A censura salazarista e as colónias: um exemplo de abrangência (original) (raw)

O terror nas colónias como prelúdio do fascismo

Africana Studia n° 27, 2017

The campaigns of conquest by terror, which lasted up to the 1930s, and the setting up of a racial dictatorship in the colonies sought to put in practice Aryan programmes of annihilation or reduction to servitude of communities deemed to be of an “inferior race”. In the case of Portugal, the origins of Fascism were largely due to the transplantation to the homeland of the deadly lines of the territorial struggle for empire in Africa as well as the forms of totalitarian governamentality applied to “savages”. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------ A nossa análise incide sobre um corpus constituído pelas narrativas estéticas coloniais do período situado entre 1890 e 1940 relacionadas sobretudo com Moçambique. No interior do discurso africanista, reproduzido e ao mesmo tempo construído pela literatura colonial , a generalização do terror nunca aparece como objetivo da dominação política total. O terror confunde-se antes de mais com a enunciação da utopia da supremacia racial abso-luta, expressa na representação narrativa da interiorização pelas ditas "raças inferiores" da supra-humanidade dos colonizadores.

Manuel Baiôa, A Censura como factor de formação e consolidação do Salazarismo: O caso do noticiário sobre política internacional na imprensa (1933-1935) in Fernando Martins (Coor.), A Formação e a Consolidação Política do Salazarismo e do Franquismo. Lisboa, Edições Colibri /CIDEHUS-UE, 2012

O quadro normativo pelo qual a “ censura” se regia era pouco objectivo, o que dava uma grande margem de manobra aos Serviços de Censura na sua actuação. Face à flexibilidade do quadro normativo e a alguma arbitrariedade e discricionariedade dos censores, a política governamental hierarquizada e centralizada por Oliveira Salazar era fundamental na orientação e homogeneização dos serviços de censura, que tinham uma estrutura exclusivamente militar. A política governamental para a censura tinha um grau de plasticidade e de adaptação à realidade rápida e eficaz, era pragmática, indo ao encontro de uma ideia central do regime “saber durar”. Os Serviços de Censura desempenharam um papel fundamental no controlo da opinião pública e na homogeneização do pensamento das massas, fornecendo ao mesmo tempo importantes informações ao governo sobre a situação real do país. O sistema censório português premiava os jornais próximos do regime que tinham menos notícias censuradas, menos atrasos de publicação e mais anúncios governamentais, permitindo-lhes ter uma situação económica mais próspera. Pelo contrário, os jornais adversos ao Salazarismo tinham mais notícias censuradas, mais atrasos na publicação, mais suspensões e multas, originando o fim de muitos deles, não por ordem directa dos serviços de censura, mas por asfixia económica. Os jornalistas viam-se a todo o momento confrontados não só com a censura prévia dos serviços governamentais, mas com a censura paralela das chefias dos jornais e até com a sua própria auto-censura, uma vez que tinham de colocar a todo o momento a seguinte questão: “será que eles deixam passar isto?” . Através da censura das notícias internacionais podemos constatar qual era a política do Estado Novo face aos problemas internacionais e face à política em geral: a) Defesa dos ideais autoritários que o aproximava dos regimes fascista e nazi, no entanto é claro o afastamento da tendência totalitária deste último; b)Atenção muito especial à evolução do regime espanhol, pela importância que poderia ter na evolução do Estado Novo; c) Critica cerrada ao regime soviético e à ideologia comunista; d) Afastamento claro dos ideais democráticos, socialistas e operários; e) Defesa da “política para uma elite”, já que seria vedada à opinião pública o conhecimento do evoluir dos acordos internacionais, das ameaças de guerra e das situações revolucionárias. Procurava-se a «paz social» e o adormecimento das tensões sociais. A política de informação em relação aos temas internacionais desempenhava, no período estudado, ainda um papel secundário. Estava dependente da política interna e mostrava por vezes dificuldade em definir objectivos concretos de uma política a seguir. A atenção da censura concentrava-se fundamentalmente nos problemas internos do país, tentando mostrar uma sociedade despolitizada, pacificada, despojada de contradições e de dificuldades, contribuindo assim para a manutenção do consenso social

Entre o gueto e a cidade: perspectivas cruzadas da 'colónia

No início do século XX a 'colónia' de emigrantes portugueses em Nova Inglaterra, constituía, do ponto de vista de Portugal, a segunda maior 'colónia' emigrante, a seguir à que escolhia o Brasil como destino. Propomo-nos fazer uma análise cruzada de duas obras que na década de 20 caracterizaram a comunidade portuguesa na região de Boston. A análise dos dois pontos de vista, um americano e o outro português, permitem perceber como as representações desta 'colónia imigrante' são variáveis e dependentes do esquema perceptivo de cada um dos observadores.

A fragmentação como legado colonialista na Síria

2016

Esta monografia tem como intuito analisar as causas do conflito armado iniciado na Síria em 2011, que tem impactado a sociedade internacional com o fluxo intenso de refugiados e com a questão do terror, em razão do fortalecimento do Estado Islâmico. O foco do trabalho, portanto, recai sobre busca das causas da atual crise humanitária e, para tanto, utilizou-se de uma investigação histórica desde o passado colonial até os dias atuais, a partir de uma crítica fundada na teoria póscolonialista. O legado do colonialismo francês será essencial para se entender os elementos que contribuíram para a longa permanência no poder do Partido Ba’ath e dos Assads, e para a fragmentação política, econômica e social do Estado. Nesse sentido, destacam-se a conformação territorial, a indevida consideração da diversidade religiosa, a crise de identidade, o autoritarismo e a ilegitimidade do poder fundado no medo como elementos derivados do passado colonial, os quais somados culminam no referido process...

A censura ibérica e a leitura do Lazarillo no Portugal de Oitocentos

Se quiséssemos definir o estádio em que se encontram agora os estudos sobre o género picaresco, não seria erróneo notar em primeiro lugar a maior atenção dada à recepção destas obras tanto no seu contexto de origem como nos diferentes contextos que as importaram. Para apontar um exemplo elucidativo relembremos o novo capítulo intitulado "Posdata" acrescentado ao clássico de Francisco Rico, La novela picaresca y el punto de vista, que trata as consequências da leitura das duas primeiras obras picarescas na história da novelística europeia.

A dominação carismática em regimes democráticos

Política & Sociedade, 2020

O artigo busca analisar a possibilidade de conciliar o conceito weberiano de dominação carismática com as democracias contemporâneas e com líderes que não rompem com as normas institucionais. A partir da análise exegética de Weber, chegamos a uma definição de dominação carismática que se baseia primordialmente na relação afetiva dos seguidores com o líder em razão de seu caráter extraordinário. Contestando outras interpretações, argumentamos que essa definição é compatível com líderes democráticos sem perder a eficiência de sua aplicação a casos subversivos. Finalmente, para além de Weber, apresentamos algumas possíveis aplicações do conceito a partir de três elementos ideais-típicos: intensidade, difusão e direção do carisma. Esse modelo pode incluir carismas autoritários e antiautoritários e explicar o comportamento dos seguidores em medidas que envolvam os líderes.

As correspondências diplomáticas: outra visão da violência pública nos reinos bárbaros

SIGNUM - Revista da ABREM, 2016

O questionamento feito pela historiografia a respeito da intensidade dos casos de violência privada na alta Idade Média produz hoje resultados significativos em nossa ideia do período. Em relação à violência pública, no entanto ainda se impõe o modelo da guerra generalizada. Enfrentando as incongruências entre a guerra apresentada pelos cronistas e aquela presente na correspondência diplomática, o artigo pretende mostrar que também a ideia de violência pública generalizada também merece reconsideração.

Os penalistas na ditadura [sumário e introdução]

Os penalistas na ditadura, 2023

À camarada Mariana Garcia, com quem compartilho o amor, os sonhos e a luta. À Rosa, nossa guria bossa nova. Aos meus pais, às minhas avós, ao meu irmão, à minha sogra e ao meu sogro. À Vera Andrade, orientadora e amiga, conterrânea de Caçapava do Sul, que nos acolheu afetuosamente na Ilha de Santa Catarina, onde, mateando, discutimos a criminologia crítica, as estratégias e as táticas. Ao amigo Salo de Carvalho, pela longeva parceria acadêmica. Aos professores e professoras que participaram da banca em que este estudo foi avaliado, Antônio Carlos Wolkmer, Camila Prando, Katie Arguello e Jacson Zílio. Ao professor Nilo Batista e à professora Vera Malaguti Batista, que ainda no início da pesquisa gentilmente receberam-me para um diálogo sobre o tema da tese e indicaram-me alguns caminhos que percorri. Ao professor Christiano Fragoso, que franqueou seu tempo a esta pesquisa e prestou sensível contribuição, fornecendo material inédito dos arquivos do professor Heleno Fragoso. Aos companheiros Nereu Lima e Nereu Lima Filho, pelo acesso à biblioteca do escritório de advocacia criminal na Praça da Matriz (e pelas conversas sobre a história do direito penal durante a peregrinação nos cafés na Rua da Praia, em Porto Alegre). Ao amigo Daniel Gerber, pelo incentivo e pelo auxílio na ocasião em que esta pesquisa foi realizada. Aos amigos e às amigas do Instituto de Criminologia e Alteridade. Às bibliotecárias e aos demais trabalhadores que auxiliaram na pesquisa. Ao CNPQ e à CAPES, pela bolsa de doutorado e pelo financiamento das viagens de pesquisa.

O Abrigo e o Exílio de Sá-Carneiro

Resumo: Paris é um espaço-chave na poesia de Sá-Carneiro, não apenas por boa parte de seus poemas ter sido produzida ali, mas como realidade simbólica. Este artigo busca refletir a respeito do papel simbólico representado por Paris na obra do poeta Mário de Sá-Carneiro, tomando por base a análise do poema "Abrigo" (1915), sua abordagem comparativa com o poema "Memória", do poeta português António Nobre, e com a correspondência que o escritor estabeleceu com o amigo e colega de geração Fernando Pessoa. Transfigurada pela linguagem, Paris é aqui enfocada como espaço de identificação e de alteridade: ao mesmo tempo abrigo dos afetos represados num passado perdido e exílio interior num presente imaginário. Essa cidade de sonho, profusamente retratada tanto na correspondência quanto na literatura do autor, contrasta com uma realidade histórica grave e urgente. O poeta admite, afinal, que a sua Paris é um espaço de linguagem, produto de sua nostalgia imaginativa. Palavras-chave: Mário de Sá-Carneiro. António Nobre. Exílio. Paris.