El extranjero - Albert Camus (original) (raw)
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4 esperei ainda um pouco. Durante este tempo, o porteiro não parou de falar. Depois, o diretor recebeu-me no seu gabinete. Um velhote, que tem a Legião de honra. Fitou-me com uns olhos muito claros. Depois apertou-me a mão durante tanto tempo, que já não sabia como havia de a tirar. Consultou um processo e disse-me: "A senhora sua mãe entrou para aqui há três anos". "O senhor era o seu único amparo". Julguei que me estava a fazer alguma censura e comecei a explicarlhe, mas ele interrompeu-me: "Não tem nada que se justificar, meu filho". Estive lendo o processo da sua mãe. O senhor não lhe podia suportar as despesas. Ela precisava de uma enfermeira. O seu ordenado é modesto. E, no fim das contas, aqui ela era feliz. Disse: "Sim Sr. Diretor". Acrescentou: "Sabe o senhor, aqui ela tinha amigos, pessoas da mesma idade". Partilhava com eles motivos de interesse que são de um outro tempo. "O Senhor é novo, e ao pé de si, ela aborrecia-se com certeza". Era verdade. Quando estava lá em casa a mãe passava o tempo a seguir-me em silêncio com os olhos. Nos primeiros dias do asilo, chorava muitas vezes: Mas era por causa do hábito. Ao fim de alguns meses, choraria se a tirassem do asilo, ainda devido ao hábito. Foi um pouco por isto que, no último ano quase não a fui visitar, E também porque a visita me tomava o domingo todo sem contar o esforço para ir para o autocarro comprar os bilhetes e fazer duas horas de viagem. O diretor disse-me ainda mais coisas. Mas já quase não o ouvia. Em seguida perguntou-me: "Julgo que agora, quer ir ver a sua mãe?". Levantei-me sem dizer nada e acompanhei-o até à porta. Nas escadas, explicou-me: "Levamo-la para a nossa morgue particular. Para não impressionar os outros. Cada vez que algum morre, os outros ficam nervosos durante dois ou três dias, o que torna o serviço difícil". Atravessamos um pátio onde havia muitos velhos, conversando em grupos, uns com os outros. Ao passarmos, calavam-se. 5 E atrás de nós as conversas recomeçavam. Dir-se-ia um papaguear atordoado de periquitos. À porta de uma pequena construção, o diretor deixou-me. "Deixo-o agora, senhor Meursault". Estou às ordens, no escritório. Em princípio, o enterro estava marcado para as dez horas da manhã. Pensamos que o Senhor podia assim passar a noite a velar. Uma última coisa: parece que a sua mãe exprimiu várias vezes aos amigos o desejo de ter um enterro religioso. -Tomei à minha conta este encargo. Mas queria pô-lo a par. Agradeci-lhe. Embora sem ser atéia, enquanto viva a mãe nunca pensara na religião: Entrei: Era uma sala muito clara, caiada, e coberta por uma vidraça. Mobiliavam-na algumas cadeiras e cavaletes em forma de X. Dois deles, ao meio da sala, suportavam um caixão coberto. Viam-se apenas parafusos brilhantes, mal enterrados, destacando-se da madeira pintada de casca de noz. Perto do caixão estava uma enfermeira árabe, de bata branca, com um lenço colorido na cabeça. Neste momento, o porteiro entrou por detrás de mim. Devia ter corrido: Gaguejou. "Fecharam-no, mas eu vou desparafusá-lo, para que o senhor a possa ver". Aproximava-se do caixão, quando eu o detive. Disse-me: "Não quer?" Respondi: "Não". Calou-se e eu estava embaraçado porque sentia que não devia ter dito isto. Ao fim de uns momentos, ele olhou-me e perguntou: "Por quê?", mas sem um ar de censura, como se pedisse uma informação. Eu disse: "Não sei". Então, retorcendo os bigodes brancos, declarou sem olhar para mim: "Compreendo". O homem tinha uns bonitos olhos azuis claros e uma pele um pouco avermelhada. Deu-me uma cadeira e sentou-se também, um pouco atrás de mim. A enfermeira levantouse e dirigiu-se para a porta. Neste momento, o porteiro disse-me: "O que ela tem, é um cancro". Não percebi o que ele dizia, até reparar que a enfermeira trazia por debaixo dos olhos uma ligadura que dava a volta à cabeça. No sítio do nariz, não se via nenhuma saliência. Apenas a brancura do penso, sobre a cara.
Traduzir O estrangeiro, de Albert Camus: pensar a luz estrangeira na literatura em prosa
Remate de Males, 2018
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar uma leitura da novela O estrangeiro, de Albert Camus, publicada pela primeira vez em 1942, pautado no conceito de "lumière étrangère" [luz estrangeira], advindo das artes plásticas. A análise do protagonista é crucial e tem como base obras de José Régio, D. H. Lawrence ou ainda cartas de Mário de Andrade. Num segundo momento, pretende-se detalhar o gesto singular que emana da tradução dessa obra e que busca assimilar conscientemente aquele elemento estrangeiro. Em seguida, será necessário ressaltar as divergências da nossa tradução para o português brasileiro, com as que estão disponíveis no mercado, para mostrar que o elemento estrangeiro pode provocar um grande desconforto para o tradutor, que tenderá a neutralizá-lo. Num terceiro momento, procura-se estabelecer uma reflexão, a partir do exercício tradutório, para ressaltar problemas específicos à tradução de textos literários em prosa. Essa reflexão passa por teóricos como Antoine Berman e Haroldo de Campos, notadamente na problematização dos conceitos de "informação semântica" e "informação estética", elaborados por Max Bense. Palavras-chave: Camus; O estrangeiro; tradução. "À força de procurar o que Kafka quer dizer, mas não diz, tornamo-nos cegos para as palavras que ele escreve em preto no branco." (Marthe Robert) 1 Professor do
Só se pensa por imagens. Se você quer ser filósofo, escreva romances." (Camus, 1935) RESUMO: Antes mesmo de se tornar um escritor célebre Albert escreveu alguns textos críticos nos quais podemos notar quais eram suas preocupações estéticas na época que vai de 1938 a 1942. A relação entre fundo e forma que se transforma em seguida na relação entre filosofia e literatura é a chave na qual ele lê outros escritores, clássicos ou contemporâneos. Essa relação destacada nos textos críticos é na verdade uma questão para sua própria escritura, que poderemos ver desenvolvida na relação que ele estabelece, sob o tema do absurdo, entre a narrativa L'Étranger e seu ensaio Le Mythe de Sisyphe. Este artigo tem por objetivo refletir sobre a relação entre fundo e forma tal como ela aparece na crítica camusiana, como ela é aplicada em seus próprios textos e como ela se torna uma chave na qual os críticos também leram a obra de Camus.
Direito e Punição em "O estrangeiro" de Albert Camus
Revista Científica O Direito Pensa, 2023
O objetivo deste artigo é analisar a retratação do processo do personagem Meursault na obra "O Estrangeiro" de Albert Camus, a fim de compreender como se apresentam o Direito e a punição na obra, utilizando-se da categoria historiográfica de mitologias jurídicas da modernidade de Paolo Grossi. A partir de uma abordagem crítico-reflexiva da obra, lidou com fontes bibliográficas sobre o tema. Como resultado, encontrou-se que a postura do personagem frente ao seu processo representa uma crítica não somente ao direito de punir, mas aos ideais políticos da modernidade.
Tempos Históricos
Partindo do princípio da historicidade da produção e da recepção de obras ficcionais, este artigo recupera a figura do escritor Albert Camus, por meio do romance O Estrangeiro, tecendo considerações sobre a maneira como o crítico Edward Said trata obra e autor no interior do debate sobre cultura e imperialismo. É importante perceber que a base interpretativa de Said, ao incluir Camus nas discussões sobre imperialismo, é distinta daquela que é utilizada pelo escritor, portanto busca-se historicizar as duas leituras, enfatizando o “lugar” de onde Camus produz seus textos e a maneira como trata dos povos árabes em seu romance mais conhecido.
experiência de estranhamento e a contradição do absurdo no romance O estrangeiro de Albert Camus
Profanações, 2022
Este artigo é uma análise estética de como a perspectiva do filósofo-artista Albert Camus sobre o absurdo é desenvolvida em seu romance O estrangeiro. Examino aqui como determinadas teses filosóficas do autor franco-argelino sobre o tema se desdobram numa composição artística, como elas se articulam na estrutura de uma prosa romanesca. Estabeleço como os fundamentos de minha análise a experiência de estranhamento presente no sentimento do absurdo e a formulação contraditória presente na expressão do absurdo em O estrangeiro. Para isso, escrevo este artigo articulando um contraponto entre a conhecida crítica de Sartre Explicação de O estrangeiro e os comentários de autores mais recentes como Mario Vargas Llosa, Angela Binda e Manuel da Costa Pinto. Palavras-chave: Camus. Romance. Absurdo. Estranhamento. Estrangeiro.
Considerações sobre a morte e suas diversas facetas em 'O Estrangeiro', de Albert Camus
Revista Jangada: crítica, literatura, artes, 2018
RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar algumas representações da morte e sua presença no romance de estreia de Albert Camus, O Estrangeiro. A partir de análises ancoradas em teóricos como Vicente Barreto, Roger Quilliot, Raymond Lavoie, Philippe Ariès e o próprio Camus, analisamos como Meursault, o protagonista, reage em relação à morte da mãe, à do árabe que assassina e à sua própria morte, incorporando o absurdo perante a vida. PALAVRAS-CHAVE: Literatura e morte, absurdo, Camus, morte. ________________ RÉSUMÉ: Le but de ce travail est d’analyser quelques représentations de la mort et sa présence dans le roman inaugural d’Albert Camus, L’Étranger. À partir d’analyses ancrées par des théoriciens tels que Vicente Barreto, Roger Quilliot, Raymond Lavoie, Philippe Ariès et Camus lui-même, nous analysons comment Meursault, le protagoniste, réagit face à la mort de sa mère, celle de l’arabe qu’il tue et à sa propre mort, qui émergent comme des exemples d’une incarnation de l’absurde devant la vie. MOTS-CLÉS: Littérature et mort, absurde, Camus, mort.