A transfiguração do mito em As Intermitências da morte (original) (raw)

Representações da Morte no Mito Inesiano

O título que escolhemos faz-nos reflectir sobre a pertença dos amores de Inês de Castro ao universo do mito. Não porque seja novidade a atribuição, sendo múltiplos os autores a incluir a bibliografia ficcional inesiana neste filão, mas porque nos parece importante precisar em que quadro teórico nos inserimos. Na verdade, as perspectivas teóricas de um Mircea Eliade ou de um Claude Lévi-Strauss, por exemplo, far-nos-iam excluir os amores de Inês e Pedro do âmbito do mito, por não estarmos perante uma narrativa fundadora, anónima ou oral, nem tão pouco ela participar do carácter sagrado a que aludem os autores. O parentesco entre o comum dos mitos e os mitos literários residiria, então, de acordo com Philippe Sellier, em três outros factores: a saturação simbólica, a organização fechada e a iluminação metafísica.(SELLIER, 1984, p. 115) Contrariando as posições de Mircea Eliade (ELIADE, 1963, p. 15), de Lévi-Strauss (LÉVI-STRAUSS, 1968, p. 105-106) ou mesmo de Vernant (VERNANT, 1973, p. 7), segundo as quais a literatura constituiria o fim do mito, os estudos mais recentes vêm insistir em que não apenas a literatura pode sustentar o mito, como também ela pode propiciar o surgimento de mitos literários. E o de Inês de Castro sê-lo-á? Diríamos que sim, se o considerarmos como um dos vários tipos possíveis de mitos, o daqueles que, na perspectiva de Albouy, podem ser originados na História. (ALBOUY , p. 12, 1969) E nesse sentido, este mito, por assentar num facto histórico, o da morte factual de Inês de Castro, em Janeiro de 1355, a mando de D. Afonso IV, não terá, a nosso ver, uma

A personagem Morte em quadrinhos: intertextos entre Sandman e as intermitências da Morte

INSÓLITA - Revista Brasileira de Estudos Interdisciplinares do Insólito, da Fantasia e do Imaginário, 2024

O presente artigo pretende relacionar os conceitos de intertextualidade de Kristeva (1976), adaptação de Hutcheon (2013) e símbolo de Peirce (2005) em torno da personificação e da figura insólita da Morte na adaptação em quadrinhos do romance Intermitências da Morte (2005) de José Saramago e o quadrinho Morte (2018) de Neil Gaiman. Buscamos um retrospecto da representação da morte na cultura ocidental e como sua presença está vinculada às narrativas fantásticas Todorov (1975) e insólitas Zinani (2020) na literatura e na arte sequencial. Para entendermos a criação da personagem, voltamos nosso olhar para a personagem em Brecht e arquétipos junguianos. Ao final, apresentamos as semelhanças entre os dois quadrinhos, principalmente relacionando sentimentos humanos a duas figuras da Morte.

O Mito De Orfeu Nas Metamorfoses De Ovídio

Principia, 2014

Salema (UFRJ) RESUMO A atual pesquisa consiste no estudo do mito de Orfeu a partir dos versos 1-85 do livro X das Metamorfoses de Ovídio. Este trabalho propõe-se a interpretar o mito através da depreensão das propriedades linguísticas e literárias presentes no texto latino, que, sem dúvida, conferem maior expressividade ao poema. Esse estudo, de fato, versa sobre um dos mitos mais célebres da mitologia grega, de Orfeu e Eurídice. Uma comovente história de amor, recontada pelo grande poeta latino Ovídio, exímio poeta na arte da versificação. Palavras-chave: 1. Ovídio, Metamorfoses. 2. Orfeu e Eurídice. INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta uma proposta de tradução e interpretação do mito de Orfeu, presente nos versos 1-85 do Livro X das Metamorfoses de Ovídio. Por meio de uma análise voltada para a depreensão dos aspectos linguísticos e literários, objetiva-se evidenciar os elementos mais expressivos da linguagem poética do autor. Ovídio: vida e obra Públio Ovídio Nasão nasceu em 20 de março de 43 a.C. em Sulmona. Sua família era rica e tinha a origem eqüestre. Quando jovem, viajou para Roma, onde aprofundou seus conhecimentos das literaturas grega e romana e também estudou gramática, oratória e retórica. Recebeu instrução na escola de Aurélio Fusco e Pórcio Latrão, complementou seus estudos de filosofia em Atenas e foi para Ásia, Egito e Sicília. De volta à cidade de Roma, Ovídio encarregou-se de algumas funções públicas, mas decidiu se afastar dos tribunais, e deu preferência à arte de compor versos. Seus primeiros escritos, compostos entre 19 e 15 a.C., são Amoreselegias de amor publicadas em cinco livrose Heroidescartas de amor escritas em versos elegíacos. No ano I a.C., escreveu mais três obras: Ars Amatoria, Remedia Amoris e De medicamine faciei. Compôs também uma tragédia intitulada de Medea que não se preservou até os dias de hoje. Perfazem, ainda, a produção ovidiana, dois poemas menores Íbis e Halieutica. No primeiro, o escritor investe contra um amigo infiel, desejando a este todos os males possíveis; o segundo se constitui numa obra didática, em hexâmetros dactílicos, que trata dos peixes do Mar Negro. Outra obra de grandioso empreendimento foram as Metamorfoses, escritas em quinze livros em versos hexâmetros, em que se descrevem muitas histórias da mitologia grega nas quais toda espécie sofre uma mutação, do Caos à transformação de César. Juntamente com este livro, compôs Fastos, escrito em seis livros em dísticos elegíacos, em que são relacionadas as festas, os costumes e as lendas do calendário romano. Em 8 d.C., por motivos ainda obscuros, Ovídio foi enviado, por ordem de Augusto, ao exílio na cidade de Tomos, região muito distante de Roma, situada nas margens do Mar Negro. No mesmo ano, o imperador também exigiu que fosse retirada das bibliotecas públicas a Ars amatoria. Durante a viagem rumo ao desterro, o poeta deu início à composição dos Tristia, escrevendo os dois primeiros livros. No Ponto Euxino, longe da família e de todas as pessoas queridas, prosseguiu com a elaboração dessa obra e publicou mais três livros em 12 d.C. Nessa composição, em dísticos, apresentamse cinco livros cuja temática se concentra em lamentações e súplicas de regresso a Roma, dirigidas a Augusto. Nesse território hostil, escreveu também as Epistolae ex Ponto-quatro livros com a mesma temática dos Tristiaem que o escritor se dirige à família e aos amigos de Roma. Mesmo após a morte de Augusto, em 14 d.C., Ovídio ainda alimentou a esperança de voltar à sua terra, obtendo o perdão de Tibério, o sucessor do império. Chegou a escrever em língua géticafalada na região em que estava relegadoum poema que glorificava a Augusto e a Tibério, mas foi tudo em vão. Após diversas tentativas de obter a liberdade, Ovídio morreu em Tomos no ano 18 d.C. Ovídio mostrou-se um exímio poeta na arte da versificação, com um talento esplendoroso. Foi, pois, considerado um dos maiores poetas elegíacos latinos.

A ficção do mito como uma hermenêutica da existência

R e s u m o O artigo apresenta a ficção do mito como uma hermenêutica da existência. Para alcançar esse objetivo, sugere a leitura dos mitos como textos fundantes, saturados de sentido, diante da reconfiguração da cisão da subjetividade. Recorrendo às intuições de Mircea Eliade quanto ao estudo do mito e o aspecto ontológico da hermenêutica em Paul Ricoeur, aponta-se para a intencionalidade humana da criação de sentidos como resultado da ficção da temporalidade pela imaginação. Essa ficção-o corte na carne pelo verbo-valoriza a linguagem religiosa como uma forma de conhecimento de mundo, na medida em que ela organiza, pela potência metafórica, a consciência da ontologia quebrada. A concepção de mito aqui apresentada pressupõe o trabalho do imaginário ricoeuriano a respeito da organização narrativa de mundo, abrindo um novo horizonte para a compreensão da função dos mitos religiosos. O artigo conclui a tarefa da hermenêutica da existência sugerindo uma interpretação metafórica de mitos, imbuída de ficções de sentidos profundos, situando-a numa experiência originária e compreensiva da Filosofia da Religião.

A ressurgência do Mito

2016

em meio a um cenário contemporâneo moldado por profundas transformações culturais e científicas, convulsionado por efervescências políticas e sociais e atormentado por enfrentamentos ideológico-religiosos, é cabível imaginar o ressurgimento de mitos? lembrando sua polissemia, não estamos falando dos mitos personalísticos fugazes e transitórios, mas de mitos autênticos, aqueles que carregam narrativas de significação simbólica referentes a aspectos da condição humana. Há lugar para o "sagrado" em uma sociedade tecnicista enfeitiçada por lendas, crendices, amuletos, simpatias, milagres, oráculos, curandeiros, bruxaria e discos voadores? o que o presente artigo tenta demonstrar, à luz de um estudo entrelaçado com várias disciplinas e tomando por empréstimo escritos de eminentes autores, é que acreditar em um fenômeno desprovido de suporte científico comprovável, como é o do tema ovni, se encaixa em um sistema de crenças psicossociocultural. em outras palavras, que estamos vivenciando a ressurgência de um mito "pós-moderno". AbSTRACT (tHe resurgence oF mytH) in a contemporary scenery molded by deep cultural and scientific transformations, convulsed by political and social effervescences and plagued by ideological and religious conflicts, is it reasonable to imagine the resurgence of myths? remembering its polysemy, we are not talking about the personalistic, fleeting and transient myths, but about authentic myths, narratives of those who carry symbolic significance related to aspects of the human condition. is there a place for the "sacred" in a technicist society bewitched by legends, superstitions, amulets, miracles, oracles, healers, witchcraft and flying saucers? What this article tries to demonstrate, in the light of a study intertwined with various disciplines and borrowing from eminent authors' writings, is that the belief in a phenomenon devoid of verifiable scientific support, as is the uFo case, fits a system of psychosociocultural beliefs. in other words, we have been experiencing a resurgence of "postmodern" myth. 1 Escritor e ufólogo cético brasileiro.

Variações do mito da Ilíada: Da intercessão divina ao abandono dos mortais

Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura., 2020

Neste artigo, são comparadas duas formas de apresentação do mito da Ilíada: no romance épico de Homero e no filme Troy. São utilizadas as definições de sagrado e de mito de Mircea Eliade e da derivação do mito em Gilbert Durand para elaborar uma leitura simbólica comparativa. O objetivo é tirar consequências para o sentido do mito através da descrição das cenas no cinema contemporâneo e na literatura arcaica. Conclui-se que o apagamento dos deuses como personagens amplifica a esfera de ação dos homens, ao mesmo tempo em que inviabiliza o ensinamento de modelos exemplares e deixa a humanidade abandonada a seus melhores instintos, os sentimentos nobres e moralmente aceitos em determinado momento histórico.

Narrativas mitológicas sobre processos de morte simbólica

Resumo: Este artigo visa refletir sobre a abordagem e integração de vivências de morte simbólica na prática Naturológica, propondo a utilização de mitos como ferramenta terapêutica a partir dos pressupostos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung. A Naturologia emerge na atualidade dispondo de enorme gama de possibilidades de se trabalhar em saúde, mesclando práticas naturais à escuta acolhedora e troca dialógica. Agregar a este diálogo a mitologia tradicional é enriquecedor, pois esta, em uma de suas potencialidades, atua de modo estruturante ao guiar o ser humano nas fases da vida e integrar o sentido dos ritos de passagem. Com esse olhar foram selecionados seis mitos de diferentes partes do mundo que apresentassem a temática da morte renovatória com o objetivo de realização de uma análise simbólica, sendo estes: Mauí e Hinenuitepo, da Nova Zelândia; o surgimento do mundo e da morte, da tribo Ajuru do Brasil; Hades e Perséfone, da Grécia; Inanna, da antiga Suméria; Hainuwele, da Nova Guiné e Quetzalcóatl, da cultura Maia da Mesoamérica. Neles foi possível identificar a presença de dois mitologemas: a catábase, que na expressão mítica se refere ao ato de descer ao submundo em virtude de uma busca; e a recompensa da morte como alimento ou planta essencial para um povo.

Funções do mito na obra de Howard Phillips Lovecraft

disposição, pelas inúmeras e sempre precisas indicações, correções e sugestões e pela amizade. A todos meus amigos que, das formas mais diversas, contribuíram para a consumação deste trabalho. Às professoras da Faculdade de Letras Maria Elisa Cevasco e Salete Cara, que forneceram inestimável ajuda, por meio de preciosas observações. Aos membros da banca, pelo interesse.

A permanência do mito: do sacro ao simbólico

2017

Na Era Clássica, os poetas e dramaturgos gregos e romanos registraram os mitos que eram carregados de valor sagrado. Com o advento da filosofia, os mitos perderam o seu caráter sacro e passaram ter um valor simbólico e metafórico. Por essa razão, baseando-nos principalmente em Campbell (1990) e Samoyault (2008), perpassaremos por algumas obras, fílmicas e literárias, que resgatam os mitos e propiciam a permanência dos mitos na atualidade. De natureza teórico-prática, buscaremos evidenciar as relações intertextuais detectáveis entre as narrativas clássicas e as contemporâneas, visto que se percebe uma grande cadeia intertextual que as une.