Antropologia à deriva ou os mil descaminhos para uma investigação que visa saber-menos sobre o outro (original) (raw)

Para cima Antropologos perspectivas ganhas em estudar os de cima

49, 2020

Neste ensaio, descreverei algumas das oportunidades que os antropólogos têm de “estudar os de cima” (studying up) em sua própria sociedade, na expectativa de fomentar mais discussões sobre o porquê estudamos o que estudamos (NADER, 1964). Os antropólogos têm uma grande contribuição para a nossa compreensão dos processos pelos quais o poder e a responsabilidade são exercidos nos Estados Unidos. Além disso, há uma certa urgência para esse tipo de antropologia preocupada com o poder (Cf. WOLF, 1969), pois a qualidade de vida e as nossas próprias vidas em si mesmas dependem do modo como os cidadãos compreendem aqueles que moldam e realmente controlam as estruturas institucionais. O estudo do homem é confrontado com uma situação sem precedentes: nunca antes tão poucos, por suas ações e inações, tiveram o poder de vida e morte sobre tantos membros da espécie humana. Apresento três razões para “estudar os de cima”: seu efeito estimulante e articulador para muitos estudantes, adequação científica e relevância democrática do trabalho científico. Finalmente, considerarei alguns obstáculos e objeções frequentes e tentarei respondê-los.

Lançando-se a skates e abismos: como abrir a antropologia para outras grafias

Revista de Antropologia Usp, v. 60 n. 1, 2017

O que se perde na passagem de viver/ver para escrever? O livro Vida e grafias experimenta os desafios de uma proposta que abre a antropologia aos emaranhados, como experiência e narrativa, biografia e etnografia, de maneira a percorrer os fios que os compõem e sobrepõem. Se, para Taussig (2011), o diário-como o caderno de campo, o relato de viagem ou o diário íntimo-é um tipo especial de narrativa, na qual há a trans-missão direta da experiência para a página, usualmente de maneira apressada, abreviada, urgente, como fazer com que essa relação seja a mais fiel possível? Se cada palavra parece multiplicar a distância entre linguagem e mundo e a escrita, como "epítome da consciência", acaba por obliterar a realidade sobre a qual quer falar, empurrando-a mais e mais para fora do alcance, como montar de tal forma que ambos-campo e escrita, vida e grafia-possam tensionar e revelar um ao outro? Se, para Deleuze (1992), o estilo de escrever também é um estilo de vida, numa composição entre estética e ética, o que somos capazes de ver e dizer? Pois é na montagem entre ver e contar que tanto a etnografia quanto a biografia se fazem. É essa a relação que atravessa o livro. Ao sobreporem vidas e grafias, os autores mostram que o sujeito-tanto de uma vida quanto de uma grafia-é composto por um emaranhado de afetos, substâncias, instituições. Ao escolherem ver-e contar-as dobras, fendas, rasgaduras dessa textura, eles nos revelam a importância de revelar o acaso, o assombro, o inventivo no testemunhar de uma vida. É desse modo, ao ver mais, ver além, ver o invisível, que podemos diminuir a lacuna entre viver e escrever, experimentar e narrar. Nessa abertura do visível, outras grafias emergem para desenhar o movi-Lançando-se a skates e abismos: como abrir a antropologia para outras grafias Plunging and skating into the abyss: how to open anthropology for novel ways of graphing

Antropologia e Não Modernidade: até que a ciência as separe

This paper proposes a critique of how the idea of symmetry has been driven by the Brazilian production on anthropology of science. Its links promote associations with the ANT terminology, which represent few effective efforts to implement the project proposed by Bruno . From this analysis, bases are suggested to a protocol of anthropological studies of sciences that take into account the specific status of the (non-) modernity in Brazil.

Um convite à antropologia desenhada

Enquanto método de pesquisa e modo de exposição do conhecimento, o desenho ocupa um lugar subalterno, para não dizer invisível, na antropologia contemporânea. Nos primórdios da disciplina, o desenho figurava, ainda que timidamente, como um dos componentes metodológicos do trabalho campo e de apresentação dos resultados finais. Porém, com o advento da fotografia e do cinema, a história da moderna antropologia passa a ser contada através dessa feliz (?) coincidência tecnológica 1 Então, a pergunta que sublinha o desaparecimento quase completo do desenho é a seguinte: por que antropólogos se dariam ao trabalho de desenhar, se podem fotografar e filmar? A fim de responder a esta pergunta, o presente manifesto foi escrito como um convite à antropologia desenhada, o que significa, em primeiro lugar, uma abertura ao desenhar. A relação de poder é bastante simples: primeiro é preciso saber que podemos desenhar. 1 A relação entre antropologia e imagem salienta o surgimento coetâneo da antropologia moderna, da fotografia e do cinema. Historicamente, nas primeiras expedições de cunho antropológico, já era difundido o uso da imagem fotográfica e cinematográfica como forma de registro e exibição do conhecimento, sendo este o caso da expedição ao Estreito de Torres em 1898, apenas anos depois da primeira exibição pública de cinema (Caiuby Novaes 2004; Barbosa e Teodoro da Cunha 2006).

Etnografia e deriva: possibilidades na pesquisa

2017

O presente artigo se propoe a examinar e discutir a articulacao da tecnica da deriva com o metodo etnografico e suas possibilidades e alcance na investigacao cientifica direcionada para as questoes da mobilidade urbana, tais como aquelas que envolvem as chamadas “pessoas em situacao de rua” e “trecheiros”. Para tanto, sera feita uma explanacao geral da etnografia, enquanto metodo, e da deriva, enquanto tecnica, expondo seus respectivos conceitos basicos, principios norteadores, recursos possiveis e procedimentos para a pesquisa. Posteriormente sera feita uma discussao, levando em consideracao experiencias de pesquisa no cenario urbano, sobre as possibilidades e alcance da etnografia aliada a deriva na investigacao cientifica.

O discreto encanto da antropologia | A propósito de "Nós os Tikopia", de Raymond Firth

Jornal de Resenhas, Folha de São Paulo, 1998

Sir Raymond William Firth tem hoje 97 anos e mora em Londres. Nasceu em 1901 na Nova Zelândia. Por via materna, Firth é neto de imigrantes irlandeses. Seu pai chegou a Auckland proveniente de Inglaterra quando ainda era criança, foi marceneiro, artesão e pastor metodista. Firth é, sem dúvida, o antropólogo mais velho de renome mundial atualmente com vida, um dos principais protagonistas da chamada "Escola Britânica" de antropologia e, também, um dos seus primeiros produtos: foi o primeiro a receber o título de doutor em antropologia em uma universidade do Reino Unido, em 1926, com uma tese sobre a "economia primitiva" dos Maoris, um dos primeiros alunos de Bronislaw Malinowski e o seu mais fiel discípulo, sendo, desde a morte do mestre, chefe do departamento de antropologia da London School of Economics. A trajetória de Firth acompanha o processo de institucionalização da antropologia como disciplina universitária, não só na metrópole mas também em algumas das possessões britânicas na Oceania e na África. Em 1930, Firth se tornou o segundo professor de antropologia da Universidade de Sidney, sucedendo A.R. Radcliffe-Brown, outro dos pais fundadores da Escola Britânica. No período de entre-guerras, ensinou em Auckland e em Cidade do Cabo. Antes de virar um acadêmico de renome internacional, Firth já tinha sido diretor do Australian National Research Council e editor da revista "Oceania"-que, como outras revistas que nasceram a partir da definição de uma área geográficocultural como objeto, foi um importante lugar de encontro entre jovens professores metropolitanos no começo da carreira e jovens estudantes das colônias a caminho da metrópole. Nesse sentido, a presença de Firth antecipou em poucos anos a de vários outros jovens nascidos nos domínios imperiais de ultramar e que (como o também neozelandês Reo Fortune, ou os sul-africanos Meyer Fortes e Isaac Schapera) integrariam o reduzido grupo dos antropólogos britânicos do entre-guerras. O fato de a coroa britânica ter outorgado a Raymond Firth o título de "Cavaleiro", em 1973, demonstra até que ponto, para muitos deles, a antropologia e a carreira acadêmica constituíram caminhos de ascensão social. Uma das marcas da antropologia desse período era a associação do nome de cada antropólogo ao de um grupo de nativos e ao título da monografia na qual esse grupo era definido como objeto. Malinowski e Radcliffe-Brown

“Não Somos Objetos De Pesquisa”: Em Busca De Uma Antropologia Em Colaboração

Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade

Este artigo busca desenvolver uma reflexão crítica a respeito da forma com que a antropologia desenvolve seu conhecimento e estabelece sua base metodológica, mas também busca apontar alguns mecanismos para superar o modelo metodológico que herdamos da tradição antropológica. Portanto, é travado um diálogo com estratégias etnográficas que se colocam como vozes dissonantes da concepção metodológica e epistemológica convencionais. Ao longo do trabalho será feita a descrição de uma experiência pessoal observada recentemente com os povos indígenas de Oiapoque (AP), que, durante um movimento de reivindicação por melhorias e oferta de vagas específicas e entrada diferenciada no vestibular da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), apontaram a necessidade de romper com o olhar colonizador dos pesquisadores brancos, que segundo os indígenas “veem esses grupos étnicos ainda como simples objetos de suas pesquisas”. Ao final apontamos a necessidade de construção de uma pesquisa antropológica em...

A Antropologia dos não Antropólogos e outras Questões Etnocêntricas

A discussão em torno do fazer antropológico tem fomentado inúmeros debates no campo acadêmico, porém ainda centrado no que os "antropólogos oficiais" fazem. Sendo a antropologia um saber de fronteira, em especial na sua interface com a Educação, sua capilaridade faz com que 'não-antropólogos' também desenvolvam trabalhos de caráter antropológico. Buscamos, neste trabalho, suscitar uma discussão em torno desta interface a partir de um balanço da produção nas pós-graduações em educação no Nordeste, destacando a singularidade da antropologia em sua constituição como campo acadêmico.

Antropologia pela educação. Notas por uma descolonização do pensamento

Malighetti R. 2014, Antropologia pela Educação. Notas por uma descolonização do pensamento” in Educação & Sociedade, vol. 35, n. 128, pp. 843-856. ISSN 0101-7330, 2014

O artigo analisa comparativamente os mecanismos do pensamento colonial e as suas resistências nas políticas públicas contemporâneas através das fragmentarias ideologias e práticas multiculturalistas. Mostra como agindo seletivamente sobre os mecanismos indenitários, promovem ações especiais e emergenciais que superam o Direito e fagocitam as contradições políticas e econômicas estruturais. Discute a centralidade dos grupos marginais para ultrapassar as epistemes dicotômicas de matriz colonial (identidade/alteridade, homogeneidade/diferença, hegemonia/subalternidade, centro/periferia, desenvolvimento/subdesenvolvimento). Convida a individuar como os povos colonizados e escravizados, migrantes e refugiados, prófugos e clandestinos, indígenas e indigentes possam articular a superação das dramáticas desigualdades socioeconômicas e da aquisição formal de direitos já definidos com a redefinição e o reconhecimento de novos direitos. ABSTRACT: The article makes a comparative analysis of the colonial thought mechanisms and their resistance in the contemporary public policies through the fragmentary ideologies and multicultural practices. It shows how, by acting selectively over identitary mechanisms, they promote special and emergency actions which disregard the Law and feed upon the political and economical structural contradictions. It discusses the centrality of marginal groups in overcoming the dichotomic episteme of a colonial nature (identity/ alterity, homogeneity/difference, hegemony/subalterneity, centre/periphery, development/ underdevelopment). It invites us to describe how the colonized and enslaved, migrants and refugees, fugitives and clandestines, indigenous people and indigents can articulate the act of overcoming the dramatic * Artigo escrito originalmente em português com revisão técnica de Sebastião Moreira Duarte (UFMA).