O Passivo colonial (original) (raw)

O "Donativo Real" e a escravidão colonial paulista

[Artigo publicado em 2011, em co-autoria com Eni Samara] O presente trabalho propõe uma discussão acerca da listagem da população paulista produzida em 1729, por ocasião da cobrança do Donativo Real, como fonte possível para o estudo da escravidão colonial na região concernente à cidade de São Paulo e seu termo. Sem escapar do tema norteador da análise – o processo de substituição da mão de obra escrava indígena pela africana busca-se, em primeiro lugar, apontar as perspectivas de trabalho que esta fonte documental oferece e, em segundo, propor uma interpretação que considere não apenas aquelas informações inscritas em suas páginas, mas também os silêncios e as omissões produzidos por seus autores.

Colonialidades em Movimento

Revista Criação & Crítica, 2018

Os estudos de gênero e a teoria pós-colonial estabeleceram novos paradigmas à perquirição das subjetividades no mundo contemporâneo. No campo dos estudos literários, percebe-se, por exemplo, o crescente número de trabalhos que ora revisitam o cânone ocidental, ora questionam o estatuto do mesmo a partir destas visadas, reelaborando, assim, o que se tem definido por ‘Literatura’, tanto no que tange às vozes autorais tradicionalmente legitimadas, quanto os temas e formas que têm sido privilegiados no decorrer da História. Ao longo deste processo de desconstrução de “verdades” epistêmicas, destaca-se, tanto para a Teoria de Gênero quanto Pós-Colonial, a necessidade de se repensar o papel do corpo na constituição de subjetividades. Assim, este trabalho tem por objetivo analisar, sob uma perspectiva interseccional, o conto “Out on Main Street” (1993) da escritora indocaribenha Shani Mootoo. Acredito que a autora projete textualmente o corpo, trazendo à tona uma crítica das colonialidades...

O colonialismo filtrado pelo olhar

Revista 2i: Estudos de Identidade e Intermedialidade, 2021

A fotografia e a sua relação com uma almejada verdade histórica tem sido complexa. Olhar para ela como mero documento-fonte, ignorando a sua dimensão subjetiva, não corresponde a uma aproximação à totalidade do seu discurso, denotado e conotado, e da sua retórica. Por conseguinte, olharemos para a fotografia como processo de construção intencional de verdades, de discursos e de narrativas com objetivos políticos, culturais, sociais e económicos. No fundo, partimos da conceção de que a imagem produzida é sempre fruto das relações de poder existentes na sociedade em que é fixada e à qual se destina. Neste artigo, propomo-nos refletir acerca desta tensão entre a objetividade e a subjetividade da imagem a partir do estudo da fotografia colonial produzida pelos serviços da Diamang. Nela procurando pensar a dicotomia visibilidade-invisibilidade e testando conceitos como os de alteridade, subalternidade e dominação. Avançaremos também com uma proposta de classificação e de leitura da narra...

Carlos Julião e o mundo colonial português

2010

Esta comunicação tem origem em minha tese de doutorado intitulada Figurinhas de brancos e negros: Carlos Julião e o mundo colonial português, recentemente defendida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A tese se propõe à análise de documentos iconográficos cuja autoria é atribuída a Carlos Julião (1740-1811), militar de origem piemontesa a serviço do exército português na segunda metade do Setecentos. Integram esse conjunto duas peças cartográficas conservadas em coleção portuguesa, um álbum de aquarelas na Biblioteca Nacional, Rio Janeiro, bem como duas pinturas pertencentes ao

Revolução Passiva e Tempo Histórico

O conceito moderno de revolução, como aponta Hannah Arendt (1988), ao abandonar o terreno das ciências naturais e adentar à esfera da história e da política, adquire uma dimensão temporal essencial. Não se tratava de demarcar o movimento dos astros, mas de dimensionar um evento capaz da operar uma fratura no tempo histórico, de modo a inaugurar o tempo a partir de uma nova perspectiva. No interior das esquerdas ocidentais, atesta Alberto Aggio (1997), o conceito se configura enquanto mito, estando inerentemente conectado a uma dimensão temporal que estabelece a necessidade de abolição do próprio tempo a partir de ações políticas redentoras. Nesse sentido, esse trabalho objetiva compreender em que medida o conceito de revolução passiva elaborado por Antonio Gramsci em suas reflexões carcerárias é capaz de rever essa visão mítica revolucionária própria às esquerdas, sobretudo aquelas de cunho marxista. Para tanto, é preciso demonstrar que esse cancelamento da revolução enquanto mito é possível somente na medida em que Gramsci promove alterações significativas na compreensão da história e da política próprias ao marxismo. O desenvolvimento do marxismo, aqui focado na perspectiva de seus fundadores por razões de espaço, está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento da modernidade. O processo de modernização desencadeado pelo avanço do capitalismo traz consigo novos atores e novos processos históricos que carecem de uma explicação diversa daquela de cunho teológico própria ao mundo medieval. Isso significa afirmar que o marxismo se ancora fundamentalmente em uma construção racionalista do mundo, de modo que sua leitura da história obedece aos desígnios de uma razão capaz de captar o real, eliminando os resquícios metafísicos da compreensão do mundo dos homens. As primeiras reflexões filosóficas de Marx (2013), fora do campo idealista, anunciam esse projeto. Em contraposição à filosofia hegeliana, acusada de mistificar a realidade fazendo da Ideia o sujeito histórico por excelência, Marx compreende a história enquanto a ciência capaz de desnudar racionalmente os aspectos do real. A célebre passagem do Manifesto 1 Doutorando em História pela Unesp -Franca, com o projeto A Dialética da Virtude de Antonio Gramsci. Mestre em História pela mesma universidade. É também membro da incubadora cultural Cupim Literário.

A Eclosão Do Colonial Em Nosso Cotidiano

Vivência: Revista de Antropologia

Transcrição da Conferência de João Pacheco de Oliveira na Semana de Antropologia UFRN 2017, realizada por Cristina Diógenes Souza Bezerra, revisada por Angela Facundo e pelo autor.

Islão transnacional e os fantasmas do colonialismo português

Relações Internacionais 30, pp. 71-82, 2011

Este artigo examina a forma como as políticas colónias portuguesas de enquadramento do Islão na Guiné e em Moçambique evoluíram de uma representação do muçulmano como ameaça para uma imagem mais conciliadora, pela qual os muçulmanos poderiam ser potenciais aliados do poder português na guerra contra os movimentos nacionalistas. Sendo ambas as representações marcadas pela ambivalência, a primeira predominou até ao final da década de 50 e a segunda desenhou-se em meados dos anos 60, acompanhando o restante trajecto das guerras coloniais. As duas imagens corresponderam a diferentes formas de lidar com a dimensão transnacional do Islão e com o seu alegado impacto sobre o colonialismo português em África. O artigo analisa essas estratégias, abordando a participação que nelas teve a Igreja Católica, o aparelho central de poder e as suas ramificações locais nas colónias. This article examines the evolution of Portuguese colonial policies regarding Islam in Guinea and Mozambique. Such policies turned from an image of Muslim as foe to a more reconciling picture, in which Muslims could be presented as potential allies of the Portuguese power in the war against nationalist movements. Being both marked by ambivalence, the first image prevailed until the end of 1950s and the second one emerged in the mid-60s to be part of the last stage in the colonial wars. These images corresponded to different ways of addressing the transnational dimension of Islam and its supposed impact on the Portuguese colonialism in Africa. The article analyses those strategies and the actors that were behind them: the Catholic Church, the core of political power and its local ramifications in the colonies.

A dimensão (de)colonial no trabalho de Márcio Carvalho The (de)colonial dimension in Márcio Carvalho work

As Artes Visuais Pelos Artistas: Actas do XIII Congresso CSO 2022, 2022

Este artigo apresenta um estudo sobre a relação entre práticas artísticas contemporâneas em Portugal e a desconstrução do pensamento colonial a partir da análise do trabalho do artista Márcio Carvalho. A abordagem toma como foco a obra Falling Thrones-Olympic Series onde o desenho adquire um papel fundamental na forma como o artista traduz a sua visão sobre poder e resistência.

Uma pedra no sapato da colonialidade

Sidney Amaral: manifesto de cognição e memória, 2022

Aqui dentro do lado de fora por Gabriela Campos, Igi Lola Ayedun y Wanessa Yano. encanto. Como potência, a tecnologia ancestral não necessariamente se materializa em recursos diretamente físicos, propriamente palpáveis. A tecnologia ancestral fala de futuro através do saber, da capacidade de atravessar o tempo/espaço, do encantamento, do livre trânsito de ser y se fazer presente nas ações determinadas. Para estabelecer relações de livre expressão, existência y vice-versa, as capacidades individuais dos sujeitos precisam ser preservadas por dinâmicas que garantam emancipação aos mesmos para que escolham o que podem ou não escolher ser. encantar. Falar de suas individualidades de uma maneira tão única a ponto do tempo, das motivações, das perspectivas, dos desejos, medos, tristezas, violências transformarem narrativas ímpares em memória coletiva. Esta, que é o elemento fundamental para a continuação da existência que transpassa, escoa de forma fluida y perene no presente. Mas, se as proposições do outro, aquele que não é, que sadicamente busca se diferenciar, que pauta suas motivações em estabelecer relações que não sejam pautadas pelo domínio, pela desumanização de outros a ponto de determinar o fim… encantamento? A produção artística de Sidney Amaral foi construída a partir de suas constantes inquietações sobre a sensação de deslocamento, em estar y não pertencer aos diversos espaços que o seu corpo foi colocado. Abrindo um íntimo y provocativo vórtex de questionamentos acerca das construções estruturais, sociopolíticas y culturais de seu tempo sobre raça, gênero y identidade que impulsionaram tensionamentos sobre a produção y ausência das pessoas racializadas na narrativa central da arte contemporânea brasileira. Este documento relata essa travessia que, assim, voraz desenha um arco y flecha entre dimensões do existir artista, existir homem, existir preto, existir pai, marido, filho, gênio, professor entre o beloerótico-político-vívido-deprimido-romântico-visceral-apaixonadodesinibido gerado por meio da permissão a balbucia da complexidade que se é viver y, então, registrar para, enfim, produzir arte. Nas páginas seguintes há uma viagem, um adentramento a multiplicidade das coisas, permeando visões, perspectivas, vozes de quem já o conhecia, vozes de quem acabou de conhecê-lo, lastro de imagens, deleites verbais, reflexos temporais, manifestos de cognição y memória. Nas páginas seguintes há uma convenção de afetos, gestos, objetos, fatos editados em prisma a fim de percebermos Sidney em espectro omnidirecional. Nas páginas seguintes há um processo histórico de atestação da sensibilidade humana em suas mais curiosas minuciosidades, nutriente tanto quanto amar aos poucos y, para sempre, encantar.