Do animal ao inanimal: figurações canídeas na obra de J. Saramago (original) (raw)

Da estátua à pedra: percursos figurativos de José Saramago

2014

por me propiciarem os afastamentos necessários ao desenvolvimento da pesquisa. Agradeço, ainda, à Reitoria da Unesp, pela bolsa de estudo e deslocamento a mim concedida. A todos os nomes iluminadores da travessia. Sumário Apresentação 13 1 Por mares antes navegados 21 2 Imagens e miragens 67 3 A palavra envolvente 123 4 Vontade de Verdade 173 Epílogo 221 Referências 227 As obras sucessivas As obras sucessivas de um romancista são como as cidades que se levantam sobre as ruínas das anteriores: embora novas, materializam certa imortalidade, assegurada por lendas antigas, por homens da mesma raça, por crepúsculos e paixões semelhantes, por olhos e rostos que retornam. Ernesto Sábato, O escritor e seus fantasmas ApreSentAção Publicou-se em Portugal, em 1986, um romance que deu vazão a um sonho ibérico, já que, em suas páginas, magistralmente escritas, a Península Ibérica, dado um surpreendente rompimento dos Pirineus, se desliga da Europa e navega Oceano Atlântico afora, em viagem imprevista, com subidas, descidas e giros. Por meio dessa viagem, traz-se à baila o problema da identidade dos povos ibéricos, simultaneamente à criação de personagens inesquecíveis, como Joana Carda, Pedro Orce, José Anaiço, Maria Guavaira e Joaquim Sassa. Esse romance: A jangada de pedra, de José Saramago. O ousado criador de O Evangelho segundo Jesus Cristo tem sido louvado pela crítica por ser o autor de parábolas, marcadas pelo entrelaçamento de imaginação, ironia e piedade, que nos permitem apreender de forma contínua uma realidade ilusória. Eis uma das razões da Academia Sueca para lhe conceder o Nobel de Literatura em 1998. É igualmente célebre pela mistura que faz entre realismo mágico e crônica política em sua obra. Sendo assim, pode-se dizer que Saramago é um profeta cético que leva o leitor a crer na palavra dos seres humanos, os quais, em geral, não são muito dignos de créditos, mas, em particular, podem surpreender, sobretudo quando convertidos em personagens delineadas no campo do que de mais comovente e inquietante constitui a humana condição, a exemplo por mAreS AnteS nAvegAdoS [...] E no desdobre da memória O viajante indefinido Ouve contar-se só a história Do cais morto e do barco ido. Fernando Pessoa, "O contra-símbolo" União Europeia: o Velho Mundo revisitado Fidelino de Figueiredo (1959, p.183), em Entre dois universos, fez um balanço da trajetória dos europeus a partir do século XV até os anos 1950 nos seguintes termos: Desde o século XV o homem europeu prometeico achou continentes, devassou oceanos, fundou impérios, criou uma arte de alta inspiração, constituiu a mais ambiciosa ciência, dela extraiu uma técnica de incansável afoiteza, europeizou o mundo, fundou nacionalidades novas e infiltrou-se nas civilizações em letargo. Mas hoje é patente seu esgotamento e desprestígio.

Figurações do (neo)barroco em José Saramago

Revista da Anpoll, 2023

Esse trabalho se propõe a aproximar a ótica do narrador de José Saramago da pers-pectiva barroca, a partir da tensão dialética característica da alegoria tal como elaborada por Walter Benjamin (1984). Associamos a modernidade da alegoria benjaminina na literatura, enquanto jogo dialético que expressa o conflito e o dilaceramento do sujeito diante da condi-ção precária de sua existência, para apresentar a posição do narrador como estratégia autoral fundamental para apresentação da visão de mundo do autor português. Tal como percebemos, a alegoria corresponderá a uma “responsabilidade da forma” (nos temos de Roland Barthes) de José Saramago, autor reconhecido pela fortuna crítica como engajado com uma escrita política, articulando a denúncia social com a força expressiva de uma escrita dialógica e dialética, atra-vessada pela ironia e jogo com o leitor.

O monstro embargado: metamorfose kafkiana em um conto de José Saramago

outra travessia

Na literatura e nas demais artes, a figura do monstro refere-se, muito comumente, a uma representação do Outro, da manifestação de uma alteridade em certa comunidade. Nesse sentido, a novela de Franz Kafka A metamorfose, trazida a público em 1915, fornece, no processo da transformação monstruosa sofrida por seu protagonista, Gregor Samsa, potencial denúncia de uma alienação da identidade a que está submetido o ser humano nas sociedades hodiernas. E, dada a pertinência desse tema na conjuntura do século XX, a poética kafkiana exercerá forte influência sobre a literatura novecentista do Ocidente. O presente artigo investiga algumas dessas manifestações da metamorfose kafkiana na literatura portuguesa, notadamente no conto “Embargo”, que José Saramago publica nos anos de 1970, narrativa que, por sua vez, ao estabelecer com a novela de Kafka evidente diálogo intertextual, expõe não somente a alienação mas também a reificação do homem urbano contemporâneo pela sociedade de consumo.

Embargo às coisas: alegoria, alienação e marxismo em José Saramago

2022

O presente artigo pretende, por meio de uma percepção materialista histórico-dialética, analisar os contos Embargo e Coisas, presentes na coletânea Objecto Quase (1994), de José Saramago. Para tanto, utilizar-se-á os conceitos de Alegoria e Insólito, à luz das formulações de Hansen (2006) e Pierini (2017), respectivamente, atrelados à teorização da Alienação, compreendida aqui a partir do pensamento de Karl Marx (2015), bem como de seus críticos, tais quais Williams (2007), Petrović (2012) e Konder (2015). Com base nos referidos teóricos do literário e das ciências sociais, objetiva-se discutir em que medida os contos saramaguianos, utilizando-se de recursos alegóricos e insólitos, apreendem, em sua composição ficcional, o conceito de Alienação marxista, a fim de se discutir os contornos da sociedade capitalista contemporânea.

Figuração da personagem: a ficção meta-historiográfica de José Saramago

J. Santa-Bárbara, Vontades. Uma leitura de Memorial do Convento. 2ª ed. , 2013

1. A 19 de agosto de 2001, foi inaugurada na Biblioteca Nacional, em Lisboa, uma exposição do artista plástico José Santa-Bárbara, intitulada Vontades. Uma Leitura de Memorial do Convento. Estava-se ainda relativamente perto da atribuição do Prémio Nobel da literatura a José Saramago e o autor de Memorial do Convento (1982), em grande parte graças a este romance, era já uma figura com projeção e com notoriedade internacionais. O motivo e os temas da exposição eram evidentes: o pintor fizera uma leitura de Memorial do Convento e as obras exibidas traduziam, num outro medium, o resultado dessa leitura. Recordo brevemente o que foi a mencionada exposição (que à época conheceu assinalável êxito de público), tal como testemunha o catálogo (Santa-Bárbara, 2001 1 ): trata-se de 35 telas, compreendendo 11 estudos, com recurso a diferentes técnicas e predominância do óleo e da têmpera vinílica sobre papel colado; todos os estudos usam o pastel, com uma exceção (uma aguarela). A feição geral das obras revela-nos um conjunto de figuras com rostos alongados, individualmente e em grupos, pintados em cores sombrias e envoltos por uma atmosfera pesada e dramática.

Poética e imagem: atos de criação e sensações no conto A oficina do escultor, de José Saramago

FronteiraZ. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária

O presente artigo divide-se em duas partes: a primeira discute a relação mantida pelos códigos poéticos próprios ao contexto cultural da Antiguidade Clássica, bem como a relação que esses tratados estabeleciam com outras manifestações artísticas, especialmente com aquelas das artes visuais, e seus processos criativos; e a segunda, que por meio da análise do ato de criação no (e do) conto A oficina do escultor, do livro A Bagagem do Viajante (1973), de José Saramago, realizada sob a perspectiva propiciada pelas contribuições estéticas oferecidas pelos estudos de Victor Chklovski, Júlio Cortázar, Georges Bataille, Gilles Deleuze e Félix Guattari, revela no texto em tela uma poética descolada dos ditames clássicos em que se descortina uma cartografia fronteiriça dos territórios artísticos (e seus gêneros), caracterizada pelo esfumaçamento de suas divisas e pela subversão da relação preservada, tradicionalmente, entre poesia e imagem.

O lagarto: “uma história de fadas” contada nas palavras de Saramago e na xilogravura de J. Borges

Revista da Anpoll, 2023

A escrita de Saramago direcionada para o público infantil explicita-se apenas em A maior flor do mundo. Entretanto, a republicação da obra O lagarto, através do suporte livro com ilustrações, reapresenta essa narrativa ao público leitor de forma que as palavras de Saramago e as xilogravuras de J. Borges recontem essa história de fadas, aproximando-a definitivamente também do universo infantil e juvenil. Dessa forma, este artigo tem como objetivo observar como as narrativas, a verbal e a verbovisual, desenvolvem-se no livro O lagarto estabelecendo, através da relação palavra-imagem, não somente o diálogo, mas também a complementação e até mesmo a ampliação de sentidos dos textos em cada leitura.

Reflexões sobre o imaginário na arte literária de José Saramago: uma leitura interdisciplinar de A jangada de pedra

Revista Memorare

Se, de acordo com Gilbert Durand (1997, p. 14), o imaginário pode ser compreendido como um “conjunto das imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado do homo sapiens”, o estudo dessa complexa rede semântica permite capturar o que se delineia nos pensamentos e sentimentos humanos em qualquer tempo e lugar. É objetivo deste trabalho perscrutar a constelação de imagens que se manifesta na arte literária de José Saramago. O corpus que serve de análise será e A jangada de pedra. Pretendemos investigar a matéria imaginária que organiza esta reconhecida obra a partir dos Estudos do Imaginário na perspectiva interdisciplinar da hermenêutica simbólica, sinalizando configurações de imagens e suas relações com o contexto sóciohistórico e cultural em que se engendram. Distintas marcas históricas singularizam as formas artísticas, as várias releituras e reinvenções de imagens na formulação de apreensões estéticas. Os espaços textuais, ao se retecerem em fluxos operativos, convoc...