Autobiografia e sujeito histórico indígena: considerações preliminares (original) (raw)

Anotações sobre a autobiografia de um líder indígena

Este texto busca examinar, nos interstícios das consequências do movimento indígena nacional (1970-1990), sua construção, a partir da narrativa de Álvaro Tukano sobre sua própria trajetória política, explicitada em seu livro inédito. Ao escrever sua própria versão, Álvaro conta seus próprios processos de transformação - aqueles de apropriação dos códigos impostos para afirmar sua diferença – e, por meio de suas experiências, testemunha seus propósitos explicativos e seu envolvimento com os jogos de poder. A partir de sua narrativa, abre um novo lócus de enunciação, do qual não se afirma apenas a existência de uma agência indígena, mas suas especificidades

Conversações sobre povos indígenas em práxis autobiográficas

Pontos de Interrogação — Revista de Crítica Cultural

Desde a promulgação dos seus direitos na Constituição de 1988, as assinaturas coletivas dos povos indígenas no Brasil são representativas de uma série de narrativas identitárias configuradas pelos próprios indígenas para dizerem quem são, onde e como querem viver e como desejam ser vistos e respeitados. Há, no entanto, uma lacuna significativa na abordagem dessas textualidades quando pensadas como práticas (auto) biográficas, produzidas tanto no protagonismo coletivo dos povos em suas lutas políticas, quanto na emergência autoral do sujeito histórico indígena, no campo da crítica etnográfica e literária no Brasil. É na esteira desse cenário que pretendemos apresentar uma discussão sobre os povos indígenas em práxis biográficas e autobiográficas, analisando o que dizem as assinaturas coletivas, presentes nessas narrativas, e como os nomes próprios dos chamados índios no Brasil são construídos e significam em nome do grupo.

Etnogênese, micro-história e história indígena. A trajetória de um arrivista a contrapelo

Espaço Ameríndio, 2024

Por muito tempo, a historiografia brasileira subscreveu a tese de que os povos indígenas praticamente não mais existiam enquanto grupos socialmente diferenciados durante o século XIX. Quando muitos desses coletivos considerados extintos organizaram-se em reivindicações por direitos específicos no final do século XX, as contradições das representações hegemônicas na sociedade brasileira sobre os povos indígenas se explicitaram. A partir de estratégias metodológicas inspiradas na micro-história italiana, o presente estudo aborda essa questão através da reconstituição de aspectos da biografia de um personagem não-indígena, trazendo para o primeiro plano da análise múltiplos indícios de presença indígena que emergiram durante a pesquisa. Com ênfase na relação entre fontes e procedimentos metodológicos, o artigo explicita, por um lado, diversas distorções inscritas na documentação – que podem levar à falsa ideia do desaparecimento indígena – e, por outro lado, explora possibilidades de superação de algumas dessas distorções

Biografias indígenas: o eu e o outro na escrita antropológica

Espaço Ameríndio , 2019

Entre as diversas abordagens que constituem o fazer antropológico contemporâneo, uma, em especial, praticamente não se desenvolveu na história da disciplina no Brasil: a biografia. Este ensaio apresenta um panorama da relação entre a etnologia indígena e o gênero biográfico, com foco nas noções de pessoa e indivíduo e em suas implicações para a escrita antropológica

Protagonismo como substantivo na História indígena

In: Protagonismo ameríndio de ontem e hoje (M. Cristina dos Santos; Guilherme G. Felippe), 2016

O tema do protagonismo indígena não é novo da historiografia, ainda que sua utilização tenha se intensificado nas últimas décadas, sendo comum vê-lo em títulos de trabalhos acadêmicos, em dossiês organizados por revistas, em propostas de simpósios e/ou congressos, ou mesmo na criação de sites voltados ao tema. 2 O protagonismo está estreitamente vinculado à concepção de agência -conceito muito discutido nas Ciências Sociais -que reúne mais divergências do que convergências a respeito das implicações de seu uso. Se, por um lado, protagonismo e agência são úteis para analisar a presença e atuação dos indígenas na defesa de seus direitos e no encaminhamento das políticas públicas de diversos países, na contemporaneidade; por outro, a transposição desses conceitos para contextos históricos do passado traz consigo inegáveis armadilhas teóricas e metodológicas.

“A vida que eu levo”: identidade e realidade indígena em análise

Revista do Sell

Este trabalho consiste em um estudo da letra de música A vida que eu levo, composta pelo grupo de rap indígena Brô Mc´s. Os integrantes desse grupo são jovens indígenas que moram na aldeia Jaguapiru em Dourados/MS. Considerando-se o Mato Grosso do Sul como o estado com a segunda maior população indígena do país, e Dourados como o município que concentra uma relevante concentração de indígenas, pretendemos, neste trabalho, identificar os processos de construção de sentido que favorecem a construção da realidade indígena e a afirmação de sua identidade. Para isso, recorreremos ao aparato teórico da Análise de Discurso de linha francesa, a fim de compreender os processos de formação do discurso, da ideologia e do sujeito, além de contarmos com os apontamentos de Stuart Hall(2000) para desenharmos a identidade do indígena na pós-modernidade.

Notas para uma crítica anarco-indígena do indivíduo

Palimpsestos - Revista de Arqueología y Antropología Anarquista, 2017

Neste texto faço apontamentos para uma crítica da concepção de indivíduo e identidade a partir de um diálogo entre teorias e práticas anarquistas, ameríndias e algumas reflexões apresentadas em minha tese etnográfica sobre os A’uwẽ-Xavante – povo de língua do tronco Jê que habita a região conhecida como Brasil Central. O diálogo foi iniciado em trabalhos anteriores a respeito do “dualismo em perpétuo desequilíbrio” de Claude Lévi-Strauss “feito política”, como dizem Beatriz Perrone-Moisés e Renato Sztutman, comparando práticas, histórias e filosofias ameríndias à dialética de Pierre Joseph-Proudhon e seu confederalismo anarquista. Tinha um foco maior naquilo que os anarquistas, assim como uma velha guarda da etnologia ameríndia, chamam de “organização social”. Agora retorna para o tema da pessoa, colocando em questão filosofias europeias e ameríndias que tem em comum uma recusa ao Estado e uma reflexão grave e aguda sobre a natureza humana, buscando expandir os limites da crítica à unidade. Apresento algumas das diferenças entre essas filosofias, considerando que as proposições ameríndias podem levar o anarquismo mais além. Encontram-se aí ressalvas à busca da unidade pelo desejo próprio do indivíduo por si mesmo - o de tornar-se senhor de si - como um desejo de poder.

Arquivo histórico e diferença indígena: repensando os outros da imaginação histórica ocidental

Revista de Teoria da História , 2019

Partindo da relação entre a história disciplinar, a prática historiográfica e a enunciação de um tipo de alteridade concebida como a-histórica, o texto pretende servir de introdução ao problema da diferença indígena a partir das lacunas existentes entre a linguagem conceitual do discurso histórico moderno e o universo existencial e cosmológico dessas sociedades "outras". Para tanto, busca-se demonstrar de que maneira a alteridade evocada pelas sociedades indígenas da Amazônia institui a exigência (e a oportunidade), para o pensamento histórico, de uma abertura para a desestabilização de seu próprio repertório conceitual. Esse movimento será efetivado a partir da comparação entre um certo ramo da moderna tradição histórico-filosófica e recentes contribuições de intelectuais indígenas e dos estudos antropológicos. Conclui-se que, se a questão da diferença indígena dificilmente pode ser suficientemente respondida no interior da perspectiva histórica tal como a concebemos (ou seja, de forma imanente à historiografia moderna), então urge a necessidade de uma abertura do pensamento histórico rumo a um desentendimento produtivo entre a identidade disciplinar e essa diferença que a tensiona. Palavras-chave: teoria da história; povos indígenas; Amazônia; modernidade; alteridade. HISTORICAL ARCHIVE AND INDIGENOUS DIFFERENCE: RETHINKING THE OTHERS OF WESTERN HISTORICAL IMAGINATION ABSTRACT: Starting from the relationship between disciplinary history, historiographical practice and the enunciation of a type of otherness conceived as ahistorical, the text intends to serve as an introduction to the problem of indigenous difference through the gaps between the conceptual language of modern historical discourse and the existential and cosmological universe of these "others". To this end, I seek to demonstrate how the alterity evoked by indigenous Amazonian societies institutes the demand (and the opportunity) for historical thinking to open up itself to the destabilization of its own conceptual repertoire. This movement will be accomplished through the comparison between a certain branch of the modern historical-philosophical tradition and recent contributions of indigenous intellectuals and anthropological studies. It is concluded that if the question of indigenous difference can hardly be sufficiently answered within the historical perspective as we conceive it (that is, immanent to modern historiography), then there is a need for an openness of historical thought towards a productive misunderstanding between the disciplinary identity and this tensioning alterity.

Texto criativo, texto estranho, ponto de vista nativo e autobiogra-fia indígena: discussões teórico-metodológicas para uma funda-mentação da crítica literária indígena na contemporaneidade Creative text, strange text, native point of view and Indigenous self-biography: theo-retical-methodological...

1992

Resumo Este ensaio visa discutir teorias que circundam a produção literária indígena na contemporanei-dade. As discussões em torno da produção literária ameríndia colaboram para se pensar em uma fundamentação teórico-metodológica voltada à cultura indígena. Nesse sentido, texto cria-tivo, texto estranho, escritas de ouvido, autobiografia indígena desdobram-se em reflexões acerca do lugar dos textos extraocidentais, como se lê estes textos estranhos, como ocupar um ponto de vista nativo e como perceber a extrospecção nestes textos literários de produção indígena. Tendo enquanto suporte autores como Antônio respectivamente aos conceitos apresenta-dos, proponho-me a pensar nestas teorias como ponto de partida para uma fundamentação axi-ológica própria ao cânone crítico indígena. Abstract This essay aims to discuss theories that ensemble the contemporary Indigenous literary production. The discussions around Indigenous literary production help to think in the theoretical-methodological ...