Vasco Nuno Medeiros | Universidade de Lisboa (original) (raw)
PhD by Vasco Nuno Medeiros
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História da Arte, 2020
Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradig... more Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradigmática dimensão modelar do artista enquanto homem de cultura e de ciência, inaugurando desta forma a génese de um criador muito mais próximo do arquétipo do cientista do que do tradicional artesão. As raízes estruturais desse modelar artista, educado tanto quanto possível em todas as artes liberais, mas fundamentalmente na matemática e na geometria, contaminará doravante todo o discurso tratadístico. Lorenzo Ghiberti, em 1447, proclamará nos seus Commentarii, a escultura e a pintura, como “scientia di più discipline”, preconizando aos seus cultores o domínio de todas as artes liberais, de entre as quais destaca a perspectiva, a geometria, a anatomia e a aritmética. No mesmo sentido, Leonardo advertirá aos leitores do seu Trattato della Pittura, “Nom mi legga, chi non è matemático”, contribuindo para uma progressiva matematização da realidade pictórica. Nascerá desta forma uma disciplina complexa e multidisciplinar designada como Scientia Pictórica. Este inovador paradigma epistemológico será responsável pela introdução no universo dialectal e tradicional do ensino das artes de uma renovada e óbvia problemática, i.e., uma necessidade extrema de reformular os espaços de laboração e os processos de ensino e instrução, transpondo-os de um receituário exclusivamente artesanal, para uma complexidade teórica e polímata. O seu objectivo último será a demanda de uma absoluta mimésis gnosiológica da natureza. Ao longo deste estudo, mostrar-se-á como esta Scientia nasceu precisamente da concatenação de dois discursos visuais distintos: por um lado, através da meticulosa mimésis setentrional, composta por inúmeros fragmentos ópticos e especulares do quotidiano, sistematicamente compostos num simulacro de universo espacial implausível; por outro, através do meridional conceito espácio-temporal matemático e unitário que a intersegazione della piramide visiva Albertiana inaugurou. Esta tese procura assim reinterpretar o debate histórico sobre o estatuto científico da pintura, procedendo-se para o efeito a uma reorganização e reinterpretação teórica no âmbito estrutural das revoluções científicas, aferindo para tal os inconfundíveis traços identitários que uma Iconopoiesis de marcado pendor cientificante induz, i.e., ópticos e matemáticos. Mostrar-se-á como a Scientia Pictórica será indutora de uma alteração definitiva dos padrões gremiais instituídos, promovendo a elevação estatutária dos artistas e contribuindo inegavelmente para a configuração processual de um identitário «fazer» artístico.
In 1435, Leon Battista Alberti published the treatise De Pictura, in which he introduced a new and paradigmatic dimension to the model of an artist as a man of culture and science, thus giving rise to an idea of the creator that is much closer to the archetype of the scientist than of the traditional artisan. The structural roots of this model artist, educated as much as possible in all the liberal arts, but fundamentally in mathematics and geometry, was henceforth to infiltrate the whole discourse of the treatise. Lorenzo Ghiberti, in his Commentarii, was in 1447 to proclaim that sculpture and painting, as “scientia di più discipline”, called for their disciples to master all the liberal arts, and in particular perspective, geometry, anatomy and arithmetic. In the same way, Leonardo was to warn readers of his Trattato della Pittura that “Nom mi legga, chi non è matemático”, thus contributing to the progressive mathematisation of pictorial reality. In this way a complex and multifacted discipline was to emerge, designated Scientia Pictórica, that was a genuine epistemological paradigm, introducing into the dialectical and traditional world of the teaching of the arts new and obvious problems, i.e. an acute need to reformulate working spaces and the processes of teaching and instruction, turning them from an exclusively artisanal set of prescriptions into a theoretical and polymathic complexity, with a view to an absolute gnoseological mimésis of nature. In this study, it will be shown how this Scientia was born precisely from the concatenation of two distinct visual discourses: on one hand, the meticulous northern mimésis, composed of innumerable optical and mirror fragments of the everyday, meticulously composed in a simulacrum of an implausible spacial universe; on the other, the southern concept of mathematical and unitary space-time that was ushered in by the Albertian intersegazione della piramide visiva. This thesis seeks to reinterpret the historical debate about the scientific status of painting by means of a reorganisation and theoretical reinterpretation of the structural ambit of scientific revolutions gauging in the process the unmistakeable traces of identity that are induced by an Iconopoiesis with a marked scientising tendency, i.e. optics and mathematics. It will be shown how Scientia Pictórica was to have a direct impact on the theoretical and practical diffusion, prompting a definitive change in established professional patterns, promoting the elevation of artists' status and undeniably contributing to the procedural configuration of identity-shaping artistic “doing”.
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História da Arte, 2020
Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradig... more Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradigmática dimensão modelar do artista enquanto homem de cultura e de ciência, inaugurando desta forma a génese de um criador muito mais próximo do arquétipo do cientista do que do tradicional artesão. As raízes estruturais desse modelar artista, educado tanto quanto possível em todas as artes liberais, mas fundamentalmente na matemática e na geometria, contaminará doravante todo o discurso tratadístico. Lorenzo Ghiberti, em 1447, proclamará nos seus Commentarii, a escultura e a pintura, como “scientia di più discipline”, preconizando aos seus cultores o domínio de todas as artes liberais, de entre as quais destaca a perspectiva, a geometria, a anatomia e a aritmética. No mesmo sentido, Leonardo advertirá aos leitores do seu Trattato della Pittura, “Nom mi legga, chi non è matemático”, contribuindo para uma progressiva matematização da realidade pictórica. Nascerá desta forma uma disciplina complexa e multidisciplinar designada como Scientia Pictórica. Este inovador paradigma epistemológico será responsável pela introdução no universo dialectal e tradicional do ensino das artes de uma renovada e óbvia problemática, i.e., uma necessidade extrema de reformular os espaços de laboração e os processos de ensino e instrução, transpondo-os de um receituário exclusivamente artesanal, para uma complexidade teórica e polímata. O seu objectivo último será a demanda de uma absoluta mimésis gnosiológica da natureza. Ao longo deste estudo, mostrar-se-á como esta Scientia nasceu precisamente da concatenação de dois discursos visuais distintos: por um lado, através da meticulosa mimésis setentrional, composta por inúmeros fragmentos ópticos e especulares do quotidiano, sistematicamente compostos num simulacro de universo espacial implausível; por outro, através do meridional conceito espácio-temporal matemático e unitário que a intersegazione della piramide visiva Albertiana inaugurou. Esta tese procura assim reinterpretar o debate histórico sobre o estatuto científico da pintura, procedendo-se para o efeito a uma reorganização e reinterpretação teórica no âmbito estrutural das revoluções científicas, aferindo para tal os inconfundíveis traços identitários que uma Iconopoiesis de marcado pendor cientificante induz, i.e., ópticos e matemáticos. Mostrar-se-á como a Scientia Pictórica será indutora de uma alteração definitiva dos padrões gremiais instituídos, promovendo a elevação estatutária dos artistas e contribuindo inegavelmente para a configuração processual de um identitário «fazer» artístico.
In 1435, Leon Battista Alberti published the treatise De Pictura, in which he introduced a new and paradigmatic dimension to the model of an artist as a man of culture and science, thus giving rise to an idea of the creator that is much closer to the archetype of the scientist than of the traditional artisan. The structural roots of this model artist, educated as much as possible in all the liberal arts, but fundamentally in mathematics and geometry, was henceforth to infiltrate the whole discourse of the treatise. Lorenzo Ghiberti, in his Commentarii, was in 1447 to proclaim that sculpture and painting, as “scientia di più discipline”, called for their disciples to master all the liberal arts, and in particular perspective, geometry, anatomy and arithmetic. In the same way, Leonardo was to warn readers of his Trattato della Pittura that “Nom mi legga, chi non è matemático”, thus contributing to the progressive mathematisation of pictorial reality. In this way a complex and multifacted discipline was to emerge, designated Scientia Pictórica, that was a genuine epistemological paradigm, introducing into the dialectical and traditional world of the teaching of the arts new and obvious problems, i.e. an acute need to reformulate working spaces and the processes of teaching and instruction, turning them from an exclusively artisanal set of prescriptions into a theoretical and polymathic complexity, with a view to an absolute gnoseological mimésis of nature. In this study, it will be shown how this Scientia was born precisely from the concatenation of two distinct visual discourses: on one hand, the meticulous northern mimésis, composed of innumerable optical and mirror fragments of the everyday, meticulously composed in a simulacrum of an implausible spacial universe; on the other, the southern concept of mathematical and unitary space-time that was ushered in by the Albertian intersegazione della piramide visiva. This thesis seeks to reinterpret the historical debate about the scientific status of painting by means of a reorganisation and theoretical reinterpretation of the structural ambit of scientific revolutions gauging in the process the unmistakeable traces of identity that are induced by an Iconopoiesis with a marked scientising tendency, i.e. optics and mathematics. It will be shown how Scientia Pictórica was to have a direct impact on the theoretical and practical diffusion, prompting a definitive change in established professional patterns, promoting the elevation of artists' status and undeniably contributing to the procedural configuration of identity-shaping artistic “doing”.
Papers by Vasco Nuno Medeiros
Belas Artes - Revista e Boletim - Academia Nacional de Belas Artes, 2024
Na década de noventa do século XV Leonardo da Vinci concluiu os primeiros cadernos do Codex Urbin... more Na década de noventa do século XV Leonardo da Vinci concluiu os primeiros cadernos do Codex Urbinas caracterizando pela primeira vez a pintura enquanto ciência: «A ciência da pintura compreende todas as cores da superfície e as figuras dos corpos cobertas com elas, e a sua proximidade e afastamento, segundo a proporção entre as diferentes diminuições e as diferentes distâncias (…)». Note-se, porém, que em finais do século XV o processo de cientificação da pintura contava já com meio século de lenta e progressiva edificação. Este, iniciou-se na década de trinta com Jan van Eyck e a criação da óptica pictórica e com Leon Battista Alberti e a teorização da perspectiva artificial. Também a pintura quinhentista portuguesa, erradamente apelidada «Primitiva», reúne em si toda uma série de características e evidências que importa conhecer e desvendar e que a equiparam técnica e cronologicamente com a vanguarda da pintura cientificada europeia.
Art is on, Dec 27, 2022
Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso nu... more Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso num impressivo mutismo, existem porém, caminhos de genuína singularidade que não foram ainda percorridos. Será o caso da ligação entre a doutrina da Viva Imago de Nicolau de Cusa e o olhar frontal de parte das personagens nele representadas. A dimensão intelectual de Nicolau de Cusa é hoje indissociável do desenvolvimento científico e artístico do Quattrocento: paralelamente às referências directas a Rogier van der Weyden, sabe-se também que Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli e Andrea de Bussi terão orbitado a sua esfera pessoal. O facto de Fernando Martins ter sido seu secretário entre 1458 e 1464, integra-o precisamente no âmago desta rede de amicizia artístico-científica. O seu regresso ao reino após a morte do cardeal no preciso momento de concepção do políptico constitui uma notável coincidência. Uma hipotética acção interventiva no programa pictórico torna-se assim, mais do que um elemento factual, um apelo irresistível.
ARTis ON, 2022
Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso nu... more Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso num impressivo mutismo, existem porém, caminhos de genuína singularidade que não foram ainda percorridos. Será o caso da ligação entre a doutrina da Viva Imago de Nicolau de Cusa e o olhar frontal de parte das personagens nele representadas. A dimensão intelectual de Nicolau de Cusa é hoje indissociável do desenvolvimento científico e artístico do Quattrocento: paralelamente às referências directas a Rogier van der Weyden, sabe-se também que Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli e Andrea de Bussi terão orbitado a sua esfera pessoal. O facto de Fernando Martins ter sido seu secretário entre 1458 e 1464, integra-o precisamente no âmago desta rede de amicizia artístico-científica. O seu regresso ao reino após a morte do cardeal no preciso momento de concepção do políptico constitui uma notável coincidência. Uma hipotética acção interventiva no programa pictórico torna-se assim, mais do que um elemento factual, um apelo irresistível.
Closed in enigmatic iconographic premises, São Vicente's polyptic remains immersed for over a century in an impressive muteness, but there are however paths of genuine uniqueness that have not yet been travelled. This will be the case of the connection between the doctrine of Viva Imago by Nicolau de Cusa and the aulic frontality of the characters represented. The intellectual dimension of someone like Nicolau de Cusa is today obscured and secondary, but his relevance for the scientific and artistic development of the Quattrocento is an immovable axiom: along with his direct references to Rogier van der Weyden; we know that Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli and Andrea de Bussi are known to have orbited his personal sphere. The fact that Fernando Martins was his secretary between 1458 and 1464, places him precisely at the heart of this network of artistic-scientific amicizia. His return to the kingdom a few years after the death of the German Cardinal allows him to be placed at the centre of the pictorial action of the famous polyptic. Intervention in the pictorial program of the panels is more than a factual element, it's an irresistible appeal.
ARTis ON, 2020
The analogy between the myth of Narcissus, referred to as the intrinsic symbol of painting by Leo... more The analogy between the myth of Narcissus, referred to as the intrinsic symbol of painting by Leon Battista Alberti; the typological value of self-portrait as an ontological and statutory reference; its value while metamorphosis of reality; and the self-representative phenomenon that Selfi e translates-all this has to be established and requires due consideration. When dwelling on the contemporary Selfi e we need to consider also the salvifi c dimension of this kind of self-representation mechanisms that have always been there. The value of image while self-awareness mechanism compels us to question the fi eld of action where it is far more active-on social media. Its immanence is a true narcissistic affl iction. The intrinsic and immediate value of image thus overlaps sign and word. The mechanisms of self-contemplation thus produced translate into a clear ontological impoverishment of reality. The Selfi e does not prevent the subject's Kafkian metamorphosis, but renders reality vulgar, making it acceptable through both similarity and integration. Self-portrait and Selfi e are thus the ancestral mechanisms of self-preservation. Its origin derives from narcissistic mechanisms that require a continuous desire to stand out socially. However, while the pictorial self-portrait translates into epistemic valuation of its author, Selfi e delights in the vulgarization of the repetitive and banal gesture.
ARTis ON, 2018
This essay focus on the impact of contemporary practices of self representation, also known as se... more This essay focus on the impact of contemporary practices of self representation, also known as selfie, in the traditional forms of fruition of the artistic object. The many transformations of the ontological role of the artistic object, resulting in the last decade from the appearance of new concepts of “visual conviviality” have led us to read again the famous essay by Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. In fact, behind the phenomenon the recurring Selfiesation of the world we witness a clear injunction of the subject/observer on the «aura» and power of the artistic object. This clear desacralisation promotes the symbolic empowerment of the subject in detriment of the «aura» of the artistic object, changing its nature and bringing us to the unconscious arenas the social swarms do represent. This fact has led to the resurgence of threatening phenomena of denunciation of “degenerative art” under a growing and overwhelming aesthetic hygienism.
ARTis ON, 2018
RESUMO Este ensaio pretende analisar o impacto das coetâneas práticas de auto-representação, vulg... more RESUMO Este ensaio pretende analisar o impacto das coetâneas práticas de auto-representação, vulgo selfie, nas tradicionais formas de fruição do objecto artístico. As inúmeras transformações do papel ontológico do objecto artístico, decorrentes, na última década, do surgimento de novos conceitos de "socialização visual", obrigam a uma releitura do célebre ensaio de Walter Benjamin, A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica. Com efeito, por detrás do fenómeno que a recorrente selfiezação do mundo impõe, assiste-se hoje a uma clara injunção do sujeito/observador sobre a «aura» e poder do objecto artístico. Esta notória dessacralização promove o empoderamento icónico do sujeito em detrimento da «aura» do objecto artístico, descaracterizando-o e remetendo-o para as inconscientes arenas que os enxames sociais representam. Este facto, tem motivado o ressurgimento de ameaçadores fenómenos de denuncia de "arte degenerada", promovidos por um renovado e avassalador higienismo estético.
ABSTRACT This essay focus on the impact of contemporary practices of self-representation, also known as selfie, in the traditional forms of fruition of the artistic object. The many transformations of the ontological role of the artistic object, resulting in the last decade from the appearance of new concepts of "visual conviviality" have led us to read again the famous essay by Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. In fact, behind the phenomenon the recurring Selfiesation of the world we witness a clear injunction of the subject/observer on the «aura» and power of the artistic object. This clear desacralisation promotes the symbolic empowerment of the subject in detriment of the «aura» of the artistic object, changing its nature and bringing us to the unconscious arenas the social swarms do represent. This fact has led to the resurgence of threatening phenomena of denunciation of "degenerative art" under a growing and overwhelming aesthetic hygienism.
ARTIS Revista de História da Arte e Ciências do Património, 2017
Atribuída ao intervalo cronológico compreendido entre 1450-1550, a designação «Primitivos Portugu... more Atribuída ao intervalo cronológico compreendido entre 1450-1550, a designação «Primitivos Portugueses» corresponde a uma disforme percepção do tecido oficinal quatrocentista, fundeada estrictamente em conceitos estilocêntricos e com epicentro em Itália. Este equivoco historicista, determina a reconfiguração de todas as manifestações periféricas enquanto corrupções, provincializações e primitivismos. A abordagem dos praxiemas evidenciados através dos traços inconfundíveis da Scientia Pictórica, linguagem epistémica plenamente difundida na terceira década do século XV, revela um quadro distinto. A dimensão pan-europeia dessa semântica artística, claro indício de uma internacionalização do cientificismo Renascentista, manifesta-se em duas dimensões incontornáveis: na mimesis óptica flamenga e na perspectiva artificialis italiana. Detentores de timemarks relevantes, como o encómio de Bracciolini à epopeia matemático/atlântica nacional, ou da viagem do celebrado diplomata/pintor Jan Van Eyck à corte Avisina, propomos olhar em profundidade para uma questão em aberto na historiografia da arte nacional, o fosso cronológico e tipológico em torno da mítica «Escola Portuguesa».
The term «Primitive Portuguese» dates back to the period between 1450 and 1550 and corresponds to a deformed perception of the fifteen century arts and crafts fabric, strictly based on style-centred concepts as it was commonplace in Italy at the time. This historicist misconception determined the reshaping of all peripheral art forms seen as corruptions, parochialisations and primitivisms. The praxiemas approach, highlighted in the undeniable traits of the Scientia Pictórica, a widespread epistemic language in the third decade of the 15th century, show however a different picture. The pan-European dimension of the artistic semantics, a clear sign of the internationalisation of the Renaissance scientificism, is clearly there in the following dimensions: in the Flemish optic mimesis and in the Italian perspectiva artificialis. Taking into account relevant timemarks such as the Bracciolini’s eulogy on the Portuguese mathematic/ atlantic epic journey, or the visit of the famed diplomat/painter Jan Van Eyck to the Portuguese Avis court, we hereby propose a deeper look on an open question as regards the historiography of Portuguese art, e.g. the chronological and typological gap on the mythic «Portuguese School ».
Art & Perception, 2017
In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he propose... more In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he proposed an abyssal breakthrough in the Euclidean conceptualisation of the universe, marked by a geometric and iconic semiology of space and his genuine and true fractal facet. In the introduction, Mandelbrot asks the reader the same question as to the Euclidian aridity of nature previously formulated by Vasari, «Why is geometry often described as " cold " and " dry? " ». His response precisely illustrates the " Mannerist " dimension of nature by failing to submissively abide with the " Euclidinisation " of universal geometry. The fractal geometry thus formalises the materialisation of around a century of sparse contributions and take its place with a renewed heuristic formula within the scope of mathematics itself. But is this visual intuition of the world, really innovative and original? Western art witnessed a brief and apparent visual dysfunction regarding the absolute mimesis of the real after the first decade of 1500. The Mannerist composition arises out of a collapsed imago-mundi in which the seminal structures that served to organise the mental image of the universe underwent conversion into disruptive and chaotic formulations. The Ars Naturans, draws on a morphological "drunkenness" for its spatial restlessness and disquietude and, in this apparent compositional chaos, finds a full match between creative impulses and a chaotic and disruptive view of nature. This singularity requires an approach in accordance with its real dimension, i.e., as a phenomenon that overlaps and anticipates irregular morphological patterns and displays from intuitive and non-conceptual spheres.
ARTis ON, Dec 18, 2015
A dimensão universal de Francisco de Holanda constitui facto incontestável. Face ao axioma, urge ... more A dimensão universal de Francisco de Holanda constitui facto incontestável. Face ao axioma, urge libertar a visão de constrangimentos e miopias na análise do homem real, distante da mitificação histórica e teórica formulada nas multiplas páginas que a sua proficua tratadística originou. Holanda vincula-se conscientemente ao papel do génio maneirista, cujo desprendimento teórico não constitui óbice à formulação artística, antes pelo contrário. No entanto, este posicionamento dificilmente se enquadra com a estrutura teórica dos multiplos tratados e manifestos que compôs. A Idea, imagem pura e liberta de quaisquer constrangimentos assumirá papel preponderante no ideário maneirista, constituindo o seu abnegado anticlassicismo, verdadeiro libelo contestatário contra a crescente cientificação da arte. Do seu confronto com este universo dissonante - de génio multisciente à singularidade de génio criador - Holanda irá conjugar em si duas paradoxais dimensões: Um simulacro de erudição em clara oposição à Terribilitá deformante e irreverente do espirito maneirista.
The universal dimension of Francisco de Holanda is an undisputed fact. In view of this axiom, there is an urgent need to free our vision from contraints and shortsightedness in our analysis of the real man, far from the historical and theoretical myth-making formulated in the many pages to which his fruitful writing of treatises gave rise. Holanda consciously associates himself with the role of Mannerist genius, whose detachment from theory presents no hindrance to artistic formulation – quite the reverse. Nonetheless, this posture is hard to square with the theoretical structure of the many treatises and manifestos that he produced. The Idea, a pure image free from any constraints, was to take on a preponderant role in the Mannerist set of ideas, with its self-denying anti-Classicism constituting a real insurrectionist challenge against the growing scientification of art. From his encounter with this discordant universe – from all-knowing genius to the uniqueness of the creative genius – Holanda was to combine within himself two paradoxical dimensions: a simulacrum of erudition, in clear opposition to the deforming and irreverent Terribilità of the Mannerist spirit.
Conference Presentations by Vasco Nuno Medeiros
Da Traça à Edificação - A Arquitetura dos Séculos XV e XVI em Portugal e na Europa, Nov 20, 2017
A relação entre conhecimento prático e teórico, entendido habitualmente como um dos motores da re... more A relação entre conhecimento prático e teórico, entendido habitualmente como um dos motores da revolução cientifica tem sido alvo de recente reavaliação. O aumento gradual do foco nos processos experimentais estabelecidos entre conhecimento e «praxis», constitui disso um claro exemplo. Uma das estruturas sociais onde mais se evidencia esse sincretismo convergente será sem dúvida constituída por Mestres de Obras, Artistas e Arquitectos. Esta divisão que propomos não será por certo inocente. A complexa harmonização entre distintas valências no universo da arquitectura originou três campos de especulação cuja incidência importa elencar: desenvolvimento de práticas modelares, construtivas e operativas; desenvolvimento programático de estilemas; desenvolvimento de sistemas teórico/matemáticos e geométricos. A própria dicotomia semântica em torno da designação «Arquitecto», manifesta claramente esta divisão tipológica, dando origem a três grupos distintos com enfoques sociais e preocupações díspares: Mestres construtores de vocação empírica e corporativista; Arquitectos artistas de vocação estética e experimental; Arquitectos matemáticos de vocação exclusivamente teórica. / The relationship between practical and theoretical knowledge, usually taken as one of the engines of the scientific revolution, has been the subject of a recent revaluation. The gradual increase of focus on the experimental processes established between knowledge and 'praxis' is a clear example of this. One of the social structures where this convergent syncretism is most evident is formed by Master Builders, Artists and Architects. This division we propose is not by any means innocent. The complex harmonization between different skills in the universe of architecture lead to three fields of speculation whose focus is important: development of modelling, constructive and operative practices; programmatic development of formulas; development of theoretical / mathematical and geometric systems. The very semantic dichotomy surrounding the designation "Architect" is a clear proof of this typological division, giving rise to three different groups with particular social focuses and concerns: Master builders of empirical and corporatist vocation; Artist architects with aesthetic and experimental vocation; Mathematical architects of exclusively theoretical vocation.
Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva Im... more Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva Imago doctrine. In 1474, Piero della Francesca developed the anthropographic and geometric-mathematical concept of human representation in the De Prospectiva Pingendi treatise. From the superimposition of these two doctrines, the modern portrait was thus born, later theorised by Francisco de Holanda in 1549, well aware however of the fact that making a portrait requires more than proportion and similarity…
Operari sequitur esse? Leonardo e as dinâmicas epistémicas na Europa dos séculos XV e XVI. , 2019
Inúmeros autores têm contribuído, ao longo dos séculos, para a instauração de um mito em torno da... more Inúmeros autores têm contribuído, ao longo dos séculos, para a instauração de um mito em torno da personalidade de Leonardo da Vinci, intensificando de sobremaneira uma percepção desviante da sua verdade histórica. Paul Valéry constitui um desses casos, ao considerar que Leonardo ocupa um solitário papel na laboriosa dissecação da machina do mundo que ao longo dos séculos XV e XVI constituiu as fundações da idade moderna e do habitual equivoco historicista apelidado de “Renascimento”. Na sua Introdução ao Método de Leonardo da Vinci, Valéry prefigura o cúmulo de alguém, que face à natureza equívoca da personagem, sucumbe a uma hiperbólica caracterização das suas obras: “Alguns trabalhos de índole científica, por exemplo, e muito especialmente os de matemática, apresentam uma tal limpidez de organização que até parecem obra de ninguém. São algo de inumano” (Valéry, 2005, pp. 13 - 16). Acontece, na verdade, que os textos consagrados por Leonardo à matemática, ocupam uma ínfima parte de todo o corpus tratadístico que produziu e limitam-se a emular questões amplamente debatidas nos círculos de erudição coetâneos. Confrontado com este flagrante desvio à verdade histórica, André Chastel fala da criação de um «mito Leonardiano» de contornos claramente esotéricos e Freudianos como modo de conferir a uma subtil e evasiva personalidade artística, a consistência e a coerência dos heróis novelescos. Será esta a génese, na sua opinião, daquilo que classifica como os diversos desenvolvimentos naïfs da lenda de Leonardo: o mago; o necromante; o sábio que tudo antecipa; o técnico que tudo realiza; o artista maldito, etc. (Vinci, 1987, p. 5). O equivoco mais habitual, refere-se precisamente ao facto de Leonardo, dotado de um espírito inquisitivo único na história da humanidade, ter constituído o principal motor do renascimento e da subsequente revolução científica. Esta flagrante ausência de todo e qualquer enquadramento prévio capaz de o explicar do ponto de vista de uma fenomenologia cultural, isola o homem histórico do seu próprio vínculo cronológico; mais, isola-o da sua própria humanidade, tornando sobrenatural um fenómeno perfeitamente inteligível no seu lapso vivencial.
Seguindo a formulação de Ernst Cassirer, «Não podemos entender uma obra de arte sem em certa medi... more Seguindo a formulação de Ernst Cassirer, «Não podemos entender uma obra de arte sem em certa medida, repetir e reconstruir o processo criador por que veio à existência» (Cassirer 1995, 131), procuramos circunscrever o acto criativo como fenómeno Eidopoietico singular, onde praxis e ciência ocupam lugar cimeiro na formulação do sujeito semântico da obra. Sendo os artistas permeáveis aos sistemas tecnológicos preexistentes ao seu «fazer» artístico, importa redefinir o papel da ciência nessa plena afirmação e o processo em que a mesma, introduzida no atelier do artista, o transmuta em espaço de análise e experimentação. Seguindo uma vez mais Cassirer, a ciência como abstração representa quase sempre um empobrecimento da realidade, vinculando artistas e o seu processo criativo a uma bipolar e inescapável realidade, i.e, a concepção da praxis como um claro manifesto ciclotímico, antagónico e radical do par arte/ciência. A simples conjugação destas duas fronteiras remete-nos para a unificação de dois opostos míticos, um conceito de ordem absoluta, materializado na visão científica do mundo como expressão de uma mathesis universalis e o seu oposto, o caos, associado à expressividade ditirâmbica da natureza. Da Deposição de Rosso Fiorentino, à Transfiguração de Rafael, reconhecemos claramente o perfil dos padrões de imprevisibilidade e imperfeição da natureza, ocultos na ordem disfarçada dos conjuntos de Mandelbrot. Constatamos estar perante um pensamento circular, nítido reverbero histórico em que claramente a ciência se configura como imitadora póstera da arte.
In the words of Ernst Cassirer, “We cannot understand a work of art without, to a certain degree, repeating and reconstructing the creative process by which it has come into being”, we seek to circumscribe the creative act as a singular Eidopoietic phenomenon, where praxis and science take the lead in formulating the work's semantic subject. Since artists are susceptible to the technological systems in existence at the time of their artistic “making”, it is important to redefine the role of science in this full expression and the process by which science, when introduced into the artist's workshop, transforms it into a place of analysis and experimentation. Following Cassirer once again, science as an abstraction almost always represents an impoverishment of reality, binding artists and their creative process to a bipolar and inescapable reality, i.e. the conception of praxis as a clearly cyclothymic, antagonical and radical exemplar of the art/science duality. The simple conjugation of these two frontiers brings us to the unification of the two mythical opposites: a concept of absolute order, embodied in the scientific vision of the world as the expression of a mathesis universalis, and its opposite, chaos, associated with the dithyrambic expressivity of nature. From the Deposition of Rosso Fiorentino to Raphael's Transfiguration, we can clearly recognise the future outline of the unpredictable and imperfect patterns of nature, hidden in the order of Mandelbrot sets. We find that we are seeing thought double back on itself: a precise historical echo in which science takes the form of a later imitator of art.
Art, in its innate expressivity, is conditioned by complex forms, being articulated fundamentally... more Art, in its innate expressivity, is conditioned by complex forms, being articulated fundamentally by the acts of projecting and doing that are themselves moulded by pre-existing technological systems. How did this poiesis manifest itself on the formal level?
Falar de Perspectiva e de geometria é, seguramente tarefa complexa e armadilhada na sua génese e ... more Falar de Perspectiva e de geometria é, seguramente tarefa complexa e armadilhada na sua génese e semântica multidisciplinar. Desde logo pelo facto de estas disciplinas se encontrarem disseminadas em múltiplas e aparentemente díspares areas de estudo, desconexas e distantes entre si, constituindo centros e periferias, onde factos preponderantes para a compreensão da problemática global se encontram fragmentados em multiplos dialectos, tais como como a geometria descritiva, a matemática, a história da ciência, a história da arte, a teoria da arte e a filosofia. Esta realidade obriga o assumido entusiasta da disciplina a multiplicar-se em distintas formas de ver e pensar, assimilando e traduzindo múltiplos idiomas para uma linguagem comum e unitária. Mesmo no restrito campo da história da arte, esta inerente complexidade obriga a uma forçosa transversalidade, desde as chamadas artes «maiores» até aquelas injustamente apelidadas de «menores». Todas as conclusões sumáriamente elencadas, permitem a precoce invocação de um principio conceptual que cremos tutelar desta plural e disseminada realidade, i.e, a geometria a matemática e a perspectiva aplicadas às artes, invocam uma vertiginosa hiperdisciplinaridade, face ao interminável e abismático fluxo relacional que estabelecem em permanência. Confrontamo-nos portanto com elementos estruturais comprometidos muito mais com uma global história cultural do que com a óbvia restrição tópica que a história da arte circunscreve. Mas esta constatação, apenas serve o propósito de invocar a nitida e subliminar relevância que a arte constitui na própria edificação de uma omnisciência universal, mediada na sua capacidade de traduzir e compreender o mundo em reverbos e linguagens perenes, permanentemente em revolução. Para contermos estas linguagens em padrões estáveis e percepcionaveis, torna-se fundamental determinar três fronteiras essênciais para o entendimento cabal do impacto que a matemática, a geometria e o advento do espaço pictórico implicaram na sociedade moderna até à contemporaneidade. Dividiremos portanto esta breve apresentação em três areas estruturais, constituidas por intervalos temporais cujos limites encerram um simbolismo particular: 1) Um Intervalo Filosófico entre 1486 e 1887 2) Um intervalo Ciêntifico entre 1300 e 1650 3) Um intervalo interno respeitante ao caso Português, situado entre 1470 e 1590.
1 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm. Editora Vega. 2012. P. 103. Lisboa. 2 Segund... more 1 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm. Editora Vega. 2012. P. 103. Lisboa. 2 Segundo os mitógrafos, Linceu teria sido o primeiro mineiro, por ver através da terra os filões de metal, e os trazer à superficie, assim como, veria através das pranchas de carvalho. Para desenvolvimentos, vide, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, de Pierre Grimal. 3 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm.
Iconopoiese e a contradição latente na conjugação dos antagónicos pares -arte e ciência. A arte, ... more Iconopoiese e a contradição latente na conjugação dos antagónicos pares -arte e ciência. A arte, na sua expressividade ingénita, encontra-se condicionada e espartilhada por formas complexas e imagens (Ícone) que se articulam com um fazer, construir e projectar (Poiesis), sujeitos às condicionantes de um sistema tecnológico pré-existente. Como se manifesta no plano concreto esta poiésis e no que consiste? Cerceada que está entre a capacidade analítica da imagem pura e sua subsequente interpretação simbólica, muito da significação intrínseca à obra, pelo acto operativo que a produz, perde-se. Este "Dilema do visível", conforme definiu George Didi-Huberman, para quem a tradição "Iconológica" não basta para circunscrever a arte, conduzir-nos-á ao cerne da nossa questão.
The relations of man with the world are fundamentally visual. From the tiniest atom to the reddis... more The relations of man with the world are fundamentally visual. From the tiniest atom to the reddish plains of Mars, the overwhelming need comprehend visually illustrates the immutable semiotic relationship that man establishes with the universe. It is through the appropriation of images that man constructs and builds up a plural, complex and productive vision of the cosmos. The mechanisms for the interpretation and affiliation of reality depend intrinsically on this direct link to the world of the senses and above all on its translation into philosophical propositions.
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História da Arte, 2020
Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradig... more Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradigmática dimensão modelar do artista enquanto homem de cultura e de ciência, inaugurando desta forma a génese de um criador muito mais próximo do arquétipo do cientista do que do tradicional artesão. As raízes estruturais desse modelar artista, educado tanto quanto possível em todas as artes liberais, mas fundamentalmente na matemática e na geometria, contaminará doravante todo o discurso tratadístico. Lorenzo Ghiberti, em 1447, proclamará nos seus Commentarii, a escultura e a pintura, como “scientia di più discipline”, preconizando aos seus cultores o domínio de todas as artes liberais, de entre as quais destaca a perspectiva, a geometria, a anatomia e a aritmética. No mesmo sentido, Leonardo advertirá aos leitores do seu Trattato della Pittura, “Nom mi legga, chi non è matemático”, contribuindo para uma progressiva matematização da realidade pictórica. Nascerá desta forma uma disciplina complexa e multidisciplinar designada como Scientia Pictórica. Este inovador paradigma epistemológico será responsável pela introdução no universo dialectal e tradicional do ensino das artes de uma renovada e óbvia problemática, i.e., uma necessidade extrema de reformular os espaços de laboração e os processos de ensino e instrução, transpondo-os de um receituário exclusivamente artesanal, para uma complexidade teórica e polímata. O seu objectivo último será a demanda de uma absoluta mimésis gnosiológica da natureza. Ao longo deste estudo, mostrar-se-á como esta Scientia nasceu precisamente da concatenação de dois discursos visuais distintos: por um lado, através da meticulosa mimésis setentrional, composta por inúmeros fragmentos ópticos e especulares do quotidiano, sistematicamente compostos num simulacro de universo espacial implausível; por outro, através do meridional conceito espácio-temporal matemático e unitário que a intersegazione della piramide visiva Albertiana inaugurou. Esta tese procura assim reinterpretar o debate histórico sobre o estatuto científico da pintura, procedendo-se para o efeito a uma reorganização e reinterpretação teórica no âmbito estrutural das revoluções científicas, aferindo para tal os inconfundíveis traços identitários que uma Iconopoiesis de marcado pendor cientificante induz, i.e., ópticos e matemáticos. Mostrar-se-á como a Scientia Pictórica será indutora de uma alteração definitiva dos padrões gremiais instituídos, promovendo a elevação estatutária dos artistas e contribuindo inegavelmente para a configuração processual de um identitário «fazer» artístico.
In 1435, Leon Battista Alberti published the treatise De Pictura, in which he introduced a new and paradigmatic dimension to the model of an artist as a man of culture and science, thus giving rise to an idea of the creator that is much closer to the archetype of the scientist than of the traditional artisan. The structural roots of this model artist, educated as much as possible in all the liberal arts, but fundamentally in mathematics and geometry, was henceforth to infiltrate the whole discourse of the treatise. Lorenzo Ghiberti, in his Commentarii, was in 1447 to proclaim that sculpture and painting, as “scientia di più discipline”, called for their disciples to master all the liberal arts, and in particular perspective, geometry, anatomy and arithmetic. In the same way, Leonardo was to warn readers of his Trattato della Pittura that “Nom mi legga, chi non è matemático”, thus contributing to the progressive mathematisation of pictorial reality. In this way a complex and multifacted discipline was to emerge, designated Scientia Pictórica, that was a genuine epistemological paradigm, introducing into the dialectical and traditional world of the teaching of the arts new and obvious problems, i.e. an acute need to reformulate working spaces and the processes of teaching and instruction, turning them from an exclusively artisanal set of prescriptions into a theoretical and polymathic complexity, with a view to an absolute gnoseological mimésis of nature. In this study, it will be shown how this Scientia was born precisely from the concatenation of two distinct visual discourses: on one hand, the meticulous northern mimésis, composed of innumerable optical and mirror fragments of the everyday, meticulously composed in a simulacrum of an implausible spacial universe; on the other, the southern concept of mathematical and unitary space-time that was ushered in by the Albertian intersegazione della piramide visiva. This thesis seeks to reinterpret the historical debate about the scientific status of painting by means of a reorganisation and theoretical reinterpretation of the structural ambit of scientific revolutions gauging in the process the unmistakeable traces of identity that are induced by an Iconopoiesis with a marked scientising tendency, i.e. optics and mathematics. It will be shown how Scientia Pictórica was to have a direct impact on the theoretical and practical diffusion, prompting a definitive change in established professional patterns, promoting the elevation of artists' status and undeniably contributing to the procedural configuration of identity-shaping artistic “doing”.
Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor no ramo de História, na especialidade de História da Arte, 2020
Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradig... more Em 1435, Leon Battista Alberti, publicou o tratado De Pictura, onde introduziu uma nova e paradigmática dimensão modelar do artista enquanto homem de cultura e de ciência, inaugurando desta forma a génese de um criador muito mais próximo do arquétipo do cientista do que do tradicional artesão. As raízes estruturais desse modelar artista, educado tanto quanto possível em todas as artes liberais, mas fundamentalmente na matemática e na geometria, contaminará doravante todo o discurso tratadístico. Lorenzo Ghiberti, em 1447, proclamará nos seus Commentarii, a escultura e a pintura, como “scientia di più discipline”, preconizando aos seus cultores o domínio de todas as artes liberais, de entre as quais destaca a perspectiva, a geometria, a anatomia e a aritmética. No mesmo sentido, Leonardo advertirá aos leitores do seu Trattato della Pittura, “Nom mi legga, chi non è matemático”, contribuindo para uma progressiva matematização da realidade pictórica. Nascerá desta forma uma disciplina complexa e multidisciplinar designada como Scientia Pictórica. Este inovador paradigma epistemológico será responsável pela introdução no universo dialectal e tradicional do ensino das artes de uma renovada e óbvia problemática, i.e., uma necessidade extrema de reformular os espaços de laboração e os processos de ensino e instrução, transpondo-os de um receituário exclusivamente artesanal, para uma complexidade teórica e polímata. O seu objectivo último será a demanda de uma absoluta mimésis gnosiológica da natureza. Ao longo deste estudo, mostrar-se-á como esta Scientia nasceu precisamente da concatenação de dois discursos visuais distintos: por um lado, através da meticulosa mimésis setentrional, composta por inúmeros fragmentos ópticos e especulares do quotidiano, sistematicamente compostos num simulacro de universo espacial implausível; por outro, através do meridional conceito espácio-temporal matemático e unitário que a intersegazione della piramide visiva Albertiana inaugurou. Esta tese procura assim reinterpretar o debate histórico sobre o estatuto científico da pintura, procedendo-se para o efeito a uma reorganização e reinterpretação teórica no âmbito estrutural das revoluções científicas, aferindo para tal os inconfundíveis traços identitários que uma Iconopoiesis de marcado pendor cientificante induz, i.e., ópticos e matemáticos. Mostrar-se-á como a Scientia Pictórica será indutora de uma alteração definitiva dos padrões gremiais instituídos, promovendo a elevação estatutária dos artistas e contribuindo inegavelmente para a configuração processual de um identitário «fazer» artístico.
In 1435, Leon Battista Alberti published the treatise De Pictura, in which he introduced a new and paradigmatic dimension to the model of an artist as a man of culture and science, thus giving rise to an idea of the creator that is much closer to the archetype of the scientist than of the traditional artisan. The structural roots of this model artist, educated as much as possible in all the liberal arts, but fundamentally in mathematics and geometry, was henceforth to infiltrate the whole discourse of the treatise. Lorenzo Ghiberti, in his Commentarii, was in 1447 to proclaim that sculpture and painting, as “scientia di più discipline”, called for their disciples to master all the liberal arts, and in particular perspective, geometry, anatomy and arithmetic. In the same way, Leonardo was to warn readers of his Trattato della Pittura that “Nom mi legga, chi non è matemático”, thus contributing to the progressive mathematisation of pictorial reality. In this way a complex and multifacted discipline was to emerge, designated Scientia Pictórica, that was a genuine epistemological paradigm, introducing into the dialectical and traditional world of the teaching of the arts new and obvious problems, i.e. an acute need to reformulate working spaces and the processes of teaching and instruction, turning them from an exclusively artisanal set of prescriptions into a theoretical and polymathic complexity, with a view to an absolute gnoseological mimésis of nature. In this study, it will be shown how this Scientia was born precisely from the concatenation of two distinct visual discourses: on one hand, the meticulous northern mimésis, composed of innumerable optical and mirror fragments of the everyday, meticulously composed in a simulacrum of an implausible spacial universe; on the other, the southern concept of mathematical and unitary space-time that was ushered in by the Albertian intersegazione della piramide visiva. This thesis seeks to reinterpret the historical debate about the scientific status of painting by means of a reorganisation and theoretical reinterpretation of the structural ambit of scientific revolutions gauging in the process the unmistakeable traces of identity that are induced by an Iconopoiesis with a marked scientising tendency, i.e. optics and mathematics. It will be shown how Scientia Pictórica was to have a direct impact on the theoretical and practical diffusion, prompting a definitive change in established professional patterns, promoting the elevation of artists' status and undeniably contributing to the procedural configuration of identity-shaping artistic “doing”.
Belas Artes - Revista e Boletim - Academia Nacional de Belas Artes, 2024
Na década de noventa do século XV Leonardo da Vinci concluiu os primeiros cadernos do Codex Urbin... more Na década de noventa do século XV Leonardo da Vinci concluiu os primeiros cadernos do Codex Urbinas caracterizando pela primeira vez a pintura enquanto ciência: «A ciência da pintura compreende todas as cores da superfície e as figuras dos corpos cobertas com elas, e a sua proximidade e afastamento, segundo a proporção entre as diferentes diminuições e as diferentes distâncias (…)». Note-se, porém, que em finais do século XV o processo de cientificação da pintura contava já com meio século de lenta e progressiva edificação. Este, iniciou-se na década de trinta com Jan van Eyck e a criação da óptica pictórica e com Leon Battista Alberti e a teorização da perspectiva artificial. Também a pintura quinhentista portuguesa, erradamente apelidada «Primitiva», reúne em si toda uma série de características e evidências que importa conhecer e desvendar e que a equiparam técnica e cronologicamente com a vanguarda da pintura cientificada europeia.
Art is on, Dec 27, 2022
Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso nu... more Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso num impressivo mutismo, existem porém, caminhos de genuína singularidade que não foram ainda percorridos. Será o caso da ligação entre a doutrina da Viva Imago de Nicolau de Cusa e o olhar frontal de parte das personagens nele representadas. A dimensão intelectual de Nicolau de Cusa é hoje indissociável do desenvolvimento científico e artístico do Quattrocento: paralelamente às referências directas a Rogier van der Weyden, sabe-se também que Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli e Andrea de Bussi terão orbitado a sua esfera pessoal. O facto de Fernando Martins ter sido seu secretário entre 1458 e 1464, integra-o precisamente no âmago desta rede de amicizia artístico-científica. O seu regresso ao reino após a morte do cardeal no preciso momento de concepção do políptico constitui uma notável coincidência. Uma hipotética acção interventiva no programa pictórico torna-se assim, mais do que um elemento factual, um apelo irresistível.
ARTis ON, 2022
Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso nu... more Encerrado sob enigmáticas premissas iconográficas, o políptico de São Vicente permanece emerso num impressivo mutismo, existem porém, caminhos de genuína singularidade que não foram ainda percorridos. Será o caso da ligação entre a doutrina da Viva Imago de Nicolau de Cusa e o olhar frontal de parte das personagens nele representadas. A dimensão intelectual de Nicolau de Cusa é hoje indissociável do desenvolvimento científico e artístico do Quattrocento: paralelamente às referências directas a Rogier van der Weyden, sabe-se também que Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli e Andrea de Bussi terão orbitado a sua esfera pessoal. O facto de Fernando Martins ter sido seu secretário entre 1458 e 1464, integra-o precisamente no âmago desta rede de amicizia artístico-científica. O seu regresso ao reino após a morte do cardeal no preciso momento de concepção do políptico constitui uma notável coincidência. Uma hipotética acção interventiva no programa pictórico torna-se assim, mais do que um elemento factual, um apelo irresistível.
Closed in enigmatic iconographic premises, São Vicente's polyptic remains immersed for over a century in an impressive muteness, but there are however paths of genuine uniqueness that have not yet been travelled. This will be the case of the connection between the doctrine of Viva Imago by Nicolau de Cusa and the aulic frontality of the characters represented. The intellectual dimension of someone like Nicolau de Cusa is today obscured and secondary, but his relevance for the scientific and artistic development of the Quattrocento is an immovable axiom: along with his direct references to Rogier van der Weyden; we know that Leon Battista Alberti, Paolo Toscanelli and Andrea de Bussi are known to have orbited his personal sphere. The fact that Fernando Martins was his secretary between 1458 and 1464, places him precisely at the heart of this network of artistic-scientific amicizia. His return to the kingdom a few years after the death of the German Cardinal allows him to be placed at the centre of the pictorial action of the famous polyptic. Intervention in the pictorial program of the panels is more than a factual element, it's an irresistible appeal.
ARTis ON, 2020
The analogy between the myth of Narcissus, referred to as the intrinsic symbol of painting by Leo... more The analogy between the myth of Narcissus, referred to as the intrinsic symbol of painting by Leon Battista Alberti; the typological value of self-portrait as an ontological and statutory reference; its value while metamorphosis of reality; and the self-representative phenomenon that Selfi e translates-all this has to be established and requires due consideration. When dwelling on the contemporary Selfi e we need to consider also the salvifi c dimension of this kind of self-representation mechanisms that have always been there. The value of image while self-awareness mechanism compels us to question the fi eld of action where it is far more active-on social media. Its immanence is a true narcissistic affl iction. The intrinsic and immediate value of image thus overlaps sign and word. The mechanisms of self-contemplation thus produced translate into a clear ontological impoverishment of reality. The Selfi e does not prevent the subject's Kafkian metamorphosis, but renders reality vulgar, making it acceptable through both similarity and integration. Self-portrait and Selfi e are thus the ancestral mechanisms of self-preservation. Its origin derives from narcissistic mechanisms that require a continuous desire to stand out socially. However, while the pictorial self-portrait translates into epistemic valuation of its author, Selfi e delights in the vulgarization of the repetitive and banal gesture.
ARTis ON, 2018
This essay focus on the impact of contemporary practices of self representation, also known as se... more This essay focus on the impact of contemporary practices of self representation, also known as selfie, in the traditional forms of fruition of the artistic object. The many transformations of the ontological role of the artistic object, resulting in the last decade from the appearance of new concepts of “visual conviviality” have led us to read again the famous essay by Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. In fact, behind the phenomenon the recurring Selfiesation of the world we witness a clear injunction of the subject/observer on the «aura» and power of the artistic object. This clear desacralisation promotes the symbolic empowerment of the subject in detriment of the «aura» of the artistic object, changing its nature and bringing us to the unconscious arenas the social swarms do represent. This fact has led to the resurgence of threatening phenomena of denunciation of “degenerative art” under a growing and overwhelming aesthetic hygienism.
ARTis ON, 2018
RESUMO Este ensaio pretende analisar o impacto das coetâneas práticas de auto-representação, vulg... more RESUMO Este ensaio pretende analisar o impacto das coetâneas práticas de auto-representação, vulgo selfie, nas tradicionais formas de fruição do objecto artístico. As inúmeras transformações do papel ontológico do objecto artístico, decorrentes, na última década, do surgimento de novos conceitos de "socialização visual", obrigam a uma releitura do célebre ensaio de Walter Benjamin, A Obra de Arte na Era da Sua Reprodutibilidade Técnica. Com efeito, por detrás do fenómeno que a recorrente selfiezação do mundo impõe, assiste-se hoje a uma clara injunção do sujeito/observador sobre a «aura» e poder do objecto artístico. Esta notória dessacralização promove o empoderamento icónico do sujeito em detrimento da «aura» do objecto artístico, descaracterizando-o e remetendo-o para as inconscientes arenas que os enxames sociais representam. Este facto, tem motivado o ressurgimento de ameaçadores fenómenos de denuncia de "arte degenerada", promovidos por um renovado e avassalador higienismo estético.
ABSTRACT This essay focus on the impact of contemporary practices of self-representation, also known as selfie, in the traditional forms of fruition of the artistic object. The many transformations of the ontological role of the artistic object, resulting in the last decade from the appearance of new concepts of "visual conviviality" have led us to read again the famous essay by Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction. In fact, behind the phenomenon the recurring Selfiesation of the world we witness a clear injunction of the subject/observer on the «aura» and power of the artistic object. This clear desacralisation promotes the symbolic empowerment of the subject in detriment of the «aura» of the artistic object, changing its nature and bringing us to the unconscious arenas the social swarms do represent. This fact has led to the resurgence of threatening phenomena of denunciation of "degenerative art" under a growing and overwhelming aesthetic hygienism.
ARTIS Revista de História da Arte e Ciências do Património, 2017
Atribuída ao intervalo cronológico compreendido entre 1450-1550, a designação «Primitivos Portugu... more Atribuída ao intervalo cronológico compreendido entre 1450-1550, a designação «Primitivos Portugueses» corresponde a uma disforme percepção do tecido oficinal quatrocentista, fundeada estrictamente em conceitos estilocêntricos e com epicentro em Itália. Este equivoco historicista, determina a reconfiguração de todas as manifestações periféricas enquanto corrupções, provincializações e primitivismos. A abordagem dos praxiemas evidenciados através dos traços inconfundíveis da Scientia Pictórica, linguagem epistémica plenamente difundida na terceira década do século XV, revela um quadro distinto. A dimensão pan-europeia dessa semântica artística, claro indício de uma internacionalização do cientificismo Renascentista, manifesta-se em duas dimensões incontornáveis: na mimesis óptica flamenga e na perspectiva artificialis italiana. Detentores de timemarks relevantes, como o encómio de Bracciolini à epopeia matemático/atlântica nacional, ou da viagem do celebrado diplomata/pintor Jan Van Eyck à corte Avisina, propomos olhar em profundidade para uma questão em aberto na historiografia da arte nacional, o fosso cronológico e tipológico em torno da mítica «Escola Portuguesa».
The term «Primitive Portuguese» dates back to the period between 1450 and 1550 and corresponds to a deformed perception of the fifteen century arts and crafts fabric, strictly based on style-centred concepts as it was commonplace in Italy at the time. This historicist misconception determined the reshaping of all peripheral art forms seen as corruptions, parochialisations and primitivisms. The praxiemas approach, highlighted in the undeniable traits of the Scientia Pictórica, a widespread epistemic language in the third decade of the 15th century, show however a different picture. The pan-European dimension of the artistic semantics, a clear sign of the internationalisation of the Renaissance scientificism, is clearly there in the following dimensions: in the Flemish optic mimesis and in the Italian perspectiva artificialis. Taking into account relevant timemarks such as the Bracciolini’s eulogy on the Portuguese mathematic/ atlantic epic journey, or the visit of the famed diplomat/painter Jan Van Eyck to the Portuguese Avis court, we hereby propose a deeper look on an open question as regards the historiography of Portuguese art, e.g. the chronological and typological gap on the mythic «Portuguese School ».
Art & Perception, 2017
In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he propose... more In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he proposed an abyssal breakthrough in the Euclidean conceptualisation of the universe, marked by a geometric and iconic semiology of space and his genuine and true fractal facet. In the introduction, Mandelbrot asks the reader the same question as to the Euclidian aridity of nature previously formulated by Vasari, «Why is geometry often described as " cold " and " dry? " ». His response precisely illustrates the " Mannerist " dimension of nature by failing to submissively abide with the " Euclidinisation " of universal geometry. The fractal geometry thus formalises the materialisation of around a century of sparse contributions and take its place with a renewed heuristic formula within the scope of mathematics itself. But is this visual intuition of the world, really innovative and original? Western art witnessed a brief and apparent visual dysfunction regarding the absolute mimesis of the real after the first decade of 1500. The Mannerist composition arises out of a collapsed imago-mundi in which the seminal structures that served to organise the mental image of the universe underwent conversion into disruptive and chaotic formulations. The Ars Naturans, draws on a morphological "drunkenness" for its spatial restlessness and disquietude and, in this apparent compositional chaos, finds a full match between creative impulses and a chaotic and disruptive view of nature. This singularity requires an approach in accordance with its real dimension, i.e., as a phenomenon that overlaps and anticipates irregular morphological patterns and displays from intuitive and non-conceptual spheres.
ARTis ON, Dec 18, 2015
A dimensão universal de Francisco de Holanda constitui facto incontestável. Face ao axioma, urge ... more A dimensão universal de Francisco de Holanda constitui facto incontestável. Face ao axioma, urge libertar a visão de constrangimentos e miopias na análise do homem real, distante da mitificação histórica e teórica formulada nas multiplas páginas que a sua proficua tratadística originou. Holanda vincula-se conscientemente ao papel do génio maneirista, cujo desprendimento teórico não constitui óbice à formulação artística, antes pelo contrário. No entanto, este posicionamento dificilmente se enquadra com a estrutura teórica dos multiplos tratados e manifestos que compôs. A Idea, imagem pura e liberta de quaisquer constrangimentos assumirá papel preponderante no ideário maneirista, constituindo o seu abnegado anticlassicismo, verdadeiro libelo contestatário contra a crescente cientificação da arte. Do seu confronto com este universo dissonante - de génio multisciente à singularidade de génio criador - Holanda irá conjugar em si duas paradoxais dimensões: Um simulacro de erudição em clara oposição à Terribilitá deformante e irreverente do espirito maneirista.
The universal dimension of Francisco de Holanda is an undisputed fact. In view of this axiom, there is an urgent need to free our vision from contraints and shortsightedness in our analysis of the real man, far from the historical and theoretical myth-making formulated in the many pages to which his fruitful writing of treatises gave rise. Holanda consciously associates himself with the role of Mannerist genius, whose detachment from theory presents no hindrance to artistic formulation – quite the reverse. Nonetheless, this posture is hard to square with the theoretical structure of the many treatises and manifestos that he produced. The Idea, a pure image free from any constraints, was to take on a preponderant role in the Mannerist set of ideas, with its self-denying anti-Classicism constituting a real insurrectionist challenge against the growing scientification of art. From his encounter with this discordant universe – from all-knowing genius to the uniqueness of the creative genius – Holanda was to combine within himself two paradoxical dimensions: a simulacrum of erudition, in clear opposition to the deforming and irreverent Terribilità of the Mannerist spirit.
Da Traça à Edificação - A Arquitetura dos Séculos XV e XVI em Portugal e na Europa, Nov 20, 2017
A relação entre conhecimento prático e teórico, entendido habitualmente como um dos motores da re... more A relação entre conhecimento prático e teórico, entendido habitualmente como um dos motores da revolução cientifica tem sido alvo de recente reavaliação. O aumento gradual do foco nos processos experimentais estabelecidos entre conhecimento e «praxis», constitui disso um claro exemplo. Uma das estruturas sociais onde mais se evidencia esse sincretismo convergente será sem dúvida constituída por Mestres de Obras, Artistas e Arquitectos. Esta divisão que propomos não será por certo inocente. A complexa harmonização entre distintas valências no universo da arquitectura originou três campos de especulação cuja incidência importa elencar: desenvolvimento de práticas modelares, construtivas e operativas; desenvolvimento programático de estilemas; desenvolvimento de sistemas teórico/matemáticos e geométricos. A própria dicotomia semântica em torno da designação «Arquitecto», manifesta claramente esta divisão tipológica, dando origem a três grupos distintos com enfoques sociais e preocupações díspares: Mestres construtores de vocação empírica e corporativista; Arquitectos artistas de vocação estética e experimental; Arquitectos matemáticos de vocação exclusivamente teórica. / The relationship between practical and theoretical knowledge, usually taken as one of the engines of the scientific revolution, has been the subject of a recent revaluation. The gradual increase of focus on the experimental processes established between knowledge and 'praxis' is a clear example of this. One of the social structures where this convergent syncretism is most evident is formed by Master Builders, Artists and Architects. This division we propose is not by any means innocent. The complex harmonization between different skills in the universe of architecture lead to three fields of speculation whose focus is important: development of modelling, constructive and operative practices; programmatic development of formulas; development of theoretical / mathematical and geometric systems. The very semantic dichotomy surrounding the designation "Architect" is a clear proof of this typological division, giving rise to three different groups with particular social focuses and concerns: Master builders of empirical and corporatist vocation; Artist architects with aesthetic and experimental vocation; Mathematical architects of exclusively theoretical vocation.
Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva Im... more Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva Imago doctrine. In 1474, Piero della Francesca developed the anthropographic and geometric-mathematical concept of human representation in the De Prospectiva Pingendi treatise. From the superimposition of these two doctrines, the modern portrait was thus born, later theorised by Francisco de Holanda in 1549, well aware however of the fact that making a portrait requires more than proportion and similarity…
Operari sequitur esse? Leonardo e as dinâmicas epistémicas na Europa dos séculos XV e XVI. , 2019
Inúmeros autores têm contribuído, ao longo dos séculos, para a instauração de um mito em torno da... more Inúmeros autores têm contribuído, ao longo dos séculos, para a instauração de um mito em torno da personalidade de Leonardo da Vinci, intensificando de sobremaneira uma percepção desviante da sua verdade histórica. Paul Valéry constitui um desses casos, ao considerar que Leonardo ocupa um solitário papel na laboriosa dissecação da machina do mundo que ao longo dos séculos XV e XVI constituiu as fundações da idade moderna e do habitual equivoco historicista apelidado de “Renascimento”. Na sua Introdução ao Método de Leonardo da Vinci, Valéry prefigura o cúmulo de alguém, que face à natureza equívoca da personagem, sucumbe a uma hiperbólica caracterização das suas obras: “Alguns trabalhos de índole científica, por exemplo, e muito especialmente os de matemática, apresentam uma tal limpidez de organização que até parecem obra de ninguém. São algo de inumano” (Valéry, 2005, pp. 13 - 16). Acontece, na verdade, que os textos consagrados por Leonardo à matemática, ocupam uma ínfima parte de todo o corpus tratadístico que produziu e limitam-se a emular questões amplamente debatidas nos círculos de erudição coetâneos. Confrontado com este flagrante desvio à verdade histórica, André Chastel fala da criação de um «mito Leonardiano» de contornos claramente esotéricos e Freudianos como modo de conferir a uma subtil e evasiva personalidade artística, a consistência e a coerência dos heróis novelescos. Será esta a génese, na sua opinião, daquilo que classifica como os diversos desenvolvimentos naïfs da lenda de Leonardo: o mago; o necromante; o sábio que tudo antecipa; o técnico que tudo realiza; o artista maldito, etc. (Vinci, 1987, p. 5). O equivoco mais habitual, refere-se precisamente ao facto de Leonardo, dotado de um espírito inquisitivo único na história da humanidade, ter constituído o principal motor do renascimento e da subsequente revolução científica. Esta flagrante ausência de todo e qualquer enquadramento prévio capaz de o explicar do ponto de vista de uma fenomenologia cultural, isola o homem histórico do seu próprio vínculo cronológico; mais, isola-o da sua própria humanidade, tornando sobrenatural um fenómeno perfeitamente inteligível no seu lapso vivencial.
Seguindo a formulação de Ernst Cassirer, «Não podemos entender uma obra de arte sem em certa medi... more Seguindo a formulação de Ernst Cassirer, «Não podemos entender uma obra de arte sem em certa medida, repetir e reconstruir o processo criador por que veio à existência» (Cassirer 1995, 131), procuramos circunscrever o acto criativo como fenómeno Eidopoietico singular, onde praxis e ciência ocupam lugar cimeiro na formulação do sujeito semântico da obra. Sendo os artistas permeáveis aos sistemas tecnológicos preexistentes ao seu «fazer» artístico, importa redefinir o papel da ciência nessa plena afirmação e o processo em que a mesma, introduzida no atelier do artista, o transmuta em espaço de análise e experimentação. Seguindo uma vez mais Cassirer, a ciência como abstração representa quase sempre um empobrecimento da realidade, vinculando artistas e o seu processo criativo a uma bipolar e inescapável realidade, i.e, a concepção da praxis como um claro manifesto ciclotímico, antagónico e radical do par arte/ciência. A simples conjugação destas duas fronteiras remete-nos para a unificação de dois opostos míticos, um conceito de ordem absoluta, materializado na visão científica do mundo como expressão de uma mathesis universalis e o seu oposto, o caos, associado à expressividade ditirâmbica da natureza. Da Deposição de Rosso Fiorentino, à Transfiguração de Rafael, reconhecemos claramente o perfil dos padrões de imprevisibilidade e imperfeição da natureza, ocultos na ordem disfarçada dos conjuntos de Mandelbrot. Constatamos estar perante um pensamento circular, nítido reverbero histórico em que claramente a ciência se configura como imitadora póstera da arte.
In the words of Ernst Cassirer, “We cannot understand a work of art without, to a certain degree, repeating and reconstructing the creative process by which it has come into being”, we seek to circumscribe the creative act as a singular Eidopoietic phenomenon, where praxis and science take the lead in formulating the work's semantic subject. Since artists are susceptible to the technological systems in existence at the time of their artistic “making”, it is important to redefine the role of science in this full expression and the process by which science, when introduced into the artist's workshop, transforms it into a place of analysis and experimentation. Following Cassirer once again, science as an abstraction almost always represents an impoverishment of reality, binding artists and their creative process to a bipolar and inescapable reality, i.e. the conception of praxis as a clearly cyclothymic, antagonical and radical exemplar of the art/science duality. The simple conjugation of these two frontiers brings us to the unification of the two mythical opposites: a concept of absolute order, embodied in the scientific vision of the world as the expression of a mathesis universalis, and its opposite, chaos, associated with the dithyrambic expressivity of nature. From the Deposition of Rosso Fiorentino to Raphael's Transfiguration, we can clearly recognise the future outline of the unpredictable and imperfect patterns of nature, hidden in the order of Mandelbrot sets. We find that we are seeing thought double back on itself: a precise historical echo in which science takes the form of a later imitator of art.
Art, in its innate expressivity, is conditioned by complex forms, being articulated fundamentally... more Art, in its innate expressivity, is conditioned by complex forms, being articulated fundamentally by the acts of projecting and doing that are themselves moulded by pre-existing technological systems. How did this poiesis manifest itself on the formal level?
Falar de Perspectiva e de geometria é, seguramente tarefa complexa e armadilhada na sua génese e ... more Falar de Perspectiva e de geometria é, seguramente tarefa complexa e armadilhada na sua génese e semântica multidisciplinar. Desde logo pelo facto de estas disciplinas se encontrarem disseminadas em múltiplas e aparentemente díspares areas de estudo, desconexas e distantes entre si, constituindo centros e periferias, onde factos preponderantes para a compreensão da problemática global se encontram fragmentados em multiplos dialectos, tais como como a geometria descritiva, a matemática, a história da ciência, a história da arte, a teoria da arte e a filosofia. Esta realidade obriga o assumido entusiasta da disciplina a multiplicar-se em distintas formas de ver e pensar, assimilando e traduzindo múltiplos idiomas para uma linguagem comum e unitária. Mesmo no restrito campo da história da arte, esta inerente complexidade obriga a uma forçosa transversalidade, desde as chamadas artes «maiores» até aquelas injustamente apelidadas de «menores». Todas as conclusões sumáriamente elencadas, permitem a precoce invocação de um principio conceptual que cremos tutelar desta plural e disseminada realidade, i.e, a geometria a matemática e a perspectiva aplicadas às artes, invocam uma vertiginosa hiperdisciplinaridade, face ao interminável e abismático fluxo relacional que estabelecem em permanência. Confrontamo-nos portanto com elementos estruturais comprometidos muito mais com uma global história cultural do que com a óbvia restrição tópica que a história da arte circunscreve. Mas esta constatação, apenas serve o propósito de invocar a nitida e subliminar relevância que a arte constitui na própria edificação de uma omnisciência universal, mediada na sua capacidade de traduzir e compreender o mundo em reverbos e linguagens perenes, permanentemente em revolução. Para contermos estas linguagens em padrões estáveis e percepcionaveis, torna-se fundamental determinar três fronteiras essênciais para o entendimento cabal do impacto que a matemática, a geometria e o advento do espaço pictórico implicaram na sociedade moderna até à contemporaneidade. Dividiremos portanto esta breve apresentação em três areas estruturais, constituidas por intervalos temporais cujos limites encerram um simbolismo particular: 1) Um Intervalo Filosófico entre 1486 e 1887 2) Um intervalo Ciêntifico entre 1300 e 1650 3) Um intervalo interno respeitante ao caso Português, situado entre 1470 e 1590.
1 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm. Editora Vega. 2012. P. 103. Lisboa. 2 Segund... more 1 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm. Editora Vega. 2012. P. 103. Lisboa. 2 Segundo os mitógrafos, Linceu teria sido o primeiro mineiro, por ver através da terra os filões de metal, e os trazer à superficie, assim como, veria através das pranchas de carvalho. Para desenvolvimentos, vide, Dicionário da Mitologia Grega e Romana, de Pierre Grimal. 3 Roterdão, Desidério Erasmo. 1515. Moriae Encomivm.
Iconopoiese e a contradição latente na conjugação dos antagónicos pares -arte e ciência. A arte, ... more Iconopoiese e a contradição latente na conjugação dos antagónicos pares -arte e ciência. A arte, na sua expressividade ingénita, encontra-se condicionada e espartilhada por formas complexas e imagens (Ícone) que se articulam com um fazer, construir e projectar (Poiesis), sujeitos às condicionantes de um sistema tecnológico pré-existente. Como se manifesta no plano concreto esta poiésis e no que consiste? Cerceada que está entre a capacidade analítica da imagem pura e sua subsequente interpretação simbólica, muito da significação intrínseca à obra, pelo acto operativo que a produz, perde-se. Este "Dilema do visível", conforme definiu George Didi-Huberman, para quem a tradição "Iconológica" não basta para circunscrever a arte, conduzir-nos-á ao cerne da nossa questão.
The relations of man with the world are fundamentally visual. From the tiniest atom to the reddis... more The relations of man with the world are fundamentally visual. From the tiniest atom to the reddish plains of Mars, the overwhelming need comprehend visually illustrates the immutable semiotic relationship that man establishes with the universe. It is through the appropriation of images that man constructs and builds up a plural, complex and productive vision of the cosmos. The mechanisms for the interpretation and affiliation of reality depend intrinsically on this direct link to the world of the senses and above all on its translation into philosophical propositions.
A relação do homem com o mundo é fundamentalmente visual, vertigem que conduz o homem a esferas d... more A relação do homem com o mundo é fundamentalmente visual, vertigem que conduz o homem a esferas díspares de inusitada transcendência. Do ínfimo átomo, às rubras planicies de Marte, a imperiosa necessidade de compreender visualmente ilustra a imutável relação semiótica que o homem estabelece com o universo. Será a partir desta apropriação imagética, que o homem constroi e edifica uma cosmovisão plural, complexa e proficua. Os mecanismos de interpretação e filiação da realidade, dependem intrinsecamente dessa ligação directa ao mundo sensivel, sobretudo, da sua tradução em complexos filosofemas. Questionar a origem e a essencia da linguagem, constitui na óptica de Ernst Cassirer 1 , uma reflexão consciente sobre a totalidade do mundo, onde linguagem e ser, palavra e sentido constituem unidades inseparaveis. Segundo o filósofo, «O mundo da linguagem rodeia o homem no instante em que este dirige o seu olhar sobre ele, com a mesma certeza e necessidade e com a mesma "objectividade" com o qual está situado frente ao mundo das coisas» 2 . Deste ponto de vista, a lenta apropriação que o homem faz da natureza, edifica uma indiferenciação entre palavra e coisa, ou seja, a sua essência última está contida no nome lentamente consolidado ao longo da esfera temporal de apropriação cognoscente do mundo. Partindo deste pressuposto, a visão, directamente associada à humana capacidade de apropriação e interpretação do mundo sensivel, torna-se mecânica epistemólogica, constituindo por antinomia, todo o mundo não-visual, campo de elocubração metafisica por excelência. A esta mecânica epsitemologica, poder-se-á então atribuir uma das seminais e fundamentais conquistas do homem, a consciência clara entre centro e periferia. Se a apropriação objectiva do mundo, depende da fronteira visual que o homem alcança, ou seja, desta mundivisão estrutural, tudo o que se encontra para lá dessa barreira visual, torna-se obscuro, um fundo hipotético de elocubrações mitícas, um espaço sem referentes. Partindo desta premissa, analisemos as fronteiras visuais do velho mundo, desde sempre regida por duas antagónicas frentes: A oriente, o espaço mítico de onde regressam os reflexos Dionísiacos e Alexandrinos, território experimental de fusão entre 1 Cassirer Ernst Filosofia de las formas simbólicas [Livro]. P. 63. -México : Fondo de Cultura Económica, 1964. 2 Ibidem.
In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he propose... more In 1982, Benoit Mandelbrot published his work The Fractal Geometry of Nature, in which he proposed an abyssal breakthrough in the Euclidean conceptualisation of the universe, marked by a geometric and iconic semiology of space and his genuine and true fractal facet. In the introduction, Mandelbrot asks the reader the same question as to the Euclidian aridity of nature previously formulated by Vasari, «Why is geometry often described as “cold” and “dry?”». His response precisely illustrates the “Mannerist” dimension of nature by failing to submissively abide with the “Euclidinisation” of universal geometry. The fractal geometry thus formalises the materialisation of around a century of sparse contributions and take its place with a renewed heuristic formula within the scope of mathematics itself. But is this visual intuition of the world, really innovative and original? Western art witnessed a brief and apparent visual dysfunction regarding the absolute mimesis of the real after the first decade of 1500. The Mannerist composition arises out of a collapsed imago-mundi in which the seminal structures that served to organise the mental image of the universe underwent conversion into disruptive and chaotic formulations. The Ars Naturans, draws on a morphological "drunkenness" for its spatial restlessness and disquietude and, in this apparent compositional chaos, finds a full match between creative impulses and a chaotic and disruptive view of nature. This singularity requires an approach in accordance with its real dimension, i.e., as a phenomenon that overlaps and anticipates irregular morphological patterns and displays from intuitive and non-conceptual spheres.
On portraiture, 2022
Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva I... more Inspired by Flemish optical and mimetic realism, Nicholas of Cusa established in 1454 the Viva Imago doctrine. In 1474, Piero della
Francesca developed the anthropographic and geometric-mathematical
concept of human representation in the De Prospectiva Pingendi treatise. From the superimposition of these two doctrines, the modern portrait
was thus born, later theorised by Francisco de Holanda in 1549, well
aware however of the fact that making a portrait requires more than proportion and similarity…
Da Traça à Edificação, 2020
A relação entre conhecimento prático e conhecimento teórico, entendida habitualmente como um dos ... more A relação entre conhecimento prático e conhecimento teórico, entendida
habitualmente como um dos motores da revolução científica, tem sido alvo de recente reavaliação. O aumento gradual do foco nos processos experimentais estabelecidos entre conhecimento e praxis constitui disso um claro exemplo. Uma das estruturas sociais onde mais se evidencia esse sincretismo convergente será sem dúvida constituída por mestres-de-obras, artistas e arquitectos. Esta divisão que propomos não será por certo inocente. A complexa harmonização entre distintas valências no universo da arquitectura originou três campos de especulação cuja incidência importa elencar: desenvolvimento de práticas modelares, construtivas e operativas; desenvolvimento programático de estilemas; desenvolvimento de sistemas teórico-matemáticos e geométricos. A própria dicotomia semântica em torno da designação “arquitecto” manifesta claramente esta divisão tipológica, dando origem a três grupos distintos com enfoques sociais e preocupações díspares: mestres construtores de vocação empírica e corporativista; arquitectos artistas de
vocação estética e experimental; arquitectos matemáticos de vocação exclusivamente teórica.
SPHERA MUNDI Arte e Cultura no Tempo dos Descobrimentos, Oct 13, 2015
A descoberta recente de um documento inédito, “Carta dos mestres da casa dos vinte e quatro de Go... more A descoberta recente de um documento inédito, “Carta dos mestres da casa dos vinte e quatro de Goa (…) ” de 4 de Janeiro 1549 revela uma inusitada novidade. Nele tomamos consciência de que na primeira metade do século XVI, a estrutura gremial da Casa dos Vinte-e-Quatro de Lisboa havia sido implantada com sucesso em Goa, ampliando uma rede de produção centralizada que se estendia da Capital do Reino a múltiplas esferas periféricas, distantes e interligadas entre si. Este aspecto configura um primeiro modelo de uma cooperativa gremial à escala global, constituindo uma das mais profícuas e paradigmáticas revoluções da idade moderna e propondo um inevitável sincretismo do «fazer».
The recent discovery of an unpublished document, “Carta dos mestres da casa dos vinte e quatro de Goa (…)” [Letter from the masters of the house of the twenty four of Goa], dated 4 January 1549, reveals an unusual novelty. It makes us aware of the fact that in the first half of the 16th century the guild structure of the Casa dos Vinte-e-Quatro of Lisboa had been successfully introduced in Goa, enlarging a centralised production network that extended from the Capital of the Kingdom to the numerous peripheral, distant and interlinked domains. This aspect configures the first model of a guild-style cooperative on a global scale, constituting one of the most fruitful and paradigmatic revolutions of the modern age and positing an inevitable syncretism of “doing”.
Mateus Fernandes e o Alvor da Modernidade, 2018
O diálogo entre dois campos aparentemente tão díspares como o artístico e o científico constitui ... more O diálogo entre dois campos aparentemente tão díspares como o artístico e o científico constitui recente preocupação de uma historiografia emergente. Ao falar das flagrantes correlações entre arte e ciência, referimo-nos obviamente ao desenvolvimento da perspectiva, da óptica, da mensurabilidade, da topografia, da geometria Euclidiana, dos estudos anatómicos e do desenvolvimento da mecânica e de instrumentos auxiliares. Tradicionalmente, a história da arte enferma ainda hoje do mesmo equívoco seminal inscrevendo no lugar dessas óbvias correlações, irracionais fundamentos de duvidosa operacionalidade: Mitologias várias, românticos conceitos de génio ou de ingénito talento, vaga tratadística, secretismos e receituários exclusivos de grupos iniciáticos ou quaisquer outros demiúrgicos veículos de transmissão. Numa lógica inversa e racional, estas interacções encontram por parte de uma historiografia da ciência recente, traços inequívocos de uma salutar interdisciplinaridade. Tradicionais demarcações esbatem-se quando analisadas as evidentes correlações entre classes eruditas e esclarecidas oriundas do mundo académico da escolástica, com classes de artesãos mecânicos comprometidos exclusivamente com o labor operativo. Será do contacto entre estes dois mundos aparentemente antagónicos que nascerão os dois vectores essenciais para uma póstera revolução científica - experiência e experimentação. Este diálogo formalizará o aforismo Vitruviano da conjugação imperiosa das duas polaridades essenciais; Fabrica e Ratiocinatio – precisamente a construção ou prática harmonizada com a razão ou teoria. Esta visão Vitruviana da arte, ultrapassando largamente o restrito âmbito da arquitectura, virá instigar nos artistas do renascimento um duplo compromisso de harmonização literária entre philologia e philotechnia, ou seja, entre conhecimento e prática, motivando alterações paradigmáticas na própria produção literária. Por um lado, artesãos habitualmente comprometidos exclusivamente com uma praxis mecânica começarão a escrever livros de carácter formativo; por outro, homens eruditos ocupar-se-ão de práticas artesanais tais como a topografia e medição ou a construção de instrumentos científicos. Estas práticas contribuirão para esbater as tradicionais barreiras tipológicas e sociológicas de mundos paralelos e estratificados sem quaisquer contactos entre si. Segundo Pamela Long, esses pontos de contacto e colaboração constituem Trading Zones, locais onde o mundo dos artesãos e dos humanistas encontram amplas plataformas de intercâmbio recíproco de conhecimento e experiência. O panorama interno constituirá um fecundo e propício campo de enformação destas amplas redes de troca experiencial, seja através da expansão marítima, da construção de navios e de instrumentos científicos, seja no campo da arquitectura, da escultura e da pintura – veículos de transmissão por excelência de um ideário que encontra como símbolo máximo da sua manifestação universal, um instrumento matemático – a esfera armilar.
No âmbito da Bienal de Veneza de 2011, Anish Kapoor concretiza plenamente o mais ancestral desígn... more No âmbito da Bienal de Veneza de 2011, Anish Kapoor concretiza plenamente o mais ancestral desígnio que o homem encerra, a construção do templo-máquina, do engenho ascético, da turbina metafísica. No que consiste então esta máquina ascética que Kapoor nos propõe? Um espaço circunscrito, estruturado, sinestésico? Uma alegoria ao templo, uma renovada escada de Jacob? Utópico monumento à utopia da ascese? À primeira vista, a obra está oclusa, não manifesta ao olhar profano, coluna de luz no deserto… nas palavras do artista. O compromisso impõe que o candidato se entregue à verticalidade que o espaço induz, dispensando uma qualquer intermediação escatológica.
It was, according to Angel Garcia, in the 1817 publication Trattato Della Pittura Di Lionardo Da ... more It was, according to Angel Garcia, in the 1817 publication Trattato Della Pittura Di Lionardo Da Vinci, edited by Guglielmo Manzi (1784-1821), librarian of Rome's Biblioteca Barberini, that the term “paragone” was first established – understood as a field of theoretical support for and comparison of the various arts. However, this consolidation on a semantic level does not mean that dialogue and debate between the arts was not the focus of speculation from ancient times, as in the work The Dream, or Lucian's Career. In essence, what this debate in the early 16th century prefigured was the Romantic confrontation between the mechanical and liberal arts, with the partial Mannerist emergence of the artist as the possessor of a hypothetical Machiavellian Virtu, paving the way to the definitive affirmation of his liberal nature. In the ambit of this debate, the Lezzione Di Benedetto Varchi laid the groundwork for later theorists such as Federico Zuccari, whose work contained the seminal concept of the “interior drawing”. The sublimation of the Idea in the overriding constructive role of a polymorphic discourse definitively condemns the Paragone to a secondary role in the inter-arts dialogue, combining Eidopoiesis and Iconopoiesis in a triadic formula of higher expression. This realisation suggests the addition of a remarkable entity, Graphopoiesis, the dimension of a kind of “making” in which the “drawing” takes on a binding role between the spirit and the work, free of interlocutors, laws, rules or constraints on the purest of motion – the ultimate bond between artist, form and image.
A leitura de um documento inédito, “Carta dos mestres da casa dos vinte e quatro de goa dando par... more A leitura de um documento inédito, “Carta dos mestres da casa dos vinte e quatro de goa dando parte ao rei estar acabada a casa que o mesmo senhor mandara fazer para os religiosos de S. Domingos, celebrando-se a primeira missa dia de natal, de que o povo estava contentíssimo”, datada de 4 de Janeiro 1549, insere-se contextualmente numa análise mais dilatada do fenómeno das corporações e misteres da Europa quinhentista. Revelada a estrutura semântica do documento, expondo dessa forma os diversos graus de significação que ele contém, cedo constatamos que perante a clareza sintomática que o documento analisado propõe, o mesmo conduz forçosamente para duas imediatas conclusões : A) No ano de 1549 já existia uma casa dos Vinte-e-Quatro em Goa, entidade antecedida por uma complexa estrutura mesteiral B) Este facto prefigura uma inovadora e paradigmática primeira cooperativa gremial à escala global, claramente identificada como uma primordial estrutura Pan-corporativista. Esta constatação conduz-nos para uma forçosa pluralidade que objectivamente importa reter: proveniência, técnica, estilo e virtuosismo das obras de arte provenientes do antigo Império Português poderá encerrar muito mais singularidades do que tradicionalmente a história da arte lhes confere.