Experiência no Altiplano: Flávio de Carvalho e a civilização nua da América do Sul (original) (raw)
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Flávio de Carvalho: arqueologia e contemporaneidade
a Experiência n° 3 do artista não se limita a seu caráter emancipatório Era quinta-feira, 18 de outubro de 1956, por volta das três horas da tarde, quando Flávio de Carvalho desfilou pelas ruas do centro de São Paulo com o traje que havia concebido para o homem dos trópicos. Como o evento havia sido anunciado à imprensa, uma pequena multidão, entre jornalistas e curiosos, esperava-o descer de seu escritório na rua Barão de Itapetininga. Dali, o desfile, acompanhado de perto por um número a cada instante maior de pessoas, seguiu pelas ruas Marconi e Sete de Abril, pela praça Ramos de Azevedo e, depois, de volta para o local de onde partiu. Numa época em que os homens vestiam obrigatoriamente calças compridas, camisa e terno (até mesmo os meninos, como podemos ver nas várias fotografias da caminhada), o que mais chamava a atenção na indumentária proposta por Flávio de Carvalho era a incorporação da saia ao guarda-roupa masculino. "Na verdade", escreveu Manuel Bandeira na ocasião, "se tivéssemos juízo e coragem, adotaríamos o traje inventado por Flávio de Carvalho." Mas acrescentou: "Como não temos, chamamo-lo de louco e vaiamo-lo".[1] A confecção do traje era resultado de uma longa reflexão sobre a moda que Flávio vinha desenvolvendo em artigos publicados no Diário de São Paulo, na sua coluna Casa, Homem, Paisagem, sob o título A moda e o novo homem, entre 4 de março e 21 de outubro daquele ano. Após o desfile, Flávio de Carvalho foi até a sede dos Diários Associados, na rua Sete de Abril, e subiu numa das mesas da redação para responder às perguntas dos jornalistas e para melhor expor seu traje aos fotógrafos. Em seguida, retirou-se para vestir o segundo conjunto que criara, também com saia, e voltou para exibi-lo. No dia seguinte, ministrou palestra no Clube dos Artistas e Amigos da Arte, o Clubinho, na qual explanou as vantagens da nova indumentária masculina de verão. Seis dias depois, realizou, também no Clubinho, o Baile do Traje do Futuro.
Genealogia e primitivismo no modernismo brasileiro: o mundo perdido de Flávio de Carvalho
2013
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Literatura, Florianópolis, 2013.V. 1: Este trabalho sugere uma alternativa aos procedimentos vanguardistas que concebem o ?primitivo? como um passado remoto, como a gênese de um desenvolvimento progressivo da História. No modernismo brasileiro, a questão se apresenta, via de regra, como uma tentativa de buscar no "primitivo?"um grau zero e fundar as bases do nacionalismo cultural. Por sua vez, o artista brasileiro Flávio de Carvalho (1899-1973)sugere uma interpretação diversa da origem (e, por conseguinte, do"primitivo"). Para ele, a origem não necessita ser buscada a priori, masse inscreve no instante presente, em uma metamorfose incessante. A sua perspectiva, afim do pensamento nietzscheano sobre a genealogia, o aproxima das reflexões de intelectuais intempestivos no momento em que viveram, como Roger Caillois (1913-1978), Carl Einstein (18...
Diagramas do obstáculo: Flávio de Carvalho e o construto "modernismo brasileiro"
Luso-Brazilian Review, 2018
Drawing from Flávio de Carvalho’s oeuvre, thought and procedures—and actualizing them—this essay construes a test of relevance and of archive in which the artist’s initiatives and “Brazilian/Paulista Modernism” (as both a historiographical construct and later a theory of Brazilian literature and art) are confronted. The results presented are solely an inscription and a provocation: the history of the Brazilian artistic avant-garde is yet to be made. Convocando e atualizando a obra, o pensamento e os processos artísticos de Flávio de Carvalho, este ensaio propõe um teste de relevância e de arquivo em que os feitos do artista e o “modernismo brasileiro/paulista” (como construto historiográfico e, posteriormente, como teoria da literatura e da arte brasi- leira) são postos em confronto. Os resultados apresentados apenas formam uma inscrição, e também uma provocação: a história da vanguarda artística brasileira ainda está para ser feita.
A épica de Brasília segundo Carvalho
"Quem construiu a Tebas de Sete Portas? Nos livros estão os nomes dos reis. Arrastaram eles os blocos de pedra?" Bertold Bretch (citado na abertura de 'Conterrâneos Velhos de Guerra') A épica é um gênero bem estabelecido desde a antiguidade. Dedica-se a narrativa, na forma dramática ou poética, de grandes ações históricas, levadas adiante por personagens encorpados. Em sua forma cinematográfica (que herda a dimensão épica do romance dos séculos XVIII e XIX), teve amplo curso no cinema clássico hollywoodiano, seja nos filmes bíblicos, nas grandes narrativas da guerra civil, ou nos mitos de origem da nação norte-americana, entre os quais o do oeste distante. A civilização brasileira parece não ser dada ao cultivo destes nobres mitos de origem. Habita-nos um incômodo mal-estar primário, já definido como "propensão melancólica" 1. Em outro recorte, a auto-crítica acirrada que impede a elegia de heróis, já foi definida por Nelson Rodrigues, num veio humorístico, como "complexo de vira-lata". É de se notar que a verve crítica já 1 Prado, Paulo. Retrato do Brasil-Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira. SP, Companhia das Letras, 2007.
Reflexões sul americanas: em defesa do filosofar abaixo do Equador
Vol. 45, N.ESP, 2022
Com o auxílio do acadêmico e filósofo Julio Ramon Cabrera, o presente artigo desenvolve o estudo sobre uma filosofia desde o Brasil, dividindo-se em três momentos: primeiro, a denúncia contra os efeitos paralisantes causados a partir da colonização europeia, tendo assim obstaculizado há bastante tempo a atividade filosófica, nos países latino-americanos; segundo, a exposição dos elementos teóricos capazes de desconstruir a visão eurocêntrica da Filosofia e, por último, a apresentação da "ética negativa" cabreriana enquanto modelo de um pensar para além do regionalismo. O objetivo dessa investigação é corroborar a viabilidade de produções autóctones, cuja qualidade das pesquisas acadêmicas brasileiras garanta, sem qualquer margem de dúvidas, uma profícua interlocução junto aos filósofos já consagrados na tradição ocidental.
Entre Devaneios e Risos: Campos De Carvalho e a Crítica Ao Modelo Civilizatório Em a Lua Vem Da Ásia
Revista (Entre Parênteses), 2014
Introdução O eremita da literatura é um dos modos como podemos tratar o escritor uberabense Walter Campos de Carvalho, um dentre os vários escritores brasileiros pouco citados nos manuais de história da literatura. A omissão soa estranha quando percebemos a singularidade dos seus textos. Todavia, não diminui a grandeza dos seus escritos. Ao entrarmos em contato com os seus trabalhos, encontramos inúmeros elementos experimentais, usando, sobretudo, uma linguagem basilar simples, diferenciando-o da maioria dos escritos do período da sua produção literária. Os aspectos que o diferenciam são: a forma da narrativa, a disposição dos capítulos, as imagens surrealistas, a exploração de imagens oníricas e o forte tom de humor. Em Literatura para quê?, dialogando com Campos de Carvalho, Antoine Compagnon (2009) defende uma literatura acessível a todos, recorrendo a uma linguagem aberta, mas que faz dela linguagem particular, na medida em que expressa a subjetividade criadora. Sobre o experimentalismo, em Um Resgate da Obra de Campos de Carvalho: o Surrealismo e a Produção do Cômico, João Felipe Gonzaga (2007) comenta que nas décadas de 1950 e 1960, as manifestações artísticas de modo geral, bem como a literatura, concebiam a experimentação como instrumento para