José Eduardo Faria | Universidade de São Paulo (original) (raw)

Papers by José Eduardo Faria

Research paper thumbnail of Quem interpreta a Constituição: magistrados, líderes evangélicos ou o “povo”? – Jornal da USP

Jornal da USP, 2024

Schmitt foi o jurista que inspirou o teor dos Atos Institucionais n° 1, 2 e 5 baixados após o gol... more Schmitt foi o jurista que inspirou o teor dos Atos Institucionais n° 1, 2 e 5 baixados após o golpe militar de 1964. Esses três atos partiam da premissa de que a nova ordem política não expressava “o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”, motivo pelo qual as Forças Armadas “investiam-se no exercício de um poder constituinte legitimando-se por si mesmos”, sob a justificativa de “preservar a ordem, a segurança, a tranquilidade, a harmonia e a integração do povo brasileiro”. Oito décadas após a queda do nazifascismo e quatro décadas após o fim da ditadura militar, Schmitt hoje inspira governos iliberais, como os da Hungria e da Polônia.

A dúvida é saber se quando Bolsonaro falou “eu sou a Constituição”, em 2020, e Malafaia afirmou que “supremo é o povo”, há alguns meses, eles haviam lido alguns parágrafos de Schmitt ou se o que disseram não era um plágio rasteiro, mas bobagens de produção própria.

Research paper thumbnail of Os “crentes em Cristo” e a democracia

Jornal da USP, 2024

As falas irresponsáveis e inconsequentes de alguns bispos evangélicos e pastores de igrejas neope... more As falas irresponsáveis e inconsequentes de alguns bispos evangélicos e pastores de igrejas neopentecostais, afirmando que “o povo é o supremo poder de uma nação”, situando-se acima até mesmo da corte judicial encarregada de promover o controle da constitucionalidade, colocaram nos meios de comunicação um tema que até era debatido, mas apenas por sociólogos, cientistas políticos e historiadores. Trata-se do avanço, no País, da chamada “teologia do triunfalismo” – uma teoria sem fundamentos sólidos e de viés fortemente autoritário.

Research paper thumbnail of O bolsonarismo e o futuro do STF

Jota, 2024

o bolsonarismo continua agindo de modo oportunista, declarando guerra a um Poder que, apesar de ... more o bolsonarismo continua agindo de modo oportunista, declarando guerra a um Poder que, apesar de todos os problemas estruturais da Justiça brasileira, continua sendo vital para assegurar a continuidade da democracia e evitar que o país se converta numa tirania da mediocridade. Não fosse assim, o Supremo não teria sido um dos principais alvos das afrontas criminosas e antidemocráticas cometidas na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Research paper thumbnail of O orgulho de pertencer a uma universidade consciente de sua função social

Jornal da USP, 2023

Este é o final de linha de um antigo estudante de uma geração contestadora que, ao longo da vida,... more Este é o final de linha de um antigo estudante de uma geração contestadora que, ao longo da vida, converteu-se em um maître à penser e, agora, é obrigado a deixar a sala de aula por limite de idade.

Quando entrei na USP, em 1968, ano marcado por efervescência de ideias e contestações estudantis em muitos países, tudo parecia possível para um jovem recém-chegado do ensino médio. O período em que estudei Direito marcou-me pelo fato de que aquelas manifestações espalharam pelo mundo ondas de protestos, no sentido romântico de uma retomada dos impulsos morais que as gerações anteriores teriam deixado se esvair. Foi um período em que a vida burocratizada de até então passou a ser vista como opressão.

Em que medida esse tipo sufocante de vida não estaria encoberto pelo que acreditávamos ser a racionalidade? – esta foi uma das indagações então surgidas. Em que medida o avanço da razão abrira caminho não para o progresso material ou espiritual da humanidade, mas para a acumulação desumanizante subjacente ao capitalismo e para o aumento de desigualdades e injustiças? Se na primazia do desejo os estudantes franceses de 1968 almejavam outra vida e outro padrão de sociedade, os estudantes brasileiros desejavam liberdade, respeito aos direitos fundamentais e o retorno à democracia.

Research paper thumbnail of A criação do Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito públicas - JOTA

Jota, 2023

Historicamente, a ideia de universidade pública no país está fortemente associada à USP, que foi ... more Historicamente, a ideia de universidade pública no país está fortemente associada à USP, que foi criada nos anos de 1930 por liberais ilustrados que contrapunham os valores de racionalidade e modernidade às oligarquias agrárias do Sudeste. Ainda que a iniciativa tenha expresso um poder de classe travestido de interesse geral da nação, essa elite pensava numa convergência entre universidade pública, coisa pública e homem público. Esse tipo de liberalismo conferiu à ideia de público o estatuto de um valor, concebendo a universidade pública como o locus adequado para a discussão e a construção de valores e como instrumento para a modernização institucional do país.

Research paper thumbnail of Os precatórios e a degradação da Constituição

Jornal da USP, 2023

O governo poderia propor uma nova PEC para alterar os critérios de pagamento dos precatórios, mas... more O governo poderia propor uma nova PEC para alterar os critérios de pagamento dos precatórios, mas não o fez por não ter confiança em sua base de apoio no Congresso. Desde então, ministros e líderes governistas vêm pressionam o STF a interpretar Constituição não ao pé da letra, mas de modo extensivo, sob a justificativa da necessidade de desarme dessa bomba fiscal.

Se a PEC do governo anterior que restringiu o pagamento dos precatórios até 2026 foi calote, as manobras do atual governo para tentar emplacar uma proposta discutível juridicamente são um exemplo dos efeitos corrosivos da cultura do jeitinho. Afinal, quanto mais comum se torna essa prática, maior é o risco de degradação da Constituição que entrou em vigor com a redemocratização do país. Promulgada em 1988, ela abriga diversas aspirações e regras para o funcionamento das instituições, da economia e da vida social.

Como a sociedade brasileira é complexa, heterogênea e desigual, ao estabelecer direitos, proteger interesses e distribuir poderes, a Constituição foi produto de um processo de conciliação entre as diferentes forças políticas que moldaram a transição do autoritarismo militar para a democracia. Contudo, não foi fruto de um pacto simétrico de mútuos interesses, mas uma estratégia de estabilização de uma ordem assimétrica. A um só tempo detalhista e programática, tendo constitucionalizado um sem-número de normas tributárias e fiscais que estavam na legislação infraconstitucional e com muitos problemas de antinomia, uma vez que foi produto de um pacto assimétrico, a Constituição carece de unidade sistêmica por ter sido concebida mais por vizinhança de assuntos do que por um fio condutor lógico.

Research paper thumbnail of A independência do STF e as pretensões do Congresso -Estadão

Estadão blog Fausto Macedo, 2023

Como o Supremo têm - por cláusula pétrea - a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de ... more Como o Supremo têm - por cláusula pétrea - a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de normas derivadas do poder constituinte derivado, as ameaças de limitar seu campo de ação vindas do Executivo e do Legislativo não têm como ser concretizadas. Se há uma instituição que tenta romper o equilíbrio dos Poderes, avocando para si a prerrogativa de derrubar decisões judiciais que “extrapõem os limites constitucionais” e de impor um regimento interno a uma corte constitucional, essa é onde pululam finas flores do lodo germinadas pelas sementes da política de cabresto, da fisiologia franciscana, da parolagem bíblica e de quem defende golpes e repete palavras-de-ordem fascistas.

Research paper thumbnail of O presidente da República e a transparência do STF

Jornal da USP, 2023

Qualquer que tenha sido a motivação do presidente, no plano jurídico-constitucional sua proposta ... more Qualquer que tenha sido a motivação do presidente, no plano jurídico-constitucional sua proposta de substituição do voto aberto pelo voto sigiloso, como modo de pôr fim à “animosidade” contra os ministros e permitir que possam andar em espaços públicos sem serem provocados e até agredidos, não se sustenta. Algum assessor podia tê-lo informado de que, no plano internacional, há em países democráticos experiências de despersonalização do voto nas cortes supremas, o que permite aos seus ministros debater os casos a eles submetidos e construir um voto majoritário, evitando a simples somatória de votos individuais, como ocorre no STF. Já no plano político, a fala do presidente – cuja primeira indicação de ministro para o Supremo foi de seu advogado pessoal, um profissional sem estatura intelectual e sem envergadura nos meios jurídicos – é mais uma demonstração de que ele vem perdendo rapidamente, em apenas pouco mais de sete meses de mandato, seu capital político.

Research paper thumbnail of Entre a obediência e a irresponsabilidade: O caso Mauro Cid e a diferença entre o modo de pensar e agir da burocracia militar e da burocracia civil

Jota, 2023

Esse caso recoloca em pauta um problema muito discutido nos tempos da ditadura militar: a diferen... more Esse caso recoloca em pauta um problema muito discutido nos tempos da ditadura militar: a diferença entre o modo de pensar e agir da burocracia militar e da burocracia civil. Na burocracia civil, os objetivos das políticas públicas são definidos a partir de normas previstas pelo ordenamento jurídico. E ele em momento algum trata a burocracia civil – que por princípio é profissional, meritocrática e aberta ao diálogo com os demais Poderes – como uma corporação diferenciada no âmbito do Estado. Nesse sentido, ela deve cumprir a Constituição, dialogar e negociar com o Legislativo e se submeter às decisões do Judiciário.

Já as corporações militares, que formam organizações verticalizadas baseadas nos princípios da disciplina, hierarquia e obediência, são tratadas juridicamente como uma organização diferenciada. Desde o golpe que derrubou a Monarquia e instalou a República elas se intitularam como “poder moderador”. Nos textos legais sobre as Forças Armadas quase sempre há uma referência ao fato de terem missões constitucionais específicas. Enquanto a burocracia civil trata seu funcionalismo com base no princípio da impessoalidade, a burocracia militar busca, estatutariamente, desenvolver camaradagem em círculos definidos como espaços fechados de convivência entre militares da mesma categoria.

Research paper thumbnail of Democracia e tensão federativa

Jornal da USP, 2023

or mais politicamente desastrosa que tenha sido a fala do governador mineiro Romeu Zema (Novo), p... more or mais politicamente desastrosa que tenha sido a fala do governador mineiro Romeu Zema (Novo), propondo uma aliança entre os Estados das regiões Sul e Sudeste para enfrentar os Estados das regiões Norte e Nordeste no caso da reforma tributária, a tensão federativa é antiga na vida do País. Há pouco menos de um século, por exemplo, ao afirmar que se não pudesse assumir a hegemonia política no País, já que detinha a hegemonia econômica, São Paulo deveria se separar do resto do país, o escritor Monteiro Lobato foi claro. “Aceitemos Hobbes. Sejamos lobos contra lobos; lobos gordos contra lobos famintos”, afirmou.

Research paper thumbnail of O bolsonarismo e o financiamento das universidades públicas paulistas

Jornal da USP, 2023

Depois de ter criado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as três universidades ... more Depois de ter criado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as três universidades públicas paulistas, em 2019, a bancada bolsonarista da Assembleia Legislativa de São Paulo-que hoje conta com 19 dos 94 deputados estaduais-agora está questionando os gastos dessas instituições e se mobilizando para cercear suas fontes de financiamento. Sob a justificativa de que a USP, a Unicamp e a Unesp promovem

Research paper thumbnail of A política externa do governo Lula

Jornal da USP, 2023

Em menos de seis meses de mandato, o presidente da República fez sete viagens ao exterior. Se sua... more Em menos de seis meses de mandato, o presidente da República fez sete viagens ao exterior. Se sua decisão de reintroduzir o país nas relações internacionais - após quatro anos de uma total ausência - foi correta, sua implementação, contudo, vem deixando a desejar.

Research paper thumbnail of A torpe comparação de professores a traficantes

Jota, 2023

Analfabeto funcional, o deputado Eduardo Bolsonaro comparou “professores doutrinadores” a trafica... more Analfabeto funcional, o deputado Eduardo Bolsonaro comparou “professores doutrinadores” a traficantes de drogas que tentam levar nossos filhos para o mundo do crime”. O fato ocorreu em Brasília, num evento promovido por apoiadores do armamento da população, o que por si só já dá a dimensão moral do fato. No ato, ele pediu aos chefes de famílias que “prestassem atenção na educação dos filhos” e que acompanhassem o que eles estão aprendendo nas escolas para “não dar espaço para professor doutrinador sequestrar crianças”. Sua conclusão foi de que “a figura desses professores” talvez seja “pior” do que a dos traficantes.

Research paper thumbnail of O Supremo merecia mais respeito

Folha de São Paulo, 2023

Indicações recentes comprometem isenção, independência e autoridade moral

Research paper thumbnail of A diplomacia 'repentista' de Lula

Jota, 2023

Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a polític... more Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a política externa, deixando a política interna para seus ministros, os primeiros cinco meses de mandato estão corroendo rapidamente sua autoridade e credibilidade. Com a cabeça nos tempos da polarização da Guerra Fria, Lula tornou assertiva sua posição à esquerda quer na economia quer na geopolítica.

Research paper thumbnail of A interpretação da Constituição pelo bolsonarismo

Jota, 2023

Na mesma semana em que os ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal ... more Na mesma semana em que os ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a defender a tese de que só as denúncias contra os executores dos atos golpistas de janeiro deveriam ser acolhidas, ao analisar a terceira leva de denunciados, a corte também começou a julgar o indulto concedido pelo ex-presidente ao ex-deputado Daniel Silveira, que havia sido por ela condenado por afrontá-la e por incitar atos antidemocráticos. Os dois casos revelam o modo peculiar como o bolsonarismo interpreta a Constituição e o direito constitucional, baseando-se na premissa de que os fins justificam os meios.

Research paper thumbnail of A escolha do novo ministro do STF

Jornal da USP, 2023

Agravado com a indicação de duas figuras obscuras, sem conhecimento jurídico e pensamento consoli... more Agravado com a indicação de duas figuras obscuras, sem conhecimento jurídico e pensamento consolidado nos âmbitos judiciais e acadêmicos, o processo de rebaixamento do nível médio de conhecimento técnico e formação consistente dos componentes do Supremo Tribunal Federal poderá cair ainda mais, dependendo de como for preenchida a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski.

Research paper thumbnail of A regulação das redes sociais: A necessidade de uma legislação para neutralizar abusos nas redes digitais sem colocar em risco a liberdade de expressão

Jota, 2023

Ainda que não seja viável saber o que vai acontecer com a política, uma coisa é certa: ao propici... more Ainda que não seja viável saber o que vai acontecer com a política, uma coisa é certa: ao propiciar fluxos contínuos de todo tipo de informações, sem que ninguém se apresente como responsável por muitas delas, as transformações na tecnologia de comunicações configuraram um cenário que a democracia representativa não tem conseguido controlar. O que coloca em risco a liberdade à medida que avançam, em velocidade digital, fake news eivadas de demagogia e autoritarismo.

É justamente isso que justifica a necessidade de uma legislação destinada a neutralizar abusos nas redes digitais, mas sem colocar em risco a liberdade de expressão. Ainda que a tentativa de se promover essa neutralização e ao mesmo tempo de preservar a liberdade de opinião caminhe sob um fio de navalha, ela é importante. E pode funcionar caso os legisladores trabalhem com base na análise dos erros e acertos de cada restrição por eles impostas. Não é por acaso que o bolsonarismo está se opondo ao projeto que tramita no Legislativo.

Research paper thumbnail of As PECs e a erosão constitucional

Folha de São Paulo, 2023

Aprovada no final de 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios modificou a ... more Aprovada no final de 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios modificou a metodologia de cálculo do limite do teto de gastos, permitindo maiores dispêndios no orçamento de 2022. Menos de um ano depois, a aprovação da PEC da Transição, após as eleições presidenciais de outubro, voltou a modificar os dispositivos sobre gastos, desta vez para acomodar mais despesas, sob a justificativa de estimular programas sociais. Ela também determinou a criação de um novo marco fiscal até agosto de 2023 e o governo já deixou claro que recorrerá a uma PEC para introduzi-lo.
Se caminhar nessa linha, serão três alterações constitucionais discordantes sobre um mesmo tema num período muito curto de tempo. Por isso, a dúvida é saber se a aprovação de tantas PECs não acabará introduzindo na Constituição normas que tendem a desfigurá-la. Como entre a promulgação da Carta e dezembro de 2022 já foram aprovadas 128 emendas constitucionais, essa indagação ganha ainda mais relevância.

Research paper thumbnail of Os perigos do constitucionalismo de exceção

Jornal da USP, 2023

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), vem criando uma crise institucional com bas... more O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), vem criando uma crise institucional com base num argumento que começou com uma medida de exceção: por causa da pandemia, Câmara e Senado criaram um rito provisório que permitia ao presidente da primeira casa levar Medidas Provisórias diretamente a plenário, indicando relatores, interferindo em seu conteúdo e reduzindo o tempo de tramitação, para só aí encaminhá-las ao Senado. A regra constitucional que foi alterada em nome da situação emergencial causada pela pandemia prevê que as medidas provisórias sejam inicialmente avaliadas por uma comissão mista composta de modo paritário-ou seja, integrada por um igual número de deputados e senadores.

Research paper thumbnail of Quem interpreta a Constituição: magistrados, líderes evangélicos ou o “povo”? – Jornal da USP

Jornal da USP, 2024

Schmitt foi o jurista que inspirou o teor dos Atos Institucionais n° 1, 2 e 5 baixados após o gol... more Schmitt foi o jurista que inspirou o teor dos Atos Institucionais n° 1, 2 e 5 baixados após o golpe militar de 1964. Esses três atos partiam da premissa de que a nova ordem política não expressava “o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”, motivo pelo qual as Forças Armadas “investiam-se no exercício de um poder constituinte legitimando-se por si mesmos”, sob a justificativa de “preservar a ordem, a segurança, a tranquilidade, a harmonia e a integração do povo brasileiro”. Oito décadas após a queda do nazifascismo e quatro décadas após o fim da ditadura militar, Schmitt hoje inspira governos iliberais, como os da Hungria e da Polônia.

A dúvida é saber se quando Bolsonaro falou “eu sou a Constituição”, em 2020, e Malafaia afirmou que “supremo é o povo”, há alguns meses, eles haviam lido alguns parágrafos de Schmitt ou se o que disseram não era um plágio rasteiro, mas bobagens de produção própria.

Research paper thumbnail of Os “crentes em Cristo” e a democracia

Jornal da USP, 2024

As falas irresponsáveis e inconsequentes de alguns bispos evangélicos e pastores de igrejas neope... more As falas irresponsáveis e inconsequentes de alguns bispos evangélicos e pastores de igrejas neopentecostais, afirmando que “o povo é o supremo poder de uma nação”, situando-se acima até mesmo da corte judicial encarregada de promover o controle da constitucionalidade, colocaram nos meios de comunicação um tema que até era debatido, mas apenas por sociólogos, cientistas políticos e historiadores. Trata-se do avanço, no País, da chamada “teologia do triunfalismo” – uma teoria sem fundamentos sólidos e de viés fortemente autoritário.

Research paper thumbnail of O bolsonarismo e o futuro do STF

Jota, 2024

o bolsonarismo continua agindo de modo oportunista, declarando guerra a um Poder que, apesar de ... more o bolsonarismo continua agindo de modo oportunista, declarando guerra a um Poder que, apesar de todos os problemas estruturais da Justiça brasileira, continua sendo vital para assegurar a continuidade da democracia e evitar que o país se converta numa tirania da mediocridade. Não fosse assim, o Supremo não teria sido um dos principais alvos das afrontas criminosas e antidemocráticas cometidas na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Research paper thumbnail of O orgulho de pertencer a uma universidade consciente de sua função social

Jornal da USP, 2023

Este é o final de linha de um antigo estudante de uma geração contestadora que, ao longo da vida,... more Este é o final de linha de um antigo estudante de uma geração contestadora que, ao longo da vida, converteu-se em um maître à penser e, agora, é obrigado a deixar a sala de aula por limite de idade.

Quando entrei na USP, em 1968, ano marcado por efervescência de ideias e contestações estudantis em muitos países, tudo parecia possível para um jovem recém-chegado do ensino médio. O período em que estudei Direito marcou-me pelo fato de que aquelas manifestações espalharam pelo mundo ondas de protestos, no sentido romântico de uma retomada dos impulsos morais que as gerações anteriores teriam deixado se esvair. Foi um período em que a vida burocratizada de até então passou a ser vista como opressão.

Em que medida esse tipo sufocante de vida não estaria encoberto pelo que acreditávamos ser a racionalidade? – esta foi uma das indagações então surgidas. Em que medida o avanço da razão abrira caminho não para o progresso material ou espiritual da humanidade, mas para a acumulação desumanizante subjacente ao capitalismo e para o aumento de desigualdades e injustiças? Se na primazia do desejo os estudantes franceses de 1968 almejavam outra vida e outro padrão de sociedade, os estudantes brasileiros desejavam liberdade, respeito aos direitos fundamentais e o retorno à democracia.

Research paper thumbnail of A criação do Colégio Brasileiro de Faculdades de Direito públicas - JOTA

Jota, 2023

Historicamente, a ideia de universidade pública no país está fortemente associada à USP, que foi ... more Historicamente, a ideia de universidade pública no país está fortemente associada à USP, que foi criada nos anos de 1930 por liberais ilustrados que contrapunham os valores de racionalidade e modernidade às oligarquias agrárias do Sudeste. Ainda que a iniciativa tenha expresso um poder de classe travestido de interesse geral da nação, essa elite pensava numa convergência entre universidade pública, coisa pública e homem público. Esse tipo de liberalismo conferiu à ideia de público o estatuto de um valor, concebendo a universidade pública como o locus adequado para a discussão e a construção de valores e como instrumento para a modernização institucional do país.

Research paper thumbnail of Os precatórios e a degradação da Constituição

Jornal da USP, 2023

O governo poderia propor uma nova PEC para alterar os critérios de pagamento dos precatórios, mas... more O governo poderia propor uma nova PEC para alterar os critérios de pagamento dos precatórios, mas não o fez por não ter confiança em sua base de apoio no Congresso. Desde então, ministros e líderes governistas vêm pressionam o STF a interpretar Constituição não ao pé da letra, mas de modo extensivo, sob a justificativa da necessidade de desarme dessa bomba fiscal.

Se a PEC do governo anterior que restringiu o pagamento dos precatórios até 2026 foi calote, as manobras do atual governo para tentar emplacar uma proposta discutível juridicamente são um exemplo dos efeitos corrosivos da cultura do jeitinho. Afinal, quanto mais comum se torna essa prática, maior é o risco de degradação da Constituição que entrou em vigor com a redemocratização do país. Promulgada em 1988, ela abriga diversas aspirações e regras para o funcionamento das instituições, da economia e da vida social.

Como a sociedade brasileira é complexa, heterogênea e desigual, ao estabelecer direitos, proteger interesses e distribuir poderes, a Constituição foi produto de um processo de conciliação entre as diferentes forças políticas que moldaram a transição do autoritarismo militar para a democracia. Contudo, não foi fruto de um pacto simétrico de mútuos interesses, mas uma estratégia de estabilização de uma ordem assimétrica. A um só tempo detalhista e programática, tendo constitucionalizado um sem-número de normas tributárias e fiscais que estavam na legislação infraconstitucional e com muitos problemas de antinomia, uma vez que foi produto de um pacto assimétrico, a Constituição carece de unidade sistêmica por ter sido concebida mais por vizinhança de assuntos do que por um fio condutor lógico.

Research paper thumbnail of A independência do STF e as pretensões do Congresso -Estadão

Estadão blog Fausto Macedo, 2023

Como o Supremo têm - por cláusula pétrea - a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de ... more Como o Supremo têm - por cláusula pétrea - a prerrogativa de declarar a inconstitucionalidade de normas derivadas do poder constituinte derivado, as ameaças de limitar seu campo de ação vindas do Executivo e do Legislativo não têm como ser concretizadas. Se há uma instituição que tenta romper o equilíbrio dos Poderes, avocando para si a prerrogativa de derrubar decisões judiciais que “extrapõem os limites constitucionais” e de impor um regimento interno a uma corte constitucional, essa é onde pululam finas flores do lodo germinadas pelas sementes da política de cabresto, da fisiologia franciscana, da parolagem bíblica e de quem defende golpes e repete palavras-de-ordem fascistas.

Research paper thumbnail of O presidente da República e a transparência do STF

Jornal da USP, 2023

Qualquer que tenha sido a motivação do presidente, no plano jurídico-constitucional sua proposta ... more Qualquer que tenha sido a motivação do presidente, no plano jurídico-constitucional sua proposta de substituição do voto aberto pelo voto sigiloso, como modo de pôr fim à “animosidade” contra os ministros e permitir que possam andar em espaços públicos sem serem provocados e até agredidos, não se sustenta. Algum assessor podia tê-lo informado de que, no plano internacional, há em países democráticos experiências de despersonalização do voto nas cortes supremas, o que permite aos seus ministros debater os casos a eles submetidos e construir um voto majoritário, evitando a simples somatória de votos individuais, como ocorre no STF. Já no plano político, a fala do presidente – cuja primeira indicação de ministro para o Supremo foi de seu advogado pessoal, um profissional sem estatura intelectual e sem envergadura nos meios jurídicos – é mais uma demonstração de que ele vem perdendo rapidamente, em apenas pouco mais de sete meses de mandato, seu capital político.

Research paper thumbnail of Entre a obediência e a irresponsabilidade: O caso Mauro Cid e a diferença entre o modo de pensar e agir da burocracia militar e da burocracia civil

Jota, 2023

Esse caso recoloca em pauta um problema muito discutido nos tempos da ditadura militar: a diferen... more Esse caso recoloca em pauta um problema muito discutido nos tempos da ditadura militar: a diferença entre o modo de pensar e agir da burocracia militar e da burocracia civil. Na burocracia civil, os objetivos das políticas públicas são definidos a partir de normas previstas pelo ordenamento jurídico. E ele em momento algum trata a burocracia civil – que por princípio é profissional, meritocrática e aberta ao diálogo com os demais Poderes – como uma corporação diferenciada no âmbito do Estado. Nesse sentido, ela deve cumprir a Constituição, dialogar e negociar com o Legislativo e se submeter às decisões do Judiciário.

Já as corporações militares, que formam organizações verticalizadas baseadas nos princípios da disciplina, hierarquia e obediência, são tratadas juridicamente como uma organização diferenciada. Desde o golpe que derrubou a Monarquia e instalou a República elas se intitularam como “poder moderador”. Nos textos legais sobre as Forças Armadas quase sempre há uma referência ao fato de terem missões constitucionais específicas. Enquanto a burocracia civil trata seu funcionalismo com base no princípio da impessoalidade, a burocracia militar busca, estatutariamente, desenvolver camaradagem em círculos definidos como espaços fechados de convivência entre militares da mesma categoria.

Research paper thumbnail of Democracia e tensão federativa

Jornal da USP, 2023

or mais politicamente desastrosa que tenha sido a fala do governador mineiro Romeu Zema (Novo), p... more or mais politicamente desastrosa que tenha sido a fala do governador mineiro Romeu Zema (Novo), propondo uma aliança entre os Estados das regiões Sul e Sudeste para enfrentar os Estados das regiões Norte e Nordeste no caso da reforma tributária, a tensão federativa é antiga na vida do País. Há pouco menos de um século, por exemplo, ao afirmar que se não pudesse assumir a hegemonia política no País, já que detinha a hegemonia econômica, São Paulo deveria se separar do resto do país, o escritor Monteiro Lobato foi claro. “Aceitemos Hobbes. Sejamos lobos contra lobos; lobos gordos contra lobos famintos”, afirmou.

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Jornal da USP, 2023

Depois de ter criado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as três universidades ... more Depois de ter criado uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as três universidades públicas paulistas, em 2019, a bancada bolsonarista da Assembleia Legislativa de São Paulo-que hoje conta com 19 dos 94 deputados estaduais-agora está questionando os gastos dessas instituições e se mobilizando para cercear suas fontes de financiamento. Sob a justificativa de que a USP, a Unicamp e a Unesp promovem

Research paper thumbnail of A política externa do governo Lula

Jornal da USP, 2023

Em menos de seis meses de mandato, o presidente da República fez sete viagens ao exterior. Se sua... more Em menos de seis meses de mandato, o presidente da República fez sete viagens ao exterior. Se sua decisão de reintroduzir o país nas relações internacionais - após quatro anos de uma total ausência - foi correta, sua implementação, contudo, vem deixando a desejar.

Research paper thumbnail of A torpe comparação de professores a traficantes

Jota, 2023

Analfabeto funcional, o deputado Eduardo Bolsonaro comparou “professores doutrinadores” a trafica... more Analfabeto funcional, o deputado Eduardo Bolsonaro comparou “professores doutrinadores” a traficantes de drogas que tentam levar nossos filhos para o mundo do crime”. O fato ocorreu em Brasília, num evento promovido por apoiadores do armamento da população, o que por si só já dá a dimensão moral do fato. No ato, ele pediu aos chefes de famílias que “prestassem atenção na educação dos filhos” e que acompanhassem o que eles estão aprendendo nas escolas para “não dar espaço para professor doutrinador sequestrar crianças”. Sua conclusão foi de que “a figura desses professores” talvez seja “pior” do que a dos traficantes.

Research paper thumbnail of O Supremo merecia mais respeito

Folha de São Paulo, 2023

Indicações recentes comprometem isenção, independência e autoridade moral

Research paper thumbnail of A diplomacia 'repentista' de Lula

Jota, 2023

Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a polític... more Para um presidente da República inteligente mas pouco instruído que optou por priorizar a política externa, deixando a política interna para seus ministros, os primeiros cinco meses de mandato estão corroendo rapidamente sua autoridade e credibilidade. Com a cabeça nos tempos da polarização da Guerra Fria, Lula tornou assertiva sua posição à esquerda quer na economia quer na geopolítica.

Research paper thumbnail of A interpretação da Constituição pelo bolsonarismo

Jota, 2023

Na mesma semana em que os ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal ... more Na mesma semana em que os ministros indicados por Jair Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a defender a tese de que só as denúncias contra os executores dos atos golpistas de janeiro deveriam ser acolhidas, ao analisar a terceira leva de denunciados, a corte também começou a julgar o indulto concedido pelo ex-presidente ao ex-deputado Daniel Silveira, que havia sido por ela condenado por afrontá-la e por incitar atos antidemocráticos. Os dois casos revelam o modo peculiar como o bolsonarismo interpreta a Constituição e o direito constitucional, baseando-se na premissa de que os fins justificam os meios.

Research paper thumbnail of A escolha do novo ministro do STF

Jornal da USP, 2023

Agravado com a indicação de duas figuras obscuras, sem conhecimento jurídico e pensamento consoli... more Agravado com a indicação de duas figuras obscuras, sem conhecimento jurídico e pensamento consolidado nos âmbitos judiciais e acadêmicos, o processo de rebaixamento do nível médio de conhecimento técnico e formação consistente dos componentes do Supremo Tribunal Federal poderá cair ainda mais, dependendo de como for preenchida a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski.

Research paper thumbnail of A regulação das redes sociais: A necessidade de uma legislação para neutralizar abusos nas redes digitais sem colocar em risco a liberdade de expressão

Jota, 2023

Ainda que não seja viável saber o que vai acontecer com a política, uma coisa é certa: ao propici... more Ainda que não seja viável saber o que vai acontecer com a política, uma coisa é certa: ao propiciar fluxos contínuos de todo tipo de informações, sem que ninguém se apresente como responsável por muitas delas, as transformações na tecnologia de comunicações configuraram um cenário que a democracia representativa não tem conseguido controlar. O que coloca em risco a liberdade à medida que avançam, em velocidade digital, fake news eivadas de demagogia e autoritarismo.

É justamente isso que justifica a necessidade de uma legislação destinada a neutralizar abusos nas redes digitais, mas sem colocar em risco a liberdade de expressão. Ainda que a tentativa de se promover essa neutralização e ao mesmo tempo de preservar a liberdade de opinião caminhe sob um fio de navalha, ela é importante. E pode funcionar caso os legisladores trabalhem com base na análise dos erros e acertos de cada restrição por eles impostas. Não é por acaso que o bolsonarismo está se opondo ao projeto que tramita no Legislativo.

Research paper thumbnail of As PECs e a erosão constitucional

Folha de São Paulo, 2023

Aprovada no final de 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios modificou a ... more Aprovada no final de 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Precatórios modificou a metodologia de cálculo do limite do teto de gastos, permitindo maiores dispêndios no orçamento de 2022. Menos de um ano depois, a aprovação da PEC da Transição, após as eleições presidenciais de outubro, voltou a modificar os dispositivos sobre gastos, desta vez para acomodar mais despesas, sob a justificativa de estimular programas sociais. Ela também determinou a criação de um novo marco fiscal até agosto de 2023 e o governo já deixou claro que recorrerá a uma PEC para introduzi-lo.
Se caminhar nessa linha, serão três alterações constitucionais discordantes sobre um mesmo tema num período muito curto de tempo. Por isso, a dúvida é saber se a aprovação de tantas PECs não acabará introduzindo na Constituição normas que tendem a desfigurá-la. Como entre a promulgação da Carta e dezembro de 2022 já foram aprovadas 128 emendas constitucionais, essa indagação ganha ainda mais relevância.

Research paper thumbnail of Os perigos do constitucionalismo de exceção

Jornal da USP, 2023

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), vem criando uma crise institucional com bas... more O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), vem criando uma crise institucional com base num argumento que começou com uma medida de exceção: por causa da pandemia, Câmara e Senado criaram um rito provisório que permitia ao presidente da primeira casa levar Medidas Provisórias diretamente a plenário, indicando relatores, interferindo em seu conteúdo e reduzindo o tempo de tramitação, para só aí encaminhá-las ao Senado. A regra constitucional que foi alterada em nome da situação emergencial causada pela pandemia prevê que as medidas provisórias sejam inicialmente avaliadas por uma comissão mista composta de modo paritário-ou seja, integrada por um igual número de deputados e senadores.