Etnografia e deriva: possibilidades na pesquisa (original) (raw)

Etnografia, ou a teoria vivida

Ponto Urbe Revista Do Nucleo De Antropologia Urbana Da Usp, 2008

Este texto foi preparado para a conferência inaugural do seminário "VI Graduação em Campo", do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, em 20 de agosto de 2007. Agradeço a José Guilherme Magnani a honra do convite, que me permitiu participar do entusiasmo, da diversidade de temas e da qualidade da pesquisa de campo de alunos de graduação de várias instituições do país, assim como da organização impecável do evento pelos alunos do NAU/USP. 1 Inicio com uma constatação elementar-a de que conceitos acadêmicos, assim como outras idéias da nossa experiência, mudam no tempo e no espaço, isto é, são históricos e são contextuais. Nenhum conceito tem um significado perene e, especialmente, nas ciências sociais, a vida dos conceitos reflete o que Max Weber definiu como sua "eterna juventude". Para Weber, essa era uma característica positiva das ciências sociais e refletia um otimismo raro nele-o de que, por definição, essas ciências seriam sempre jovens, sempre em processo de elaboração e sofisticação, sempre renovadas. A etnografia, antes 2 Dessa perspectiva da "eterna juventude", não é surpresa verificar que a idéia do que seja etnografia tenha uma história longa e freqüentemente espiralada, ou pendularmodificamos nossa concepção de etnografia, muitas vezes para voltar, revigorados, a um ponto familiar. Como em outros momentos na antropologia, devemos a Malinowski uma perspectiva que propunha e defendia a etnografia quando definiu a apresentação do kula como "interna", "etnográfica", isto é, em consonância com a prática e a perspectiva dos trobriandeses. Malinowski evitava uma descrição que chamou de "sociológica", resultado de uma observação "do lado de fora"-ele a considerava importante, sim, mas dizia que a utilizava apenas quando indispensável para dissipar Etnografia, ou a teoria vivida

Etnografia e imaginação histórica

Tradução de Iracema Dulley 01 e Olivia Janequine 02 Breve introdução sobre as relações entre antropologia e arte, desafios analíticos e (in)segurança I.D. e O. J. O texto a seguir, Etnografia e imaginação histórica03, de Jean e John Comaroff, volta-se para o lugar da antropologia no mundo contemporâneo e apresenta a proposta teórico-metodológica dos autores para uma antropologia crítica, consolidando e sintetizando, em especial, o argumento dos livros Of Revelation and Revolution (1992) e Body of Power, Spirit of Resistance (1985). Outros temas fundamentais da obra dos autores – a corporalidade, as missões, os fenômenos estéticos, o colonialismo e a resistência a ele no contexto da África Austral – também estão presentes. O texto é a introdução ao livro que também se intitula Ethnography and the Historical Imagination, publicado pela Westview Press em 1992. Diante da ausência quase total de publicações em português da obra destes que são autores centrais no debate atual da disciplina e responsáveis por contribuições importantes e criativas na intersecção entre antropologia e história, a publicação da tradução que se segue nos parece fundamental. No artigo os autores refletem sobre o lugar da etnografia e da história na antropologia como meios complementares entre si para a reflexão sobre o " mesmo " e sobre o " outro ". Voltando-se principalmente para a crise epistemológica que se configura como crise de autoridade da etnografia enquanto método excepcionalmente revelador, os autores apresentam uma argumentação complexa que leva à defesa desse método, associado à imaginação histórica. Abandonado um empiricismo ingênuo, que preconiza a necessidade de ver para crer e remonta às ciências biológicas, a etnografia permanece um método extraordinário a despeito e por causa de sua principal fraqueza: a recusa em se valer cegamente de técnicas padronizadas que permitem que se confira uma pretensa objetividade às metodologias científicas. O texto apresenta reflexões instigantes ao afirmar que o fazer etnográfico se aproxima muito mais do fazer artístico do que das ciências biológicas. A arte aparece como uma aliada em seu questionamento das pretensões de objetividade da ciência e um convite à reflexão sobre o método etnográfico: de acordo com os autores, a principal " tensão produtiva " da etnografia residiria justamente na impossibilidade de separar o objeto do conhecimento daquele que observa. É essa defesa de um conhecimento encarado por diversas disciplinas como " imperfeito " que faz com que os autores se alinhem ao partido tomado por Evans-Pritchard em

Antropologia à deriva ou os mil descaminhos para uma investigação que visa saber-menos sobre o outro

O presente trabalho objetiva produzir uma reflexão sobre os limites da etnografia através das injunções e disjunções entre teorias do conhecimento “nativas” e “antropológicas”. Um dos caminhos para alcançar esse objetivo é sugerir a possibilidade de aliar uma não delimitação de um locus de pesquisa com a não “utilização” do método etnográfico. Enquanto uma hesitação metodológica, e no “lugar” dessa dupla recusa, proponho alguns descaminhos que poderiam conduzir “à deriva” essa investigação antropológica; ou seja, a especular e deslocar-se por diferentes tempos|espaços sem constituir um objeto de pesquisa. Para isso proponho algumas junções teórico-metodológicas que viabilizem “múltiplas realidades” (Law) na produção de saberes em Antropologia. Mais precisamente, essa será uma investigação na qual se perguntará: como se pode saber-menos sobre um outro? Esse seria um “saber” que atingiria a consistência de sua suficiência ao ser produzido pelos meios (como “equivocação” e “deslumbramento”) com que uma alteridade se “estabelece” em uma dada relação parcial e “imprevisível”. Portanto, essa pesquisa trata de questões “metodológicas” sobre os modos de produzir conhecimento em Antropologia ao realizar pesquisa empírica especulativa com/através dos meios|caminhos que os sujeitos e objetos dessa mesma pesquisa se utilizam para “saber” sobre algo e sobre a própria Antropologia. Por isso, a ideia é que não haja “sujeitos-objetos” (Latour) centrais ou definidos previamente pelo pesquisador, mas sim co-definidos com os primeiros ao longo do processo de criação e operacionalização do modo de investigação aqui construído. O dispositivo de “controle” da aleatoriedade dessa especulação metodológica será uma forma de autoanálise crítica dos pressupostos|convicções (retropredação) pelos quais essa pesquisa se tornou viável, o qual teria como objetivo tornar menos “intensa” a “vontade de saber” sobre um outro. Ao longo da pesquisa será buscada também uma postura politico-filosófica em relação ao empreendimento disciplinar antropológico de pensar a diferença, ou uma zoepolítica.

Etnografia como prática e experiência

Horizontes Antropológicos, 2009

Este artigo, a partir de alguns usos pouco ortodoxos da etnografia, fora do campo da antropologia, propõe uma discussão sobre a especificidade desse método de pesquisa, com base em pesquisas e reflexões realizadas sobre o tema no Núcleo de Antropologia Urbana da USP (NAU). Tomando como ponto de partida uma citação de Lévi-Strauss, repassa alguns autores - Goldman, Peirano, DaMatta, Favret-Saada, entre outros - para estabelecer parâmetros na busca de traços que considera específicos do fazer etnográfico e assim chega a três considerações principais: etnografia como experiência, como prática e com base numa certa noção de totalidade. O relato de uma etnografia sobre jovens surdos é apresentado para oferecer um suporte empírico àquelas conclusões.

Etnografia fora da academia: apropriação do método ou expansão das possibilidades de trabalho

Cadernos de campo v.31, n.1, 2021

Desde sua formulação como método, a etnografia foi se constituindo e transformando, adaptando-se aos diferentes contextos disciplinares e de uso que vislumbravam a descrição de fenômenos sociais a partir de uma perspectiva qualitativa. Uma das formas contemporâneas de uso da etnografia é sua aplicação no contexto de pesquisas mercadológicas e de avaliação de políticas públicas, por exemplo. Neste texto pretendo expor minha trajetória pessoal como antropóloga, dentro e fora da academia, com o objetivo de mostrar como as experiências de trabalho de campo nos dois contextos complementaram minha formação. A ênfase está nas formas de uso da etnografia nestas searas do mercado do trabalho, destacando alguns cruzamentos, encontros e desencontros entre os usos dentro e fora do contexto acadêmico.

Caminhos De Cultura De Uma Etnografia

Nova Revista Amazônica

Este artigo tem por objetivo apresentar os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento, sobre construções culturais, que está sendo realizada na Agrovila Princesa do Xingu, em Altamira-Pará. Uma breve discussão acerca do conceito de cultura dentro da abordagem etnográfica foi construída a fim de se pautar as referências nas quais os resultados em questão foram coletados. Para tanto, as perspectivas de Geertz (1989) e Albó (2005) acerca de cultura foram norteadoras quanto ao entendimento das construções culturais dos moradores da Agrovila em questão após aproximadamente 46 anos de sua fundação. Além disso, a abordagem etnográfica de investigação científica na visão de Geertz (1989) e Mattos (2011) também é parâmetro para os dados aqui apresentados. Instrumentos da etnografia como observação participante, notas de campo, registro fotográfico e entrevistas foram utilizados para a coleta dos dados realizada até o presente momento.

Etnografias possíveis: “estar” ou “ser” de dentro

Ponto Urbe, 2014

Ocultar, revelar, assumir: antropólogos e suas fontes "(...) parecia-me interessante interrogar, como faz o fenomenólogo, a relação familiar com o mundo social, mas de maneira quase experimental, ao tomar como objeto de uma análise objetiva, até objetivista, um mundo que me era familiar, onde eu conhecia todos os agentes pelo nome, onde as maneiras de falar, de pensar e de agir me pareciam de todo naturais, e objetivar, num relance, minha relação de familiaridade com tal objeto, e a diferença que o separa da relação erudita à qual se pode chegar, como eu fazia na Cabília, por meio de um trabalho munido de instrumentos de objetivação, como a genealogia e a estatística". (Bourdieu, 2005, p. 88) Etnografias possíveis: "estar" ou "ser" de dentro

Etnografia Portuguesa

A historia da etnografia/antropologia portuguesa como resultado do nacionalismo. A ambiguidade da construção identitaria entre "os grandes da historia" as "pequeninas" manifestações rurais. Os agricultores como "os nossos primitivos"

Etnografia como orientação teórica e metodológica na EPT

Revista Nova Paideia - Revista Interdisciplinar em Educação e Pesquisa

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) reconhece a necessária articulação da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) com o mundo do trabalho e as práticas sociais e não separa aatividade teórico-prática, preconizando um sujeito ativo. Uma noção de sujeito que tem voz, que se comunica, se expressa, que age e interage, que compreende e interpreta a realidade. Nesse sentido, para a compreensão de uma prática social, seria preciso dialogar com ela, em busca de conhecer, revelar e interpretar a imensidão de significados, motivos, crenças, atitudes nela presentes, criando um espaço de interação e de possibilidades de manifestação de vozes, assumindo a realidade como algo que não pode ser apenas quantificado.