Para retomar a reinvenção democrática: qual cidadania, qual participação (original) (raw)

A reinvenção solidária e participativa do Estado

Coimbra: CES, 1999

A questão da reforma do Estado é uma questão intrigante. Dos dois paradigmas de transformação social da modernidade, a revolução e o reformismo, o primeiro foi pensado para ser exercido contra o Estado e o segundo para ser exercido pelo Estado. Para o reformismo, o paradigma que acabou por dominar nos países centrais e que posteriormente veio a estender-se a todo o sistema mundial, a sociedade é a entidade problemática e, como tal, objecto de reforma. O Estado, esse, é a solução do problema, o sujeito da reforma. A primeira observação a fazer é, pois, que quando, como hoje acontece, o Estado se torna ele próprio problemático e se transforma em objecto de reforma, o que está verdadeiramente em causa é a crise do reformismo. Ou seja, a reforma do Estado é o outro lado da crise do reformismo. Esta observação conduz a uma outra, formulável como questão: se, durante a vigência do reformismo, o Estado foi o sujeito da reforma e a sociedade o objecto, hoje, quando o Estado se constitui como objecto de reforma, quem é o sujeito da reforma? Será agora a vez da sociedade? E nesse caso quem na sociedade? Ou será o próprio Estado quem se auto-reforma? E, nesse caso, quem no Estado é o sujeito da reforma de que o Estado é objecto? Ou, ainda, será que a reforma do Estado põe em causa a distinção entre Estado e sociedade que até agora tem vigorado? Nesta palestra começarei por analisar o contexto social e político do movimento para a reforma do Estado. Indicarei depois brevemente as diferentes alternativas de reforma e seus promotores para me concentrar então no papel do chamado terceiro sector na reforma do Estado, especificando as condições que determinam o sentido político desse papel e da reforma em que ele se traduz.

A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA: da novidade ao desafio

A democracia participativa tem visto as luzes da ribalta um pouco por todo o mundo, quer a nível local, quer a nível nacional, sendo apresentada como a mais recente solução para alguns dos problemas das sociedades atuais, nomeadamente para o problema da alienação política dos cidadãos. Porém, e depressa, a novidade transforma-se um verdadeiro desafio, quando passamos da proposta à implementação dos mecanismos de participação. É, precisamente, nesse momento que certas limitações vêm à tona, desafiando o sucesso daquela que se apresenta como uma proposta promissora. A pergunta de partida deste ensaio é, de facto, muito simples: o que é a democracia participativa? Claro que, ao definir e ao conhecer com alguma profundidade esta teoria democrática, logo surgem outras questões, as quais vêm enriquecer o próprio ensaio: quais as suas potencialidades e fragilidades? O que fica a faltar? Qual o papel dos cidadãos? Que efeitos produzem as novas modalidades de participação, quer para os indivíduos, quer para os governos? Se a participação é um aspeto fundamental da democracia, porque só agora se fala de mecanismos de participação? Para conhecermos as fragilidades deste modelo democrático, e dos mecanismos que o mesmo propõe, torna-se necessário compreender as limitações à participação dos cidadãos, quer a nível individual, quer as limitações institucionalizadas. O presente ensaio tem como objetivo conhecer os contornos da teoria participativa e, no fim, proporcionar a devida reflexão com vista a compreender as "novidades" e os "desafios" que nos traz a democracia participativa. Mais concretamente, procura conhecer as suas bases e qual o seu contributo para a política dos dias de hoje. Na primeira secção, é apresentada a definição de democracia participativa e da própria noção de participação dos cidadãos. Considera-se fundamental a correta operacionalização destes dois conceitos que são, na verdade, conceitos-chave neste ensaio. De modo a compreendermos a ideia da participação na noção de democracia, a segunda secção dedica-se à herança grega. De seguida, são apresentadas as potencialidades do modelo participativo, antes de refirir o papel dos cidadãos no mesmo modelo, o que acontece na secção seguinte. Depois são apresentadas as fragilidades desta teoria, assim como, em outra secção, as implicações da mesma para a democracia dos dias de hoje. Esta secção inclui referências ao que têm sido as experiências nas Câmaras Municipais de Águeda, Braga, Matosinhos e Valongo e ao trabalho desenvolvido pela Rede de Autarquias Participativas (RAP), entre outras.

A participação institucionalizada em tempos de recessão democrática

2021

The article starts from the understanding of institutionalized participation in the context of historical forms of participation in Brazil in the last three decades, highlighting the passage from the moment of initial enthusiasm, which encouraged it as the way out for the revitalization of representative democracy, to a second moment, where participatory practice has itself become a problem. Then, it addresses the different government strategies in its current movement to dismantle participation channels in the federal sphere, promoting a complete turn in the Brazilian participatory experience. Having explained the political crossroads, the article develops a series of arguments that point to the need to rescue the participation of its place of abandonment, in the current scenario of democratic recession, seeking to overcome its limits and dilemmas.

Aspectos da expansão democrática e da legitimidade democrática. A participação como elemento construtor da cidadania

Revista Direito Mackenzie, 2012

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo. Bertolt Brecht Resumo: O presente artigo traz uma análise sucinta da evolução, bem como do conceito de democracia, promovendo distinções entre a democracia antiga e a moderna para, em seguida, abarcar a questão da representação política, fruto das ideias iluministas liberais, em contraponto ao conceito utilizado no atual Estado Social. Ainda, analisa os reflexos da expansão democrática sobre a legitimidade democrática, partindo do pressuposto de que o povo é seu titular irrenunciável e, de forma crítica, argumenta sobre a crise dos poderes, tema de inquestionável relevância na sedimentação dos direitos dos cidadãos, sob o manto da interpretação dos preceitos * Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia (Unama), especialista em Aperfeiçoamento em Direito público e privado e em Direito público e capacitação para ensino superior pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Mestre em Direito político e econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade de Castanhal (FCAT-Pará) e professora de Direito processual civil IV na mesma instituição. Advogada. ** Especialista em Direito constitucional com extensão em didática do ensino superior pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e mestre em Direito político e econômico pela mesma instituição. Pesquisadora efetiva nos grupos de pesquisa "Direitos Sociais, Políticos e Econômicos na Jurisprudência dos Tribunais Superiores", "Políticas Públicas como instrumento e efetivação da cidadania" e "Estado e Economia" do CNPq. Professora da graduação e da pós-graduação lato sensu em Direito da UPM.

Reformar a democracia e o aprofundamento da cidadania

Nas sociedades heterogéneas e cosmopolitas ocidentais, ditas democráticas, assenta a era da informação e comunicação. Nesta era revolucionária de comunicação a velocidades sem precedentes, de democratização do acesso à informação em tempo real e em sistema biunívocos e de múltiplas interacções, a Internet é um dos palcos principais. Se enveredarmos pela história virtual podemos especular imenso sobre o desenvolvimento futuro dessa maravilha dos tempos modernos, pois as possibilidades são imensas, ainda que não desprovidas de conotações potencialmente negativas. Partindo do princípio que será positivo continuar a desenvolver as democracias, pois as sociedades mais desenvolvidas são as mais democráticas, e vice-versa (Acemoglu & Robinson, 2013), este ensaio procura ligar o reforço da cidadania ao aprofundamento da democracia, envolvendo cada vez mais os seus cidadãos nos processos democráticos, recorrendo crescentemente às novas formas de tecnologias de informação e comunicação (TIC), especialmente com as novas possibilidades da Internet.