Reflexões sul americanas: em defesa do filosofar abaixo do Equador (original) (raw)
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A DESCOLONIZAÇÃO DO PENSAMENTO ARQUEOLÓGICO NA AMÉRICA DO SUL: SUBJETIVIDADES SUL-AMERICANAS
Memória, cultura material e sensibilidade: estudos em homenagem a Pedro Paulo Funari, 2021
Este livro foi organizado em um dos mais difíceis momentos da recente história da humanidade: o da pandemia de Covid-19. Das dificuldades enfrentadas pode buscar-se a esperança depositada na união de pessoas que se encontraram para comemorar a vida de um dos mais renomados arqueólogos brasileiros: o professor Pedro Paulo Funari, titular de História da Unicamp, com estudos recorrentes que versam sobre a cultura material. Sua vasta produção acadêmica é marcada por uma perspectiva multidisciplinar desde os períodos mais remotos da História, como a Grécia ou Roma na Antiguidade, chegando à atualidade com temas tão polêmicos e necessários como o regime ditatorial recente no Brasil. O livro é composto por 33 capítulos de autores que foram ou são seus alunos e colegas de trabalho cujas diferentes narrativas produzidas a partir da cultura material colocam a materialidade na vanguarda das transformações sociais. Desse modo, o Professor Pedro Paulo Funari, um dos responsáveis por redimensionar os estudos de Arqueologia na universidade brasileira contribuiu para que, hoje, tenhamos vários cursos de graduação e pós-graduação espalhados pelo Brasil, graças, também, a este incentivo pioneiro. Raquel dos Santos Funari é licenciada em História (Fafih-BH 1986), mestre (2004) e doutora (2008) em História pela Unicamp. É líder do Grupo de Pesquisa do CNPq sobre Ensino de História. É pós-doutora na UFPR (2017/19), sob supervisão de Renata Senna Garraffoni. Desenvolve Pós-Doutoramento no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, desde 2021, supervisionada por Vagner Carvalheiro Porto. Alexandre Guida Navarro é arqueólogo interessado nas culturas de floresta tropical, como os maias e as estearias do Maranhão. Foi Professor Visitante na University of Illinois at Chicago. É professor do Departamento de História (Dehis), do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) e Coordenador do Laboratório de Arqueologia (Larq) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). É bolsista de Produtividade do CNPq.
‘Existem [mesmo] pecados para lá do Equador’. Por uma nova teoria crítica
Revista Angolana de Sociologia, 2011
Durante muito tempo, precipitadamente se defendeu (e, porventura eu próprio, em determinados momentos, incorri nessa precipitação também) que a globalização neoliberal tinha como um dos seus escopos a redução do papel do Estado, e, em alguns casos o extermínio do próprio Estado. Não obstante não ser uma leitura errada, a questão é todavia mais complexa. Se por um lado, isto não deixa de ser verdade, ou seja, vive-se um latente ataque ao 'que é Estado', por outro, eventos como as soluções encontradas para a recente desintegração e quase falência do sistema financeiro mundial viriam a comprovar que se laborava analiticamente numa meia verdade e que por isso mesmo era imperativo uma profunda complexificação da análise em torno do papel do Estado, no âmbito da globalização neo-liberal, algo que aliás alguns de nós já vinham a alertar [cf. Sommers 2000, Paraskeva 2009]. Na verdade, já nos finais da década de 90 se ia tropeçando em algumas abordagens (radicais e críticas) que davam conta ser o Estado aquele que pavimentava o terreno para o triunfalismo do fundamentalismo mercantilizador [cf.
Sociologia & Antropologia
Resumo O texto retoma diálogo latino-americano acerca do "Pensar desde o Sul" e insere a comunidade científica brasileira nessa perspectiva crítica ao eurocentrismo. Ao refletir sobre o tema da diversidade, defende a etnografia como via crucial para a compreensão dos conflitos e transformações que permeiam os processos sociais contemporâneos.
Revista de Ciências Sociais, 2019
Repensar a modernidade em sua faceta colonial tem sido um esforço intelectual empreendido por vários pesquisadores e pesquisadoras – dedicados ou não à pesquisa das religiões – pertencentes às humanidades nas últimas décadas. Um marco importante deste pensamento crítico emancipador são os trabalhos do cientista social peruano Aníbal Quijano (1928-2018). Ele foi o responsável pela formulação de uma teoria fundacional (filosófica, epistemológica, ética e política) a respeito das particularidades do pensamento social latino-americano. A “colonialidade de poder”, expressão convertida a partir dos seus trabalhos em um conceito-chave, refere-se a uma estrutura de poder própria do domínio colonial na qual foram submetidos os povos originários a partir de 1492, e que ainda perdura, mesmo após as independências (cf. Quijano, 1992, p. 12). Em termos gerais, a colonialidade seria a outra face da modernidade, seu lado obscuro. No final do século XIX, o neocolonialismo impulsionou a repartição do continente africano e asiático, e, ao fazê-lo, viabilizou o capitalismo industrial ao mesmo tempo que criava condições necessárias para sua manutenção. No continente americano, o processo se dava noutra direção, ali tínhamos a derrogação do colonialismo histórico-político e a conseguinte constituição de nações independentes. Encadeamento semelhante se daria, tardiamente, na África e Ásia. Nestes continentes, a descolonização só ganharia vigor em meados do século XX e, ainda assim, sem força suficiente para efetivar a completa emancipação político-econômica das nações periféricas. A este respeito, o antropólogo venezuelano Fernando Coronil (2000) argumenta que a acumulação colonial resultante destes processos históricos fora um elemento indispensável à dinâmica interna do desenvolvimento capitalismo da sociedade europeia, a qual posteriormente se expandiria para outras regiões. Posteriormente, a continuidade se expressaria por meio dos projetos nacionais de modernização e desenvolvimento que teriam lugar no pós-guerra. (...)
O "Espírito Dominicano" no Pensamento Político-Constitucional Ocidental: Algumas Notas
Privacy and Data Protection Magazine, 2021
O artigo versará sobre o significado no e para o pensamento político-constitucional ocidental da teoria político-jurídica produzida no seio da ordem dominicana. Sugeriremos e tentaremos ilustrar os seguintes tópicos fundamentais: i) O pensamento dominicano repropôs/repropõe o político-jurídico como "estrutura" com densidade própria positiva, tida como decorrente da ordem da criação; concretamente, como o lugar da vida boa, da vida virtuosa, e da ordem justa. ii) A teoria político-jurídica dos pregadores achou-se outrossim associada a uma tentada combinação da referida perspectiva (aristotélica-)tomista objectivista com uma compreensão mais enfaticamente "subjectiva" do político-jurídico em termos de direitos naturais. iii) Uma matriz político-jurídica de filiação dominicana foi e tem sido chamada à colação como base de construção e desenvolvimento da chamada doutrina social da Igreja, bem como de um projecto que aí se foi afirmando de transfiguração (de acolhimento mas também de superação) da gramática jurídico-política moderna, designadamente da subjectivista concepção de direitos humanos que a caracteriza esta última. PALAVRAS-CHAVE tomismo; segunda escolástica; doutrina social da Igreja; direito natural; direitos humanos; direito constitucional.
Experiência no Altiplano: Flávio de Carvalho e a civilização nua da América do Sul
Revista V!rus, 2023
Este artigo revisita algumas experiências investigativas de Flávio de Carvalho sobre o homem e a cidade na América para recuperar sua perspectiva crítica acerca dos cânones do urbanismo moderno. Ao articular pressupostos antropófagos ao campo do urbanismo, Flávio de Carvalho questionava o caráter universalista da técnica em prol de subverter as noções de progresso e civilização colocadas a serviço de projetos coloniais e colonialistas. A análise de um percurso de reflexões, no qual destacam-se os textos “A cidade do homem nu” (1930), “A casa do homem americano” (1947) e “Meditações na Cordilheira” (1947), permite sublinhar a operação de deslocar narrativas e histórias consideradas marginais para o centro do debate moderno sobre as cidades. A leitura sobre essas propostas urbanísticas e projetos políticos é amparada por estudos recentes que articulam o debate decolonial ao campo disciplinar do urbanismo em uma perspectiva latino-americana. Argumenta-se sobre como o projeto antropofágico para uma cidade-laboratório baseada na liberdade urbana incondicional elaborado por Flávio de Carvalho tem como base estudos sobre a história, organização social e urbana de sociedades précolombianas do Altiplano andino. Com isso, pretende-se evidenciar outras elaborações e heranças dos urbanismos modernos e seus potenciais de descentralizar narrativas da história urbana.
Resenhando Flammarion abaixo da linha do Equador
História, Ciências, Saúde-Manguinhos
nas estantes os meus livros do autor. Tinha me passado completamente despercebido que o romance Urânia (Flammarion, 1966) foi editado pela Federação Espírita Brasileira. Há muito tempo trabalho com a história da divulgação da ciência no Brasil, em especial a astronomia, e não sabia da relação entre Flammarion e o espiritismo. Para quem estuda a história da divulgação da ciência, o nome de Flammarion é bastante conhecido, inclusive suas incursões pela literatura. Nesse sentido, cabe lembrar que a doutrina espírita pode ser considerada uma derivação da matriz cientificista bem à moda dos Oitocentos. Muitos médicos e cientistas se converteram ao espiritismo, como foi o caso de Camille Flammarion. O livro também tem o mérito de incluir o Brasil na América Latina, o que pode parecer óbvio do ponto de vista geográfico e cultural, mas grande parte dos brasileiros ainda considera latino-americanos os outros, e não a si próprios. Nos vários capítulos, observo a influência da ideia de circulação tanto de Robert Darnton, na história da leitura, quanto de James Secord, na história da ciência. Outra presença constante é Roger Chartier, para quem o processo de tradução é em si um ato criativo e produtor de conhecimento. E como os textos de Flammarion foram traduzidos na América Latina, o papel dos tradutores é explorado em vários capítulos do livro. Gostaria de chamar a atenção ainda para o caso da jornalista colombiana Soledad Acosta de Sampler (1833-1913), que produziu nas últimas décadas do século XIX, uma rara presença feminina no livro trazida por Paola Andrea Benavides. Sampler foi instrumental no Resenhando Flammarion abaixo da linha do Equador
É possível falar em um Constitucionalismo Sul -Americano
2016
América do Sul passa por um período especialmente importante de sua história constitucional. Concretamente, nos últimos 30 anos todos os países da América do Sul se afirmaram como Estados Constitucionais. O processo público constitucional iniciado no século XIX, com avanços e retrocessos, encontra-se em firme consolidação. A democracia, como forma de orientação política do Estado e como forma de produção jurídica, constitui, com o constitucionalismo uma realidade: a democracia constitucional[1]. No processo de consolidação dos estados Constitucionais, os países da região adotaram seus próprios desenhos constitucionais e produziram uma pluralidade de institutos relativos a organização do direito constitucional. Mudaram paradigmas dos institutos tradicionais de direito, reconhecerem o pluralismo, o direito do "bem viver"(sumak kawsai) e aqueles inerentes à natureza (pachamama). Também é tema recorrente no direito constitcuinal da América do Sul a interação entre direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos e o direito internacional dos direitos humanos[2]. No ano de 2008 a região firmou um tratado internacional com o objetivo de constituir um bloco que visa a fortalecer as relações comerciais, culturais, políticas e sociais entre as doze nações da América do Sul. Desse tratado surgiu um organismo internacional chamado UNASUL, composto dos seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, todos sul-americanos[3]. Esse importante marco reforça que a região tem caráter includente e integracionista, objetivando ser considerada como um todo e não como partes isoladas. Nessa perspectiva de consolidação de democracias constitucionais Sul-Americanas é que pode perguntar: existem um constitucionalismo da América do Sul? Entendo que sim. Em importante marco teórico do movimento chamado "nuevo" Constitucionalismo Latino-Americano Viciano e Dalmau[4] estabelecem que a principal caraterística dessa teoria é a inegável vinculação entre democracia e constituição, estabelecendo que este vínculo se dá pelos processos democráticos constituintes. Explicam os autores que as constituições do "viejo" constitucionalismo fundacional da américa latina, herdados das experiências constitucionais coloniais, de fato, careciam de legitimidade constituinte, uma vez que se limitavam a estabelecer constituições com separações de poderes e declarações de direitos, que tinham por objetivo proteger os direitos das elites liberais e conservadoras que dominavam a região, num claro apego a democracia meramente formal. Ademais, a comunidade de participantes do processo constituinte era amplamente dominado pelas elites. Para os autores é a qualidade do poder constituinte, genuinamente democrático e legitimador[5], que define quais constituições latino-americanas poderiam estar incluídas no marco teórico do "nuevo" e portanto, pertencentes a um movimento do constitucionalismo novo e quais estariam ainda dependentes de sua origem liberal conservadora, num movimento de constitucionalismo tradicional. Ressaltando que é característica essencial e necessária do "nuevo constitucionalismo latino-americano a existência nas Constituições de constante e efetivo mecanismo de participação popular, capaz de manter o vínculo constante entre soberania e governo. Assim, concluem que é a Constituição da Colômbia de 1991 importante ponto de partida para desenvolvimento da teoria. Além dela, também os processos de formação constituintes da Constituição da Venezuela, da Bolívia e do Equador e as regras nelas previstas sobre constante participação popular (democracia participativa, plebiscito e referendo ativador), que garantiriam a essas constituições o status de verdadeiramente democráticas e únicas possíveis de serem enquadradas na "revolução" do nuevo constitucionalismo latino-americano[6]. No entanto, algumas críticas a essa categorização ou fracionamento da América do Sul entre velha e nova, podem ser laçadas aqui analisando as Constituições da região. A primeira crítica é em relação ao o conceito de América Latina empregada na doutrina. América Latina não é um conceito geográfico, o que gera uma imprecisão em relação ao objeto de estudo, ou seja, seria necessário precisar quais são os pontos de contato entre os Estados abrangidos pelo conceito para determinar se são latino-americanos ou não. Existem diversas explicações e pontos de partida para classificar um Estado como Latino-Americano (Cultural, étnico, econômico, linguístico). Por questões metodológicas de precisão em relação ao objeto de análise é preferível optar por estudar as Constituições da América do Sul, uma vez que o critério