Juliana Campos Alvernaz | Universidade do Estado de Mato Grosso (original) (raw)
Papers by Juliana Campos Alvernaz
Revista Athena, 2021
RESUMO: Pretende-se, neste artigo, refletir sobre as diferentes representações da ciência produzi... more RESUMO: Pretende-se, neste artigo, refletir sobre as diferentes representações da ciência produzida no período colonial no romance A Terceira Metade, do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, tendo em vista as consequências da "biblioteca colonial" e de que maneira ela é reapropriada pelos personagens da narrativa. Percebe-se, pelos indícios discurso-narrativos, que os personagens Trindade e Severo desenvolvem, de diferentes maneiras, enfretamentos da colonialidade, considerando, principalmente, os espaços de fronteira entre Angola e Namíbia.
Abril – NEPA / UFF, Dec 9, 2018
In this article, we intend to reflect about ethnography in the works Os papéis do inglês, by Ango... more In this article, we intend to reflect about ethnography in the works Os papéis do inglês, by Angolan writer Ruy Duarte de Carvalho and Nove noites, by Brazilian Bernardo Carvalho. Considering the "interferences and contiguities" between literature and anthropology, we investigate the configuration of ethnographic writing in the literary field, noting that at the same time that ethnography appears in the novel of Bernardo Carvalho and Ruy Duarte de Carvalho, it is paradoxically denied or boycotted. From this, we will think about the representation of the "other"-considered the non-Western, in the case of Os papéis do inglês, the Kuvale pastors, and, in the case of Nove noites, the Krahô Indians-in the narratives. Therefore, we will analyze how the ethnographic works and its effects on the novels' narrative, as well as the tensions between the narrator and the "Other".
Abril – NEPA / UFF
Pretende-se, no presente artigo, o estudo de traços do discurso etnográfico nas obras Os papéis d... more Pretende-se, no presente artigo, o estudo de traços do discurso etnográfico nas obras Os papéis do inglês, do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, e Nove noites, do brasileiro Bernardo Carvalho. Tendo em conta as interferências e contiguidades entre literatura e antropologia, investigamos a configuração da escrita etnográfica no campo literário notando que, ao mesmo tempo que a etnografia surge nas obras de Bernardo Carvalho e Ruy Duarte de Carvalho, é, paradoxalmente, negada ou boicotada. A partir disso, pensaremos na representação do “outro” – considerado o não ocidental, no caso de Os papéis do inglês, os pastores Kuvale, e, no caso de Nove noites, os índios Krahô – nas narrativas. Dessa forma, analisaremos de que modo se dá e qual é o efeito do olhar etnográfico na construção dos romances escolhidos, bem como as tensões entre o sujeito narrador e o “Outro”.
Após alguns contatos prévios, padre Vicente de Valverde encontrase com Atahualpa, liderança Inca,... more Após alguns contatos prévios, padre Vicente de Valverde encontrase com Atahualpa, liderança Inca, para falar-lhe de seu deus cristão. Baseado na fé do espanhol, o diálogo tem como objetivo principal fazer com que o Inca renuncie a seus deuses e aceite, como seu único senhor, o deus cristão, assim como também preste vassalagem a Dom Carlos, imperador espanhol (CORNEJO POLAR, 2004). Atahualpa, por sua vez, questiona tal pedido e pede provas do que foi dito pelo outro. Este diálogo, é importante ressaltar, não foi feito de maneira direta, pois Atahualpa não falava espanhol, e nem os espanhóis a língua Inca. Havia, porém, um tradutor que atuava como ponte entre os dois mundos, mas a eficácia de seu trabalho neste encontro é, no mínimo, duvidosa. Além disso, as diferenças culturais em relação à concepção de mundo afetam diretamente o "diálogo", tornando inaceitáveis e desrespeitosas as reações de um para com o outro. Apesar da dificuldade de comunicação, o 'diálogo' prossegue com Valverde, que está munido de uma prova, a seu ver, irrefutável da existência e do poder deste deus: a bíblia. Apesar de ser um livro amplamente conhecido ao redor do mundo, a obra escrita que traria narrativas sobre o deus cristão e seu filho, para o Inca, era algo completamente inusitado-principalmente no meio de um diálogo 1. Para a cultura Inca 2 , baseada na oralidade e não familiarizada com a escrita sob os moldes europeus, receber um livro como resposta a uma questão é bastante inesperado. Contudo, ao receber o objeto, o Inca busca entender como aquilo pode sanar suas dúvidas. 1 Aqui, refiro-me ao contexto oral-familiar para o indígena. 2 Não só para a cultura Inca, mas também para inúmeras outras nações indígenas, a oralidade era a base da comunicação. O registro de informações existia, mas diferentemente da concepção Ocidental: muitas nações indígenas muniam-se de símbolos desenhados ou pintados para conservar batalhas, eventos ou até mesmo mitos (cf. THIÉL, 2012; WONG, 1992). Provavelmente, para agregar veracidade a esta escrita documental, Esdras provém os leitores com detalhes do ocorrido em um determinado tempo e local, compondo uma verdadeira crônica, no sentido mais amplo do termo. Esdras fornece a seus leitores nomes dos personagens envolvidos, sua linhagem, sua função no evento, a razão de sua função, seu local de moradia, os clãs aos quais pertenciam, seus parentes, números e posições exatas das pessoas no local. Há tantos detalhes que, por vezes, nos perdemos em meio a tanta informação. Contudo, é possível entender o porquê desta forma de escrita, uma vez que os pormenores eram relevantes à época deste registro. Mais adiante, na Idade Média, a crônica era comumente produzida sob encomenda dos reis, que, antes da imprensa e do jornal, encarregavam alguns de seus súditos de registrar a memória coletiva da época. Eduardo Coutinho descreve este cronista histórico como aquele que registrava fatos importantes que motivaram mudanças relevantes na vida social, sendo, portanto, o precursor do historiador moderno (COUTINHO, 2006). Inicialmente, acreditava-se que a escrita de 7 Disponível em http://www.azpmedia.com/espacohistoria/index.php/cronica-de-d-joao-Talvez pela riqueza em detalhes ou por sua extensão, a crônica sobre D. João I é considerada, em Portugal, não somente como uma crônica, no sentido mais amplo do termo, mas sim como um livro de história 9. Esta-i/i-o-rei-de-castela-nao-aceita-a-regencia-e-senhorio-da-sogra. Acesso em 24/11/2019.
A NARRATIVA ESPECULAR E A ENCENAÇÃO DA ESCRITA EM OS PAPÉIS DO INGLÊS, DE RUY DUARTE DE CARVALHO, 2018
O presente artigo busca analisar a obra Os papéis do inglês (2000), do escritor angolano Ruy Duar... more O presente artigo busca analisar a obra Os papéis do inglês (2000), do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), a partir de procedimentos literários próprios da autoficção. A escrita de si, na literatura contemporânea, aponta para um efeito de narrativa em cascata, em que o próprio fazer literário é apresentado ao leitor. Pensando nisso, pretende-se refletir sobre aspectos da encenação da escrita na obra, entendida aqui como estratégia autoficcional, visto que o autor se ficcionaliza e faz com que a elaboração de sua escrita seja parte do enredo. Assim, será investigado o pacto de leitura ambíguo na narrativa para compreender os procedimentos literários aqui objetivados.
A literatura em mãos do Sul, 2018
O sol o sul o sal as mãos de alguém ao sol o sal do sul ao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal... more O sol o sul o sal as mãos de alguém ao sol o sal do sul ao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal ao sol O sal do sul em mãos de sol e mãos de sul ao sol. (CARVALHO, 1976, p. 5) Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) é um escritor, poeta, cineasta e antropólogo angolano que dedicou, em todos os seus multifacetados ofícios, uma parcela da vida a estudar e conviver com os pastores Kuvale, sociedade pastoril nômade do sudoeste de Angola, entre as paisagens do deserto do Namibe. Os pastores são constantes interlocutores e personagens nas narrativas de Ruy Duarte de Carvalho. Esta interlocução torna-se relevante para compreender certos procedimentos narrativos e a quase obsessão do autor angolano pelas paisagens do Sul. No fragmento do poema "O Sul", em epígrafe, vemos um movimento circular promovido por repetição e diferentes combinações dos vocábulos sul, sol e sal, aliterações que sugerem uma metáfora para a apreensão do deserto, lugar frequentado nas viagens antropológicas e literárias de Ruy Duarte. A junção do sol e do sal remete ao espaço geográfico do sul e a reiteração desses vocábulos nos leva ao desmedido espaço desértico do Namibe, o qual se estende do Sudoeste de Angola até às margens do rio Cunene. Esses aspectos contribuem para uma representação do espaço revisitado pelo autor em suas narrativas, sugerindo uma atenção especial a esse local, bem como um pertencimento ao Sul do sujeito poético 2 . Tal pertencimento permeia, de certa forma, a arte poética e em prosa do escritor angolano, visto que há recorrência de elementos do contexto geográfico e 1 Doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio. Mestra em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduada em Letras Português-Literaturas pela UFF. E-mail: jcalvernaz@id.uff.br. 2 Cf. Venho de um sul in A decisão da idade, 1976.
ONDE MAIS TE VÊS É LÁ QUE MAIS TE DIZ: UM ESTUDO DO NARRADOR EM OS PAPÉIS DO INGLÊS, DE RUY DUARTE DE CARVALHO, E NOVE NOITES, DE BERNARDO CARVALHO, 2018
Pretende-se, neste artigo, trazer um resumo de minha dissertação de mestrado, defendida em março ... more Pretende-se, neste artigo, trazer um resumo de minha dissertação de mestrado, defendida em março de 2018, na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob a orientação da professora Anita Martins Rodrigues de Moraes. A partir de uma moldura de análise comparatista que considera as relações Sul-Sul, este trabalho busca analisar a obra Os papéis do inglês – primeiro volume da trilogia Os filhos de Próspero, composta também por As paisagens propícias e A terceira metade – do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, em comparação com o romance Nove noites, do brasileiro Bernardo Carvalho. Os dois romances constroem-se por mecanismos literários semelhantes que instauram encenações da escrita e boicotes da dimensão referencial por meio de três vieses: autoficção, elementos de etnografia e paródia do romance policial. Isto posto, será analisada a configuração do narrador nas obras, considerando sua plasticidade e deslocamentos entre o narrador-autor, o narrador-etnográfico e o narrador-detetive. A ênfase da pesquisa, portanto, está na comparação dos narradores das obras e nas estratégias de composição narrativa, as quais se tornam relevantes não só para pensar aspectos estéticos, mas também para refletir sobre as representações do “Eu” e do “Outro” que atravessam as duas obras.
Resumo: O objetivo do presente artigo é estabelecer relações intertextuais entre a novela O coraç... more Resumo: O objetivo do presente artigo é estabelecer relações intertextuais entre a novela O coração das trevas (1902), de Joseph Conrad, e o romance Os papéis do inglês (2000), de Ruy Duarte de Carvalho. Relações essas que se evidenciam desde diferenças do discurso colonial às semelhanças no espelhamento autoral no personagem. Além disso, busca-se analisar cada obra separadamente, dando destaque para a literatura colonial e o discurso de representação na obra de Conrad, e de que forma a desconstrução do romance de aventura, presente na obra de Ruy Duarte de Carvalho, questiona o pensamento colonial.
Abstract The purpose of this article is establish intertextual links between the novel The heart of darkness (1902), by Joseph Conrad, and the romance Os papéis do inglês (2000), by Ruy Duarte de Carvalho. These links show us diferences of colonial discourse and similarities in the author mirroring reflects in the character. Beyond that, we will search analyze each book thinking on colonial literature and the discourse of representation in Conrad and how the desconstruction of the adventure romance, in Ruy Duarte de Carvalho, question the colonial thought.
O presente artigo visa analisar a obra Os papéis do inglês (2000) – primeiro volume ... more O presente artigo visa analisar a obra Os papéis do inglês (2000) –
primeiro volume da trilogia Os filhos de Próspero, composta também por As paisagens propícias(2005) e A terceira metade(2009)– do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho
(1941 – 2010), em comparação com o romance Nove noites (2002), do brasileiro Bernardo Carvalho (1960). A partir dos pressupostos teóricos dos estudos de literatura comparada os quais instauram pontos de contato com a geopolítica do saber e da cultura, apresentada no estudo de Alfredo Cesar Melo (2013), será investigado de que forma as duas obras escolhidas, comparativamente, apresentam aspectos narrativos convergentes para refletir sobre a relação Sul-Sul – sul da África e sul da América. Tal relação será pensada no âmbito do romance, entendendo-o como um gênero atravessado, e da situação de escrita. Dessa forma, será dado destaque ao processo de composição narrativa em ambas as obras, bem como os efeitos de
realidade os quais desembocariam na autoficção. Por meio dos narradores, será refletido, também, o caráter metaficcional das duas obras, visto que as narrativas estão permeadas de encenações da própria escrita.
Books by Juliana Campos Alvernaz
Coletânea Versão Brasileira: A voz da mulher, organizada por Diana Hollanda.
Este ensaio tem como objetivo pensar as paisagens captadas em duas narrativas do autor angolano R... more Este ensaio tem como objetivo pensar as paisagens captadas em duas narrativas do autor angolano Ruy Duarte de Carvalho, As paisagens propícias (2005) e Desmedida – Luanda – São Paulo – São Francisco e volta – crônicas do Brasil (2007), as quais residem em uma fronteira entre o movimento e a imagem; entre a descrição fotográfica e a descrição em deslocamento. Tais descrições são atravessadas pelo outro, representado pelos pastores Kuvale, sociedade nômade de práticas não-ocidentais do sudoeste de Angola. Considerando que a paisagem, segundo Michel Collot (2010), consiste num recorte do ponto de vista de quem observa, refletiremos sobre as descrições espaciais das obras escolhidas, bem como seus efeitos literários na relação Eu-Outro-Espaço.
Revista Athena, 2021
RESUMO: Pretende-se, neste artigo, refletir sobre as diferentes representações da ciência produzi... more RESUMO: Pretende-se, neste artigo, refletir sobre as diferentes representações da ciência produzida no período colonial no romance A Terceira Metade, do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, tendo em vista as consequências da "biblioteca colonial" e de que maneira ela é reapropriada pelos personagens da narrativa. Percebe-se, pelos indícios discurso-narrativos, que os personagens Trindade e Severo desenvolvem, de diferentes maneiras, enfretamentos da colonialidade, considerando, principalmente, os espaços de fronteira entre Angola e Namíbia.
Abril – NEPA / UFF, Dec 9, 2018
In this article, we intend to reflect about ethnography in the works Os papéis do inglês, by Ango... more In this article, we intend to reflect about ethnography in the works Os papéis do inglês, by Angolan writer Ruy Duarte de Carvalho and Nove noites, by Brazilian Bernardo Carvalho. Considering the "interferences and contiguities" between literature and anthropology, we investigate the configuration of ethnographic writing in the literary field, noting that at the same time that ethnography appears in the novel of Bernardo Carvalho and Ruy Duarte de Carvalho, it is paradoxically denied or boycotted. From this, we will think about the representation of the "other"-considered the non-Western, in the case of Os papéis do inglês, the Kuvale pastors, and, in the case of Nove noites, the Krahô Indians-in the narratives. Therefore, we will analyze how the ethnographic works and its effects on the novels' narrative, as well as the tensions between the narrator and the "Other".
Abril – NEPA / UFF
Pretende-se, no presente artigo, o estudo de traços do discurso etnográfico nas obras Os papéis d... more Pretende-se, no presente artigo, o estudo de traços do discurso etnográfico nas obras Os papéis do inglês, do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, e Nove noites, do brasileiro Bernardo Carvalho. Tendo em conta as interferências e contiguidades entre literatura e antropologia, investigamos a configuração da escrita etnográfica no campo literário notando que, ao mesmo tempo que a etnografia surge nas obras de Bernardo Carvalho e Ruy Duarte de Carvalho, é, paradoxalmente, negada ou boicotada. A partir disso, pensaremos na representação do “outro” – considerado o não ocidental, no caso de Os papéis do inglês, os pastores Kuvale, e, no caso de Nove noites, os índios Krahô – nas narrativas. Dessa forma, analisaremos de que modo se dá e qual é o efeito do olhar etnográfico na construção dos romances escolhidos, bem como as tensões entre o sujeito narrador e o “Outro”.
Após alguns contatos prévios, padre Vicente de Valverde encontrase com Atahualpa, liderança Inca,... more Após alguns contatos prévios, padre Vicente de Valverde encontrase com Atahualpa, liderança Inca, para falar-lhe de seu deus cristão. Baseado na fé do espanhol, o diálogo tem como objetivo principal fazer com que o Inca renuncie a seus deuses e aceite, como seu único senhor, o deus cristão, assim como também preste vassalagem a Dom Carlos, imperador espanhol (CORNEJO POLAR, 2004). Atahualpa, por sua vez, questiona tal pedido e pede provas do que foi dito pelo outro. Este diálogo, é importante ressaltar, não foi feito de maneira direta, pois Atahualpa não falava espanhol, e nem os espanhóis a língua Inca. Havia, porém, um tradutor que atuava como ponte entre os dois mundos, mas a eficácia de seu trabalho neste encontro é, no mínimo, duvidosa. Além disso, as diferenças culturais em relação à concepção de mundo afetam diretamente o "diálogo", tornando inaceitáveis e desrespeitosas as reações de um para com o outro. Apesar da dificuldade de comunicação, o 'diálogo' prossegue com Valverde, que está munido de uma prova, a seu ver, irrefutável da existência e do poder deste deus: a bíblia. Apesar de ser um livro amplamente conhecido ao redor do mundo, a obra escrita que traria narrativas sobre o deus cristão e seu filho, para o Inca, era algo completamente inusitado-principalmente no meio de um diálogo 1. Para a cultura Inca 2 , baseada na oralidade e não familiarizada com a escrita sob os moldes europeus, receber um livro como resposta a uma questão é bastante inesperado. Contudo, ao receber o objeto, o Inca busca entender como aquilo pode sanar suas dúvidas. 1 Aqui, refiro-me ao contexto oral-familiar para o indígena. 2 Não só para a cultura Inca, mas também para inúmeras outras nações indígenas, a oralidade era a base da comunicação. O registro de informações existia, mas diferentemente da concepção Ocidental: muitas nações indígenas muniam-se de símbolos desenhados ou pintados para conservar batalhas, eventos ou até mesmo mitos (cf. THIÉL, 2012; WONG, 1992). Provavelmente, para agregar veracidade a esta escrita documental, Esdras provém os leitores com detalhes do ocorrido em um determinado tempo e local, compondo uma verdadeira crônica, no sentido mais amplo do termo. Esdras fornece a seus leitores nomes dos personagens envolvidos, sua linhagem, sua função no evento, a razão de sua função, seu local de moradia, os clãs aos quais pertenciam, seus parentes, números e posições exatas das pessoas no local. Há tantos detalhes que, por vezes, nos perdemos em meio a tanta informação. Contudo, é possível entender o porquê desta forma de escrita, uma vez que os pormenores eram relevantes à época deste registro. Mais adiante, na Idade Média, a crônica era comumente produzida sob encomenda dos reis, que, antes da imprensa e do jornal, encarregavam alguns de seus súditos de registrar a memória coletiva da época. Eduardo Coutinho descreve este cronista histórico como aquele que registrava fatos importantes que motivaram mudanças relevantes na vida social, sendo, portanto, o precursor do historiador moderno (COUTINHO, 2006). Inicialmente, acreditava-se que a escrita de 7 Disponível em http://www.azpmedia.com/espacohistoria/index.php/cronica-de-d-joao-Talvez pela riqueza em detalhes ou por sua extensão, a crônica sobre D. João I é considerada, em Portugal, não somente como uma crônica, no sentido mais amplo do termo, mas sim como um livro de história 9. Esta-i/i-o-rei-de-castela-nao-aceita-a-regencia-e-senhorio-da-sogra. Acesso em 24/11/2019.
A NARRATIVA ESPECULAR E A ENCENAÇÃO DA ESCRITA EM OS PAPÉIS DO INGLÊS, DE RUY DUARTE DE CARVALHO, 2018
O presente artigo busca analisar a obra Os papéis do inglês (2000), do escritor angolano Ruy Duar... more O presente artigo busca analisar a obra Os papéis do inglês (2000), do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), a partir de procedimentos literários próprios da autoficção. A escrita de si, na literatura contemporânea, aponta para um efeito de narrativa em cascata, em que o próprio fazer literário é apresentado ao leitor. Pensando nisso, pretende-se refletir sobre aspectos da encenação da escrita na obra, entendida aqui como estratégia autoficcional, visto que o autor se ficcionaliza e faz com que a elaboração de sua escrita seja parte do enredo. Assim, será investigado o pacto de leitura ambíguo na narrativa para compreender os procedimentos literários aqui objetivados.
A literatura em mãos do Sul, 2018
O sol o sul o sal as mãos de alguém ao sol o sal do sul ao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal... more O sol o sul o sal as mãos de alguém ao sol o sal do sul ao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal ao sol O sal do sul em mãos de sol e mãos de sul ao sol. (CARVALHO, 1976, p. 5) Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010) é um escritor, poeta, cineasta e antropólogo angolano que dedicou, em todos os seus multifacetados ofícios, uma parcela da vida a estudar e conviver com os pastores Kuvale, sociedade pastoril nômade do sudoeste de Angola, entre as paisagens do deserto do Namibe. Os pastores são constantes interlocutores e personagens nas narrativas de Ruy Duarte de Carvalho. Esta interlocução torna-se relevante para compreender certos procedimentos narrativos e a quase obsessão do autor angolano pelas paisagens do Sul. No fragmento do poema "O Sul", em epígrafe, vemos um movimento circular promovido por repetição e diferentes combinações dos vocábulos sul, sol e sal, aliterações que sugerem uma metáfora para a apreensão do deserto, lugar frequentado nas viagens antropológicas e literárias de Ruy Duarte. A junção do sol e do sal remete ao espaço geográfico do sul e a reiteração desses vocábulos nos leva ao desmedido espaço desértico do Namibe, o qual se estende do Sudoeste de Angola até às margens do rio Cunene. Esses aspectos contribuem para uma representação do espaço revisitado pelo autor em suas narrativas, sugerindo uma atenção especial a esse local, bem como um pertencimento ao Sul do sujeito poético 2 . Tal pertencimento permeia, de certa forma, a arte poética e em prosa do escritor angolano, visto que há recorrência de elementos do contexto geográfico e 1 Doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade na PUC-Rio. Mestra em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Graduada em Letras Português-Literaturas pela UFF. E-mail: jcalvernaz@id.uff.br. 2 Cf. Venho de um sul in A decisão da idade, 1976.
ONDE MAIS TE VÊS É LÁ QUE MAIS TE DIZ: UM ESTUDO DO NARRADOR EM OS PAPÉIS DO INGLÊS, DE RUY DUARTE DE CARVALHO, E NOVE NOITES, DE BERNARDO CARVALHO, 2018
Pretende-se, neste artigo, trazer um resumo de minha dissertação de mestrado, defendida em março ... more Pretende-se, neste artigo, trazer um resumo de minha dissertação de mestrado, defendida em março de 2018, na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob a orientação da professora Anita Martins Rodrigues de Moraes. A partir de uma moldura de análise comparatista que considera as relações Sul-Sul, este trabalho busca analisar a obra Os papéis do inglês – primeiro volume da trilogia Os filhos de Próspero, composta também por As paisagens propícias e A terceira metade – do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, em comparação com o romance Nove noites, do brasileiro Bernardo Carvalho. Os dois romances constroem-se por mecanismos literários semelhantes que instauram encenações da escrita e boicotes da dimensão referencial por meio de três vieses: autoficção, elementos de etnografia e paródia do romance policial. Isto posto, será analisada a configuração do narrador nas obras, considerando sua plasticidade e deslocamentos entre o narrador-autor, o narrador-etnográfico e o narrador-detetive. A ênfase da pesquisa, portanto, está na comparação dos narradores das obras e nas estratégias de composição narrativa, as quais se tornam relevantes não só para pensar aspectos estéticos, mas também para refletir sobre as representações do “Eu” e do “Outro” que atravessam as duas obras.
Resumo: O objetivo do presente artigo é estabelecer relações intertextuais entre a novela O coraç... more Resumo: O objetivo do presente artigo é estabelecer relações intertextuais entre a novela O coração das trevas (1902), de Joseph Conrad, e o romance Os papéis do inglês (2000), de Ruy Duarte de Carvalho. Relações essas que se evidenciam desde diferenças do discurso colonial às semelhanças no espelhamento autoral no personagem. Além disso, busca-se analisar cada obra separadamente, dando destaque para a literatura colonial e o discurso de representação na obra de Conrad, e de que forma a desconstrução do romance de aventura, presente na obra de Ruy Duarte de Carvalho, questiona o pensamento colonial.
Abstract The purpose of this article is establish intertextual links between the novel The heart of darkness (1902), by Joseph Conrad, and the romance Os papéis do inglês (2000), by Ruy Duarte de Carvalho. These links show us diferences of colonial discourse and similarities in the author mirroring reflects in the character. Beyond that, we will search analyze each book thinking on colonial literature and the discourse of representation in Conrad and how the desconstruction of the adventure romance, in Ruy Duarte de Carvalho, question the colonial thought.
O presente artigo visa analisar a obra Os papéis do inglês (2000) – primeiro volume ... more O presente artigo visa analisar a obra Os papéis do inglês (2000) –
primeiro volume da trilogia Os filhos de Próspero, composta também por As paisagens propícias(2005) e A terceira metade(2009)– do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho
(1941 – 2010), em comparação com o romance Nove noites (2002), do brasileiro Bernardo Carvalho (1960). A partir dos pressupostos teóricos dos estudos de literatura comparada os quais instauram pontos de contato com a geopolítica do saber e da cultura, apresentada no estudo de Alfredo Cesar Melo (2013), será investigado de que forma as duas obras escolhidas, comparativamente, apresentam aspectos narrativos convergentes para refletir sobre a relação Sul-Sul – sul da África e sul da América. Tal relação será pensada no âmbito do romance, entendendo-o como um gênero atravessado, e da situação de escrita. Dessa forma, será dado destaque ao processo de composição narrativa em ambas as obras, bem como os efeitos de
realidade os quais desembocariam na autoficção. Por meio dos narradores, será refletido, também, o caráter metaficcional das duas obras, visto que as narrativas estão permeadas de encenações da própria escrita.
Coletânea Versão Brasileira: A voz da mulher, organizada por Diana Hollanda.
Este ensaio tem como objetivo pensar as paisagens captadas em duas narrativas do autor angolano R... more Este ensaio tem como objetivo pensar as paisagens captadas em duas narrativas do autor angolano Ruy Duarte de Carvalho, As paisagens propícias (2005) e Desmedida – Luanda – São Paulo – São Francisco e volta – crônicas do Brasil (2007), as quais residem em uma fronteira entre o movimento e a imagem; entre a descrição fotográfica e a descrição em deslocamento. Tais descrições são atravessadas pelo outro, representado pelos pastores Kuvale, sociedade nômade de práticas não-ocidentais do sudoeste de Angola. Considerando que a paisagem, segundo Michel Collot (2010), consiste num recorte do ponto de vista de quem observa, refletiremos sobre as descrições espaciais das obras escolhidas, bem como seus efeitos literários na relação Eu-Outro-Espaço.