali se deu uma manhã de intenso e entusiasmado trabalho em que todos tomaram a palavra para se pronunciar e fomos juntos delineando a lista de verbetes. Se em um primeiro momento esperávamos apenas recolher os temas vivos e as questões que mobilizam os psicanalistas em seu ofício na atualidade, vimo-nos, no decorrer da reunião, completamente integrados na tarefa de partilhar a escrita dos verbetes. Organizamo-nos na tarefa em função do interesse em cada tema e colocamo-nos ao trabalho. Reunimo-nos apenas essa vez com o objetivo único de discutir o que seria interessante abordar em um dossiê de psicanálise. Não existe, portanto, o menor “espírito de corpo” ou, por que não dizer, “de porco” causando nossa iniciativa. Os doze verbetes que o leitor tem à sua frente sintetizam os assuntos e problemas que percorreram as discussões; supomos que possam ser tomados como um instantâneo do que pensam alguns psicanalistas que atualmente exercem a psicanálise nos mais variados contextos em São Paulo, independentemente de serem iniciantes na prática ou já terem um consolidado percurso." - Nina Leite e Ricardo Goldenberg (Organizadores)
Conference Presentations by Lucas Bulamah
Esse trabalho é fruto de uma pesquisa em cooperação: eu e Lucas somos orientandos no grupo de pes... more Esse trabalho é fruto de uma pesquisa em cooperação: eu e Lucas somos orientandos no grupo de pesquisa coordenado por Daniel Kupermann. Trata-se, aqui, de um campo de inquietação em/in comum que encontramos: a tentativa de apropriação clínica e política do campo denominado pela filosofia como teologia negativa, na medida em que essa teologia negativa se oferece como fundamento para uma ontologia. Descobrimos, para nosso assombro, que esse obscuro tema nos interessava – e nos interessava por haver sido mobilizado, de maneiras que nos pareceram potentes, por nossos respectivos autores de referência: Winnicott (estudado por Lucas em seu doutorado) e Derrida (estudado por mim e, mais recentemente, por ele).
O verdadeiro self em Winnicott e a questão da identidade , 2020
O tema da identidade tem sido abordado criticamente por diversas disciplinas, representantes do c... more O tema da identidade tem sido abordado criticamente por diversas disciplinas, representantes do chamado pós-estruturalismo, inspiradas no descentramento freudiano do sujeito. Neste artigo, investigamos a noção winnicottiana de verdadeiro self com o intuito de apontar para uma alternativa à postulação do psicanalista inglês como antagonista da desconstrução operada pela abordagem pós-estruturalista das identidades.
Associado ao postulado do núcleo incomunicável do self como uma instância indisponível à relacionalidade com objetos objetivos, o verdadeiro self advém tanto como representante de uma experiência primordial de indeterminação, na qual a distinção entre eu e outro estão fundamentalmente excluídas, quanto como instância resistente à determinação identitária característica da relação com objetos objetivos.
This work aims to explore the historical proscription of gay candidates to the psychoanalytic tra... more This work aims to explore the historical proscription of gay candidates to the psychoanalytic training offered by the societies affiliated to the International Psychoanalytic Association (IPA). Through a research made in reports, archives and bulletins, it was found that the homosexual visibility movement that emerged in the 1970s brought into light both the institutional prejudice and the rationalizations that grounded it. The development of psychoanalytic theory and the model of psychoanalytical institutionalization are pointed out as key factors for the exclusionary practice.
Desde que Freud postulou a existência do inconsciente e da pulsão sexual, contra o primado da Raz... more Desde que Freud postulou a existência do inconsciente e da pulsão sexual, contra o primado da Razão e a concepção naturalizante do instinto sexual, a psicanálise apresentou-se como um saber e uma prática revolucionária, progressista e, até certa medida, libertadora. Lançou-se uma potencial torção nas bases do dispositivo médico-moral que classificava quaisquer outras formas de erotismo que não o membrum hominis in vaginae feminae como algo aberrante, descritas e catalogadas obsessivamente pelo discurso científico. Em virtude de tal investida contra a naturalização e as categorias às quais nos acostumamos a pensar o homem e suas classificações, é espantoso ver que alguns psicanalistas, por vezes publicamente, desqualifiquem a homossexualidade como um erotismo aberrante, parado em algum ponto entre o autoerotismo e a genitalidade reprodutiva. Por que tomamos uma outra direção, tão distinta daquele início potencialmente revolucionário e o que podemos fazer para retomarmos tal ímpeto, perguntam-se alguns psicanalistas contemporâneos. Em Psicanálise & homossexualidades: teoria, clínica, biopolítica, Thamy Ayouch (2015) posiciona-se entre tais psicanalistas. O trabalho estrutura-se em torno da seguinte hipótese: " uma visão meramente intrapsíquica do sexual-infantil, desvinculada da relação social e do contexto histórico, dá lugar a uma concepção normalizadora da sexualidade que esquece a sua determinação histórica, instituindo dessa maneira uma norma e patologias " (p. 16), e o leitor acompanhará o autor durante um percurso curto e bastante denso por um mapa para a reflexão sobre como a psicanálise, desde Freud até os contemporâneos, abordou a questão das homossexualidades. Todavia, tal questão é apenas uma fenda por onde enxergamos, em níveis mais profundos, a relação da psicanálise com os discursos e jogos de poder em tornos dos quais se estruturou ora em oposição crítica, ora em concordância. Por isso não deve estranhar que Ayouch revisite um vasto conteúdo acerca do que hoje se pensa em termos de estudos de gênero e sexualidade, não apenas a homossexualidade. Todavia, é devido a este intuito e sua execução que o livro perde em profundidade e deixa em aberto diversas questões e instrumentos conceituais que merecem ser abordados de forma mais detida. Considerando apenas dois exemplos, a ideia de sexuação é fundamental para as discussões atuais entre os estudos de gênero e a psicanálise, e no livro é empregado como se quase fosse auto intuitivo, e há também o uso de fontes secundárias para a ancoragem de argumentos acerca da história da psicanálise, que devido à importância dos fatos em questão, resulta
Analytica Revista De Psicanalise, 2014
Analytica Revista De Psicanalise, 2014
fundamentalpsychopathology.org
Na voga do paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de... more Na voga do paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de epistème, algumas correntes psicanalíticas se incluíram no grupo de modelos teóricos que classificavam a homoafetividade como fenômeno psicopatológico. Alguns autores, na tentativa de expandir o conhecimento a respeito da homossexualidade, propuseram que ela fosse vista como formação falso self, apoiando-se em interpretações pessoais das idéias de Donald Winnicott. O presente trabalho tem como propósito incluir-se no grupo de pesquisas que, dentro da psicanálise, visam constituir um novo paradigma, questionando a forma de conceber a diversidade sexual. Isso será feito por meio do estudo de um caso clínico em pesquisa psicanalítica com técnicas projetivas, paralelamente à revisão de trabalhos de psicanalistas winnicottianos que abordaram o tema da sexualidade. Com efeito, visa-se demonstrar que, com o apoio dos avanços da própria teoria psicanalítica contemporânea, é possível questionar o status de sexualidade desviante da homoafetividade e também esclarecer que, na realidade, potencialmente psicopatológica é a tentativa de repressão da atração afetivo-sexual por alguém do mesmo sexo. Palavras-chave: sexualidade, homossexualidade, falso self, Winnicott. Introdução Seguindo um paradigma científico das ciências naturais e/ou encobrindo ideologia sob a roupagem de epistème, algumas correntes psicanalíticas não deixaram de se incluir no grupo de modelos teóricos que classificavam a afetividade sexual direcionada a um indivíduo do mesmo gênero como algo estranho, desviante e psicopatológico. Nessas correntes, a homossexualidade foi rotulada como sintoma de estruturas perversas, casos isolados de neuroses obsessivas, atos encobertos e ocasionais ou, ainda, como fenômeno que se apresenta em pessoas "normais" em certos casos extremos, como os de confinamento na prisão (Abadi, 1997). Esse estudo se propõe a tecer reflexões sobre a compreensão da homossexualidade na perspectiva winnicottiana, percorrendo alguns constructos teóricos propostos pelo psicanalista inglês e contemplando as decorrências, para a teoria da sexualidade, da mudança paradigmática que se operou na psicanálise. Paralelamente, pretende-se apontar que alguns autores, aparentemente alinhados ao pensamento winnicottiano, na verdade fazem uma apreensão parcial de seus conceitos na tentativa de compreender a homossexualidade, extraindo conclusões duvidosas. Tais propósitos serão percorridos por meio do estudo de um caso clínico extraído de uma pesquisa psicanalítica que se valeu de técnicas projetivas, juntamente com a revisão de trabalhos de psicanalistas que abordaram o tema da mudança paradigmática e sexualidade em Winnicott. A pesquisa psicanalítica da qual foi extraído o estudo de caso clínico, bem como o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado pelos participantes, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HCRP e da FMRP-USP de acordo com o processo HCRP n o 10013/2009. 2 Sexualidade, elaboração imaginativa e falso self De acordo com a idéia consagrada de Winnicott (1983) a respeito do falso self, o indivíduo, mediante a vivência de uma intrusão ambiental nos momentos mais precoces de sua vida, interrompe a continuidade do ser e passa a reagir para fazer frente ao ambiente. Assim, grosso modo, para não perder a afeição do objeto primordial, o indivíduo é forçado a atender às necessidades do ambiente. Em conseqüência, tendências singulares da personalidade, nomeadas por Winnicott (1990) como gesto espontâneo, são cindidas e dirigidas a uma instância protegida das intrusões ambientais, ou aguardando condições propícias para serem manifestadas ou permanecendo-se ocultas, em um extremo patológico. Isso aponta para uma clivagem, uma dissociação intrapsíquica que tende a enraizar-se profundamente. Dentre essas tendências singulares da personalidade figura a sexualidade própria do indivíduo. Antes de prosseguirmos, vale um esclarecimento sobre o que o próprio Winnicott entende por sexualidade e como ele deixa de lado o conceito freudiano de pulsão sexual.
RESUMO: A psicanálise atualmente encontra-se em frutífero debate com as teorias contemporâneas ac... more RESUMO: A psicanálise atualmente encontra-se em frutífero debate com as teorias contemporâneas acerca dos gêneros e das sexualidades, servindo ao mesmo tempo como interlocutora e fonte de conceitos. Todavia, é notável a ausência de relatos clínicos de pacientes transexuais, apesar de tal fenômeno ocupar o um lugar de destaque nos interesses acadêmicos e políticos contemporâneas. O presente trabalho visa contribuir com tal debate e com o posicionamento da psicanálise no mesmo através de uma revisão bibliográfica acerca dos casos clínicos de pacientes transexuais analisados e relatados por psicanalistas desde a década de 70 até atualmente. Interrogamos os relatos clínicos com questões acerca do diagnóstico, transferência e manejo dos casos. Foi postulada a divisão entre dois grandes grupos separados a partir de eventos que marcaram a psicanálise e, de modo mais geral, a cultura, a partir do final do século passado, cujos efeitos foram decisivos para a clínica psicanalítica da transexualidade. Abstract: Psychoanalysis has lately been engaged in a fruitful debate with the contemporary theories on gender and sexuality, being at the same time an interlocutor and a source of concepts. However, the absence of clinical reports of transsexual patients is noticeable, even though the given phenomena occupies a large part of the contemporary academic and political interests. This work aims to contribute with such debate and with the positioning of psychoanalysis in it, through a bibliographical revision regarding clinical cases of transsexual patients analyzed and reported by psychoanalysts from the 1970s until today. A division was proposed between two large groups, divided from the events that marked psychoanalysis and, in a broader manner, the culture, from the end of the last century, and which effects were decisive to the psychoanalytic clinic of transsexuality.. Resumén: El psicoanálisis últimamente se encuentra en un debate fructífero com las teorías contemporáneas de género y sexualidad, siendo al mismo tiempo un interlocutor y una fuente de conceptos. Todavía, la ausencia de relatos clínicos de pacientes transexuales es notable, aunque este fenómeno ocupe uma larga parte de los intereses acadêmicos y políticos contemporaneos. Este trabajo busca contribuir con tal debate y con el posicionamento del psicoanálisis en él, a través de uma revisión bibliográfica relativa a los casos clínicos de pacientes transexuales analisados y reportados por psicoanalistas desde la década de 1970 hasta hoy. Se propuso una división entre dos grandes grupos, divididos desde los eventos que marcaran el psicoanálisis y, en un sentido más amplo, la cultura, desde finales del siglo passado, cuyos efectos fueron decisivos para la clínica psicoanalítica de la transexualidad.
Durante muitas décadas, na ipa, tanto como em outras associações psicanalíticas, sujeitos homosse... more Durante muitas décadas, na ipa, tanto como
em outras associações psicanalíticas, sujeitos homossexuais
foram considerados como doentes
e, portanto, banidos da formação didática e do
acesso à posição de psicanalistas. Hoje em dia,
esta visão, às vezes mantida, parece proceder de
uma concepção meramente intrapsíquica do sexual-
infantil, desvinculada do contexto histórico,
político e clínico das homossexualidades, e dá lugar
a uma versão normalizadora da sexualidade.
Este artigo pretende apresentar uma breve história
da formação e da dissolução de uma regra não escrita
referente à homossexualidade do/a analista,
para abordar, num segundo momento, algumas reflexões
decorrentes destes debates históricos.
A questão do psicanalista homossexual ainda se mantém imersa em constrangimento e negação, remont... more A questão do psicanalista homossexual ainda se mantém imersa em constrangimento e negação, remontando aos primeiros anos da psicanálise organizada como instituição e como movimento em expansão global. O presente trabalho, por meio de uma pesquisa em arquivos, relatos e artigos publicados, percorre os principais momentos da história do movimento psicanalítico relacionados à proscrição de candidatos homossexuais masculinos à formação em psicanálise oferecida pela Associação Psicanalítica Internacional (IPA). Com o intento de levantar o véu de uma prática que durante muito tempo se manteve desconhecida ou ignorada, pretende-se oferecer material para reflexões mais conscienciosas sobre procedimentos e instituições psicanalíticas.
Pretende-se, neste artigo, uma análise crítica do “caso Amílcar Lobo” – médico que atuou em equip... more Pretende-se, neste artigo, uma análise crítica do “caso Amílcar Lobo” – médico
que atuou em equipe de tortura do Exército durante a ditadura militar no
Brasil, estando, simultaneamente, em formação psicanalítica na Sociedade
Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ). Tomando o caso como “analisador” do
processo de institucionalização da psicanálise, demonstra-se de que maneira
as sociedades psicanalíticas filiadas à Associação Psicanalítica Internacional
(IPA) – naquele contexto da história do nosso País – foram coniventes com o
regime de exceção instaurado, bem como com as práticas de tortura então
vigentes. Em seguida, problematiza-se, por meio de uma pesquisa acerca dos
efeitos transferenciais produzidos pelo modelo padronizado de formação
psicanalítica, de que modo o movimento psicanalítico se encontra implicado
na produção do “caso Amílcar Lobo”.
by Rafael Alves Lima, Paulo Sérgio de Souza Jr., João Felipe Domiciano, Pedro Ambra, Giedre Moura, Caterina Koltai, Maria Tereza Guimarães de Lemos, Ana Gebrim, Marcela Rosenberg, Diego Penha, and Lucas Bulamah
"A questão que nos animava – a transmissão da psicanálise hoje, no Brasil, especialmente em São P... more "A questão que nos animava – a transmissão da psicanálise hoje, no Brasil, especialmente em São Paulo – para além ou aquém dos dogmas institucionais consagrados, impôs primeiramente colocar-nos à escuta das questões que nossos colegas – jovens e de nossa geração – gostariam de ver tratadas em um dossiê de psicanálise. Todos os convocados responderam ao convite de um encontro em que não tínhamos nenhuma pauta previamente definida, salvo conversar sobre psicanálise, e apostamos que, daquela conversa, sairiam os temas para este número da revista. Ali se deu uma manhã de intenso e entusiasmado trabalho em que todos tomaram a palavra para se pronunciar e fomos juntos delineando a lista de verbetes. Se em um primeiro momento esperávamos apenas recolher os temas vivos e as questões que mobilizam os psicanalistas em seu ofício na atualidade, vimo-nos, no decorrer da reunião, completamente integrados na tarefa de partilhar a escrita dos verbetes. Organizamo-nos na tarefa em função do interesse em cada tema e colocamo-nos ao trabalho. Reunimo-nos apenas essa vez com o objetivo único de discutir o que seria interessante abordar em um dossiê de psicanálise. Não existe, portanto, o menor “espírito de corpo” ou, por que não dizer, “de porco” causando nossa iniciativa. Os doze verbetes que o leitor tem à sua frente sintetizam os assuntos e problemas que percorreram as discussões; supomos que possam ser tomados como um instantâneo do que pensam alguns psicanalistas que atualmente exercem a psicanálise nos mais variados contextos em São Paulo, independentemente de serem iniciantes na prática ou já terem um consolidado percurso." - Nina Leite e Ricardo Goldenberg (Organizadores)
Esse trabalho é fruto de uma pesquisa em cooperação: eu e Lucas somos orientandos no grupo de pes... more Esse trabalho é fruto de uma pesquisa em cooperação: eu e Lucas somos orientandos no grupo de pesquisa coordenado por Daniel Kupermann. Trata-se, aqui, de um campo de inquietação em/in comum que encontramos: a tentativa de apropriação clínica e política do campo denominado pela filosofia como teologia negativa, na medida em que essa teologia negativa se oferece como fundamento para uma ontologia. Descobrimos, para nosso assombro, que esse obscuro tema nos interessava – e nos interessava por haver sido mobilizado, de maneiras que nos pareceram potentes, por nossos respectivos autores de referência: Winnicott (estudado por Lucas em seu doutorado) e Derrida (estudado por mim e, mais recentemente, por ele).