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Papers by Paulo Figueiredo

Research paper thumbnail of Projecto Vénus: Redefinir a Máquina Antropológica na Era da Reprodutibilidade Técnica do Corpo

Dissertação de mestrado para ciências da comunicação, vertente cultura contemporânea e novas tecn... more Dissertação de mestrado para ciências da comunicação, vertente cultura contemporânea e novas tecnologias. Tenta-se através de um objecto de estudo (a utopia tecnológica Projecto Vénus), desenvolver o conceito de reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin, adaptado ao corpo humano. O que implica um corpo transformado em informação que não a sua reprodução massiva através da tecnologia? Que implicações este fenómeno comporta? Impõe-se perceber através das ciências sociais o papel da ciência e da tecnologia e de que forma o "objecto" inserido no corpo progressivamente acentua a substituição do biológico pelo sintético. Classificação final obtida na defesa de tese foi de 18 valores.

Research paper thumbnail of 9Gag "Why So Serious?" - O método netnográfico aplicado ao estudo dos memes

O objectivo deste estudo é apresentar e analisar uma comunidade online, o 9Gag, que utiliza princ... more O objectivo deste estudo é apresentar e analisar uma comunidade online, o 9Gag, que utiliza principalmente “memes” para a comunicação entre seus utilizadores.

Research paper thumbnail of O Si Mesmo Como um Pós-Humano

Criada a partir do grego οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não ex... more Criada a partir do grego οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe", a utopia tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária e fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, como no presente, porém em paralelo. Pode também ser utilizada para definir um sonho ainda não realizado, uma fantasia ou uma esperança muito forte. Mas enquanto a utopia grega tinha como modelo a pólis, na utopia moderna o campo de projecção deixa de ser a filosofia política para passar a ser a tecnologia e o pensamento científico, conforme nos sugere Foucault. Uma dessas utopias tecnológicas que me proponho a abordar é a Singularidade ou pós-humanismo.

Research paper thumbnail of Descartes, Nancy, Ricoeur e O Lado Selvagem de Sean Penn

Ergo Sum, Ego Sum, Perspectivismo, Hermenêutica de Si. De Descartes a Ricœur, passando por Nietzs... more Ergo Sum, Ego Sum, Perspectivismo, Hermenêutica de Si. De Descartes a Ricœur, passando por Nietzsche e Jean Luc Nancy. A ideia de um sujeito do reconhecimento. Da ideia de fábula, baseada numa história verídica. Abordagem ao filme O Lado Selvagem de Sean Penn.

Research paper thumbnail of Redefinir a Máquina Antropológica

Ensaio que propõe a discussão das novas configurações da máquina antropológica que Giorgio Agambe... more Ensaio que propõe a discussão das novas configurações da máquina antropológica que Giorgio Agamben refere no seu livro «O Aberto».

Research paper thumbnail of Implicações da uma Era Pós-Biológica

As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução ... more As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução técnica. Desde da edificação de cidades à invenção de utensílios que permitiam ultrapassar questões de ordem mecânica, a natureza das utopias teve não só uma origem de fundo numa falha identificada como biológica, como a solução apresentada recorre à técnica para perspectivar uma solução. Neste processo de problema/solução é indesmentível que o próprio humano se foi reconfigurando através do crescente uso da técnica que se expandiu à quase total dimensão da experiência.
Digo quase, porque ainda nos consideramos essencialmente biológicos. Apesar de a técnica ser hoje parte fundamental no funcionamento da nossa civilização, é de comum acordo que o limite no qual se funda o biológico ainda não parece ter sido ultrapassado. Mesmo perante as possibilidades que a medicina, principalmente, nos trouxe com as vacinas, os antibióticos ou os pacemakers, invenções tecnológicas que não causam estranheza pela forma como irradiam problemas que na pré-modernidade eram do quotidiano. Hoje em dia, a possibilidade de alguém falecer vítima de uma constipação é reduzida, mas essa conquista possível através da técnica, parece ter-se tornado tão vulgar que todos tomam-na como garantida.
Se a técnica era vista fundamentalmente como forma de curar o corpo humano sem “mexer” nele, actualmente à luz dos avanços científicos, nomeadamente nos campos da biotecnologia e da robótica, começa a ser possível teorizar sobre o melhoramento efectivo do corpo humano e das suas capacidades. A ideia de um pós-humanismo afigurou-se como projecção assente na possibilidade de com a ajuda da tecnologia, os humanos aumentarem exponencialmente a sua inteligência, ultrapassarem doenças e debilidades do seu corpo orgânico e enfim, vencer a morte.
Neste trabalho irei referir-me em concreto à utopia tecnológica contemporânea chamada Singularidade. Em resumo, a Singularidade remete para a fundamental ligação histórica entre tecnologia e biologia que permitiu o progresso da civilização humana. Autores como Ray Kurzweil e Oswald Spengler encontram neste paralelo a pista para que a tecnologia criada pelo humano, mais cedo ou mais tarde irá ultrapassar a capacidade humana por um desejo inconsciente de imortalidade. Nesta altura, a biologia humana tornar-se-á obsoleta e não teremos outra opção senão permitir que a tecnologia, historicamente exterior, invada definitivamente o corpo humano. A esta definitiva fusão da tecnologia com o corpo humano é chamada pós-humanismo ou Singularidade. Nas previsões da Singularidade, o primeiro passo para a evolução tecnológica será alcançar a capacidade computacional do cérebro humano. Existem várias opções neste campo de investigação: computação com nanotubos (tubos normalmente de carbono com um nanómetro de diâmetro), computação molecular, computação com ADN, computação com electrões (spintronics), computação com luz e computação quântica. Esta última convém referir, tem obstáculo apenas na incapacidade em encontrar forma de manter estável a temperatura ambiente do computador, obstáculo que está prestes a ser vencido conforme relata em notícia o jornal Público . Todas estas tecnologias serão infinitamente superiores à capacidade do cérebro humano que, segundo Hans Moravec, cientista de robótica do Carnegie Mellon University, terá, no caso dos quânticos, a capacidade de executar 100 triliões de instruções por segundo contra por exemplo a retina do olho humano que captura e processa cerca de 10 milhões de imagens por segundo.
Para Ray Kurzweil, autor do The Singularity is Near, a evolução tecnológica levou à computação que é um produto dos nossos cérebros e quando a computação atingir o nível do cérebro humano, através de tecnologias de computação e da compreensão/emulação do cérebro, a tecnologia suplantará o humano. Este processo levará à criação de métodos tecnológicos de melhoramento da espécie, através de biotecnologia e nanotecnologia. Kurzweil prevê que o humano fundir-se-á com a sua tecnologia melhorando-se a si próprio. Eventualmente, a tecnologia tornará a biologia obsoleta e o homem passará a ser mais máquina do que biológico. Aqui dar-se-á o início de uma era pós-biológica. Para chegar a este ponto a partir da actualidade (o livro data de 2004), Kurzweil aponta estratégias para o desenvolvimento de três áreas concretas e fala numa revolução “GNR”, genética, nanotecnologia e robótica, que trará um novo patamar evolutivo como relata Lipovetsky, “…segundo a corrente transhumanista, a união da genética, da robótica e das nano tecnologias permitirá transformar a própria definição do ser humano, o que constituirá uma mutação sem precedentes e verá o homem enriquecido nas suas capacidades fisiológicas e intelectuais: o cyborg verá a luz do dia e o techno sapiens terá substituído o homo sapiens. Ao mesmo tempo que exemplifica o poder da razão, a espiral da alta tecnologia não pára de segregar uma enorme quantidade de mitos e utopias….” .
Nesta perspectiva, de uma era pós-biológica, várias questões urgem resposta. Tentarei no âmbito do seminário aqui responder às seguintes formulações: afinal, quais as implicações de uma pós-humanidade? Da mesma forma que Leroi-Gourhan afirmou que para sobreviver o humano colocou a memória fora do corpo humano e depositou-a na cultura através do utensílio, será que podemos afirmar que a Singularidade poderá implicar o retorno do utensílio, da técnica ao interior do ser humano? Não será essa fusão entre tecnologia e biologia um novo pharmakon, uma nova divisão do logos e da praxis, que fará o humano “esquecer-se” de ser humano? Por que razão surgem estes discursos que encaram a tecnologia como o El Dourado da civilização?
Para tentar responder as estas questões, o caminho que me pareceu mais promissor, e articulando com as matérias do seminário, foi elaborar uma arqueologia da técnica tentando posteriormente perceber de que forma esta regressou ao interior do corpo humano num trajecto que nos leva desde do ponto de vista antropológico de Leroi-Gourhan até aos conceitos de dispositivo e biopolítica em Michel Foucault e Giorgio Agamben.
Veremos depois, à luz desta arqueologia, que implicações terá uma era pós-biológica sabendo que o próprio Foucault lembra-nos que o “humanismo foi construído como um rosto na areia”… e um dia virá uma onda.

Research paper thumbnail of Helmar Lerski: do Cinema Expressionista para a Fotografia

Ensaio para o seminário de fotografia sobre Helmar Lerski.

Research paper thumbnail of Filosofia do Sujeito e o conto «Bartleby» de Herman Melville

Ensaio sobre o conto Bartleby de Herman Melville, na perspectiva do seminário de Filosofias do Su... more Ensaio sobre o conto Bartleby de Herman Melville, na perspectiva do seminário de Filosofias do Sujeito do Mestrado de Ciências da Comunicação da FCSH

Research paper thumbnail of A Vida é um Jogo

Pequeno ensaio sobre as palestras motivacionais e workshops.

Research paper thumbnail of Análise do 1º Trimestre de 2006 ao jornal Expresso

O presente trabalho, feito para o seminário História dos Media, visa lançar um olhar atento sobre... more O presente trabalho, feito para o seminário História dos Media, visa lançar um olhar atento sobre uma das mais fulcrais empresas do panorama das telecomunicações em Portugal. Irão ser focados os aspectos mais relevantes no desenvolvimento da Portugal Telecom no primeiro trimestre de 2006, com especial incidência num dos mais relevantes acontecimentos económico-sociais passados em Portugal neste início de milénio, quando a Sonae liderada por Belmiro de Azevedo lançou a 7 de Fevereiro em conferência de imprensa, uma Oferta Pública de Aquisição (doravante OPA), à PT Comunicações. Iremos observar as repercussões económicas deste acontecimento, através do impacto na Bolsa de Valores e na variação no preço das acções de ambas empresas. O impacto social e político da acção da Sonae, através das posições governamentais enunciadas através de comunicados referentes ao acompanhamento dado elo Estado a este acontecimento e o retracto generalizado da opinião pública a esta questão. Iremos igualmente tentar perceber a forma como os media abordaram o assunto, através de uma consulta ao seminário Expresso durante o 1º trimestre de 2006.

Research paper thumbnail of Depois do Humano: Dispositivos de Constituição dos Corpos  Pós-Modernos

As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução ... more As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução técnica. Desde da edificação de cidades à invenção de utensílios que permitiam ultrapassar questões de ordem mecânica, a natureza das utopias teve não só uma origem de fundo numa falha identificada como biológica, como a solução apresentada recorre à técnica para perspectivar uma saída. Neste processo de problema/solução é indesmentível que o próprio humano se foi reconfigurando através do crescente uso da técnica que se expandiu à quase total dimensão da experiência.
Digo quase, porque ainda nos consideramos essencialmente biológicos. Apesar de a técnica ser hoje parte fundamental no funcionamento da nossa civilização, é de comum acordo que o limite no qual se funda o biológico ainda não parece ter sido ultrapassado. Mesmo perante as possibilidades que a medicina, principalmente, nos trouxe com as vacinas, os antibióticos ou os pacemakers, invenções tecnológicas que não causam estranheza pela forma como irradiam problemas que na pré-modernidade eram do quotidiano. Hoje em dia, a possibilidade de alguém falecer vítima de uma constipação é reduzida, mas essa conquista possível através da técnica, parece ter-se tornado tão vulgar que todos tomam-na como garantida.
Se a técnica era vista fundamentalmente como forma de curar o corpo humano sem “mexer” nele, actualmente à luz dos avanços científicos, nomeadamente nos campos da biotecnologia e da robótica, começa a ser possível teorizar sobre o melhoramento efectivo do corpo humano e das suas capacidades. A ideia de um pós-humanismo afigurou-se como projecção assente na possibilidade de, com a ajuda da tecnologia, os humanos aumentarem exponencialmente a sua inteligência, ultrapassarem doenças crónicas e debilidades do seu corpo orgânico e, por fim, vencer a morte.
Neste trabalho irei referir-me em concreto ao discurso pós-humanista da Singularidade. Em resumo, a Singularidade remete para a fundamental ligação histórica entre tecnologia e biologia que permitiu o progresso da civilização humana. Autores como Ray Kurzweil e Oswald Spengler encontram neste paralelo a pista para que a tecnologia criada pelo humano, mais cedo ou mais tarde irá ultrapassar a capacidade humana por um desejo inconsciente de imortalidade. Nesta altura, a biologia humana tornar-se-á obsoleta e não teremos outra opção senão permitir que a tecnologia, historicamente exterior, invada definitivamente o corpo humano. A esta definitiva fusão da tecnologia com o corpo humano é chamada pós-humanismo ou Singularidade. Nas previsões da Singularidade, o primeiro passo para a evolução tecnológica será alcançar a capacidade computacional do cérebro humano. Existem várias opções neste campo de investigação: computação com nanotubos (tubos normalmente de carbono com um nanómetro de diâmetro), computação molecular, computação com ADN, computação com electrões (spintronics), computação com luz e computação quântica. Esta última convém referir, tem obstáculo apenas na incapacidade em encontrar forma de manter estável a temperatura ambiente do computador, obstáculo que está prestes a ser vencido conforme relata em notícia o jornal Público . Todas estas tecnologias serão infinitamente superiores à capacidade do cérebro humano que, segundo Hans Moravec, cientista de robótica do Carnegie Mellon University, terá, no caso dos quânticos, a capacidade de executar 100 triliões de instruções por segundo contra por exemplo a retina do olho humano que captura e processa cerca de 10 milhões de imagens por segundo.
O alemão Oswald Spengler fala numa “táctica vital” em que o simbólico liberta processos de manipulação do meio ambiente para satisfação de necessidades humanas, lógica que “converte o universo em pensamentos mecânicos e racionais”. Para o autor de O Homem e a Técnica (1931), o homem procura materializar imagens no seu inconsciente o que requer uma objectivação concreta e racional. Encontramos aqui um correlato com premissas heideggerianas (num sentido determinístico da técnica) e até nietzscheanas (o sujeito é uma ficcionalização ou objectivação racional da verdade inatingível). Já para Ray Kurzweil, autor do The Singularity is Near, o fundamento é unicamente evolucional. A evolução tecnológica levou à computação que é um produto dos nossos cérebros e quando a computação atingir o nível do cérebro humano, através de tecnologias de computação e da compreensão/emulação do cérebro, a tecnologia suplantará o humano. Este processo levará à criação de métodos tecnológicos de melhoramento da espécie, através de biotecnologia e nanotecnologia. Kurzweil prevê que o humano fundir-se-á com a sua tecnologia melhorando-se a si próprio. Eventualmente, a tecnologia tornará a biologia obsoleta e o homem passará a ser mais máquina do que biológico. Aqui dar-se-á o início de uma era pós-biológica. Para chegar a este ponto a partir da actualidade (o livro data de 2004), Kurzweil aponta estratégias para o desenvolvimento de três áreas concretas e fala numa revolução “GNR”, genética, nanotecnologia e robótica, que trará um novo patamar evolutivo como relata Lipovetsky, “…segundo a corrente transhumanista, a união da genética, da robótica e das nanotecnologias permitirá transformar a própria definição do ser humano, o que constituirá uma mutação sem precedentes e verá o homem enriquecido nas suas capacidades fisiológicas e intelectuais: o cyborg verá a luz do dia e o techno sapiens terá substituído o homo sapiens. Ao mesmo tempo que exemplifica o poder da razão, a espiral da alta tecnologia não pára de segregar uma enorme quantidade de mitos e utopias….” .

Research paper thumbnail of Tarkovsky: Intersubjectividade e Tempo

O presente trabalho visa fazer uma análise a dois filmes de Andrei Tarkovsky, «Solaris» e «Stalke... more O presente trabalho visa fazer uma análise a dois filmes de Andrei Tarkovsky, «Solaris» e «Stalker», tendo como pano de fundo o livro de Gilles Deleuze, «Cinema II: Imagem – Tempo». Proponho-me a trabalhar a distinção entre cinema clássico e moderno, mais concretamente a noção de zona de indeterminabilidade e de que forma esta se manifesta em Tarkovsky e que conclusões podemos daí retirar. Se no primeiro filme é o próprio planeta Solaris que traça esta zona, em «Stalker» o espaço de reflexão é apelidado precisamente de Zona. Irei distinguir em Tarkovsky dois conceitos principais: intersubjectividade e tempo. No primeiro debruçar-me-ei na forma como o cineasta convida o espectador a entrar na acção, interpretando-a e construindo pontos de encontro entre todos os intervenientes, actores, personagens, espectadores e o próprio Tarkovsky. Num segundo momento, irei referir as consequências que os planos-sequência e outras técnicas/aspectos em Tarkovsky têm no resultado dos filmes e na sua interpretação.
Nestes dois momentos parece-me ser diagnosticável todo o processo que Gilles Deleuze descreve em «Cinema II: Imagem – Tempo». Seja a dimensão interpretativa ou a reinvenção do tempo, Tarkovsky ao longo da sua filmografia debruçou-se sobre os efeitos no espectador, sobre a função do cinema e da arte em geral, condenou o cinema de montagem, curiosamente a estrela mais brilhante do cinema russo a partir de Sergei Eisenstein. Através de seu pai, Arseny Alexandrovich Tarkovsky, poeta conceituado, transformou os seus filmes em “poética das imagens”, usando a vasta obra de Arseny quer directamente no argumento, quer como inspiração para construír a mise-en-scène. Tarkovsky afirmava que a mise-en-scène servia “para expressar o significado do que está a acontecer; nada mais que isso. Mas definir dessa forma os limites da mise-en-scène equivale a seguir um caminho que leva a um único fim: a abstracção.” Dessa forma Tarkovsky acreditava que o “director tem de trabalhar a partir do estado psicológico dos personagens, através da dinâmica interior da atmosfera da situação, e reportar tudo isso à verdade do facto directamente observado e à sua textura única. Só então a mise-en-scène alcançará a importância específica e multifacetada da verdade concreta” (Pág. 85-86). O cineasta, na sua obra literária «Esculpir o Tempo», exemplifica da seguinte forma o que pretende dizer com apelar à “dinâmica interior”: “Friedrich Gorenstein, por exemplo, escreveu num roteiro que o quarto cheirava a poeira, flores mortas e tinta seca. Gosto muito disso, pois me permite começar a imaginar como é aquele interior, e sentir a sua "alma".” (Pág. 86). Tarkovsky gostava de sentir o sabor das palavras e da sua alma. Gostava de sentir a emoção que lhe transmitiam. Não era de todo fã de argumentos puramente técnicos e racionais, e para ele a melhor forma de transmitir essas emoções era através da poesia. Depreendemos assim que Tarkovsky tinha a intenção de convocar uma reacção, um estímulo, não estruturado ou manipulatório, mas inteiramente subjectivo. “Através da arte o homem conquista a realidade mediante uma experiência subjectiva” (pág. 42) diz em «Esculpir o Tempo». Esta é a condição premente na filmografia de Tarkovsky, pedir ao espectador um investimento espiritual que o leve a comunicar consigo e com o mundo. Veremos mais a fundo esta característica em exemplos de «Solaris» e Stalker». Primeiramente irei recapitular os principais pontos que Deleuze aponta na passagem da imagem-movimento, para a imagem-tempo.

Research paper thumbnail of Projecto Vénus:  A Cidade Interactiva

Uma visita ao site oficial do Projecto Vénus responde a todas respostas possíveis sobre a estrutu... more Uma visita ao site oficial do Projecto Vénus responde a todas respostas possíveis sobre a estrutura da cidade, assim como métodos de construção, manutenção e melhoramento. Idealizada do ponto vista estritamente científico com o objectivo de viabilizar auto-suficiência energética à cidade, a estrutura é pensada para permitir melhoramentos progressivos conseguidos através do que Fresco prevê como avanços significativos nas áreas de investigação. Jacque Fresco, arquitecto e designer industrial, tornou públicos os seus projectos em 1976 nos Estados Unidos como resposta a sistemas políticos e económicos globais que apelidou de obsoletos. A sua proposta vai para além da renovação das cidades. Em verdade, o Projecto Vénus divide-se em duas fases: a adopção de uma economia baseada em recursos naturais (resource based economy), em que gradualmente ambos sistemas económico e político seriam descontinuados e as decisões em termos de gestão dos recursos naturais seriam efectuadas localmente por centrais cibernéticas que, em ligação com todas as centrais mundiais, eliminariam por principio o poder político e corporativo, e consequentemente epidemias como a doença, fome, guerra, desigualdade e desemprego. Estas centrais utilizariam a Teoria dos Sistemas, que advoga dependência dos seres humanas das leis naturais e a necessidade de viver em simbiose com a natureza, sem prejuízo para esta que permite em última análise a nossa sobrevivência. O modelo de construção das cidades nos diversos locais do globo seguiria uma estratégia específica denominada comprehensive systems approach, isto é, a edificação de cidades seria feita de acordo com o que cada área fornece, e se fornece condições que satisfaçam as básicas necessidades humanas.

A estrutura das cidades passa por cinco corpos:
-Uma central cibernética interligada em rede com todas as outras centrais do mundo.
-Mecanização total da produção e gestão da cidade.
-Sistema integrado de energia (solar, eólica, termonuclear, geotermal, marés).
-Centros de investigação, escolas e recreação.
-Sistema de transportes, distribuição, reciclagem e esgotos.
O objectivo do presente trabalho pretende articular Heidegger e Benjamin na sua relação distinta com a técnica (Gestell e segunda natureza versus mediação e reprodução) e da habitação da cidade (habitação do local versus cidade única dos humanos), que também se trata de uma das instituições mais trabalhadas no âmbito das utopias, como podemos constatar em inúmeros exemplos, começando da «República» de Platão, na «Utopia» de Tomas More, na «Cidade do Sol» de Campanella até às mas recentes «Hard Times» de Dickens e «Admirável Mundo Novo» de Aldous Huxley.

Research paper thumbnail of Bartleby e o homem homérico

Pequeno ensaio para o seminário de Alteridades na FCSH. Procura-se articular o conto de Herman Me... more Pequeno ensaio para o seminário de Alteridades na FCSH. Procura-se articular o conto de Herman Melville, «Bartleby» e o poema épico de Homero, «Ilíada», centrando nas diferenças entre o homem bartlebiano e o homem homérico.

Research paper thumbnail of A Comodificação das Emoções

Norman Farclough chama de comodificação “o processo pelo qual as instituições sociais passam a se... more Norman Farclough chama de comodificação “o processo pelo qual as instituições sociais passam a ser definidas e organizadas, apesar de não produzir mercadorias no sentido estrito da palavra, em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias.” A palavra é a adaptação do inglês commodification, termo surgido na teoria da arte que significa “processo de transformar em mercadoria (= commodity)”. Serão os likes, shares e comments das redes sociais uma comodificação da emoções e enfim, da própria vida.

Research paper thumbnail of Corpo e Espaço Reconfigurados na Cidade Cibernética

Com o objectivo de trabalho na dissertação em que pretendo perceber que contributos e problemátic... more Com o objectivo de trabalho na dissertação em que pretendo perceber que contributos e problemáticas nos podem oferecer os discursos tecnológicos contemporâneos no âmbito das ciências da comunicação, para o seminário O Corpo e o Espaço nas Artes Contemporâneas pretendo trabalhar uma utopia tecnológica específica: o Projecto Vénus desenhado por Jacque Fresco. Trata-se de um projecto de reconfiguração social, tendo como ferramenta de trabalho a cidade. Nas palavras do próprio:
“The Venus Project call for a cybernetic society (…) the Venus Project’s only purpose is to elevate the spiritual and intellectual potential of all people, while at the same time providing the goods and services that will meet their individual and material needs. All of this could only be accomplished in a resource-based world economy where all of the world's resources are held as the common heritage of all of the earth's peoples.”
Jacque Fresco in http://www.thevenusproject.com/

Research paper thumbnail of Projecto Vénus: Redefinir a Máquina Antropológica na Era da Reprodutibilidade Técnica do Corpo

Dissertação de mestrado para ciências da comunicação, vertente cultura contemporânea e novas tecn... more Dissertação de mestrado para ciências da comunicação, vertente cultura contemporânea e novas tecnologias. Tenta-se através de um objecto de estudo (a utopia tecnológica Projecto Vénus), desenvolver o conceito de reprodutibilidade técnica de Walter Benjamin, adaptado ao corpo humano. O que implica um corpo transformado em informação que não a sua reprodução massiva através da tecnologia? Que implicações este fenómeno comporta? Impõe-se perceber através das ciências sociais o papel da ciência e da tecnologia e de que forma o "objecto" inserido no corpo progressivamente acentua a substituição do biológico pelo sintético. Classificação final obtida na defesa de tese foi de 18 valores.

Research paper thumbnail of 9Gag "Why So Serious?" - O método netnográfico aplicado ao estudo dos memes

O objectivo deste estudo é apresentar e analisar uma comunidade online, o 9Gag, que utiliza princ... more O objectivo deste estudo é apresentar e analisar uma comunidade online, o 9Gag, que utiliza principalmente “memes” para a comunicação entre seus utilizadores.

Research paper thumbnail of O Si Mesmo Como um Pós-Humano

Criada a partir do grego οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não ex... more Criada a partir do grego οὐ, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe", a utopia tem como significado mais comum a ideia de civilização ideal, imaginária e fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, como no presente, porém em paralelo. Pode também ser utilizada para definir um sonho ainda não realizado, uma fantasia ou uma esperança muito forte. Mas enquanto a utopia grega tinha como modelo a pólis, na utopia moderna o campo de projecção deixa de ser a filosofia política para passar a ser a tecnologia e o pensamento científico, conforme nos sugere Foucault. Uma dessas utopias tecnológicas que me proponho a abordar é a Singularidade ou pós-humanismo.

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Ergo Sum, Ego Sum, Perspectivismo, Hermenêutica de Si. De Descartes a Ricœur, passando por Nietzs... more Ergo Sum, Ego Sum, Perspectivismo, Hermenêutica de Si. De Descartes a Ricœur, passando por Nietzsche e Jean Luc Nancy. A ideia de um sujeito do reconhecimento. Da ideia de fábula, baseada numa história verídica. Abordagem ao filme O Lado Selvagem de Sean Penn.

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Ensaio que propõe a discussão das novas configurações da máquina antropológica que Giorgio Agambe... more Ensaio que propõe a discussão das novas configurações da máquina antropológica que Giorgio Agamben refere no seu livro «O Aberto».

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As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução ... more As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução técnica. Desde da edificação de cidades à invenção de utensílios que permitiam ultrapassar questões de ordem mecânica, a natureza das utopias teve não só uma origem de fundo numa falha identificada como biológica, como a solução apresentada recorre à técnica para perspectivar uma solução. Neste processo de problema/solução é indesmentível que o próprio humano se foi reconfigurando através do crescente uso da técnica que se expandiu à quase total dimensão da experiência.
Digo quase, porque ainda nos consideramos essencialmente biológicos. Apesar de a técnica ser hoje parte fundamental no funcionamento da nossa civilização, é de comum acordo que o limite no qual se funda o biológico ainda não parece ter sido ultrapassado. Mesmo perante as possibilidades que a medicina, principalmente, nos trouxe com as vacinas, os antibióticos ou os pacemakers, invenções tecnológicas que não causam estranheza pela forma como irradiam problemas que na pré-modernidade eram do quotidiano. Hoje em dia, a possibilidade de alguém falecer vítima de uma constipação é reduzida, mas essa conquista possível através da técnica, parece ter-se tornado tão vulgar que todos tomam-na como garantida.
Se a técnica era vista fundamentalmente como forma de curar o corpo humano sem “mexer” nele, actualmente à luz dos avanços científicos, nomeadamente nos campos da biotecnologia e da robótica, começa a ser possível teorizar sobre o melhoramento efectivo do corpo humano e das suas capacidades. A ideia de um pós-humanismo afigurou-se como projecção assente na possibilidade de com a ajuda da tecnologia, os humanos aumentarem exponencialmente a sua inteligência, ultrapassarem doenças e debilidades do seu corpo orgânico e enfim, vencer a morte.
Neste trabalho irei referir-me em concreto à utopia tecnológica contemporânea chamada Singularidade. Em resumo, a Singularidade remete para a fundamental ligação histórica entre tecnologia e biologia que permitiu o progresso da civilização humana. Autores como Ray Kurzweil e Oswald Spengler encontram neste paralelo a pista para que a tecnologia criada pelo humano, mais cedo ou mais tarde irá ultrapassar a capacidade humana por um desejo inconsciente de imortalidade. Nesta altura, a biologia humana tornar-se-á obsoleta e não teremos outra opção senão permitir que a tecnologia, historicamente exterior, invada definitivamente o corpo humano. A esta definitiva fusão da tecnologia com o corpo humano é chamada pós-humanismo ou Singularidade. Nas previsões da Singularidade, o primeiro passo para a evolução tecnológica será alcançar a capacidade computacional do cérebro humano. Existem várias opções neste campo de investigação: computação com nanotubos (tubos normalmente de carbono com um nanómetro de diâmetro), computação molecular, computação com ADN, computação com electrões (spintronics), computação com luz e computação quântica. Esta última convém referir, tem obstáculo apenas na incapacidade em encontrar forma de manter estável a temperatura ambiente do computador, obstáculo que está prestes a ser vencido conforme relata em notícia o jornal Público . Todas estas tecnologias serão infinitamente superiores à capacidade do cérebro humano que, segundo Hans Moravec, cientista de robótica do Carnegie Mellon University, terá, no caso dos quânticos, a capacidade de executar 100 triliões de instruções por segundo contra por exemplo a retina do olho humano que captura e processa cerca de 10 milhões de imagens por segundo.
Para Ray Kurzweil, autor do The Singularity is Near, a evolução tecnológica levou à computação que é um produto dos nossos cérebros e quando a computação atingir o nível do cérebro humano, através de tecnologias de computação e da compreensão/emulação do cérebro, a tecnologia suplantará o humano. Este processo levará à criação de métodos tecnológicos de melhoramento da espécie, através de biotecnologia e nanotecnologia. Kurzweil prevê que o humano fundir-se-á com a sua tecnologia melhorando-se a si próprio. Eventualmente, a tecnologia tornará a biologia obsoleta e o homem passará a ser mais máquina do que biológico. Aqui dar-se-á o início de uma era pós-biológica. Para chegar a este ponto a partir da actualidade (o livro data de 2004), Kurzweil aponta estratégias para o desenvolvimento de três áreas concretas e fala numa revolução “GNR”, genética, nanotecnologia e robótica, que trará um novo patamar evolutivo como relata Lipovetsky, “…segundo a corrente transhumanista, a união da genética, da robótica e das nano tecnologias permitirá transformar a própria definição do ser humano, o que constituirá uma mutação sem precedentes e verá o homem enriquecido nas suas capacidades fisiológicas e intelectuais: o cyborg verá a luz do dia e o techno sapiens terá substituído o homo sapiens. Ao mesmo tempo que exemplifica o poder da razão, a espiral da alta tecnologia não pára de segregar uma enorme quantidade de mitos e utopias….” .
Nesta perspectiva, de uma era pós-biológica, várias questões urgem resposta. Tentarei no âmbito do seminário aqui responder às seguintes formulações: afinal, quais as implicações de uma pós-humanidade? Da mesma forma que Leroi-Gourhan afirmou que para sobreviver o humano colocou a memória fora do corpo humano e depositou-a na cultura através do utensílio, será que podemos afirmar que a Singularidade poderá implicar o retorno do utensílio, da técnica ao interior do ser humano? Não será essa fusão entre tecnologia e biologia um novo pharmakon, uma nova divisão do logos e da praxis, que fará o humano “esquecer-se” de ser humano? Por que razão surgem estes discursos que encaram a tecnologia como o El Dourado da civilização?
Para tentar responder as estas questões, o caminho que me pareceu mais promissor, e articulando com as matérias do seminário, foi elaborar uma arqueologia da técnica tentando posteriormente perceber de que forma esta regressou ao interior do corpo humano num trajecto que nos leva desde do ponto de vista antropológico de Leroi-Gourhan até aos conceitos de dispositivo e biopolítica em Michel Foucault e Giorgio Agamben.
Veremos depois, à luz desta arqueologia, que implicações terá uma era pós-biológica sabendo que o próprio Foucault lembra-nos que o “humanismo foi construído como um rosto na areia”… e um dia virá uma onda.

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Ensaio para o seminário de fotografia sobre Helmar Lerski.

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Ensaio sobre o conto Bartleby de Herman Melville, na perspectiva do seminário de Filosofias do Su... more Ensaio sobre o conto Bartleby de Herman Melville, na perspectiva do seminário de Filosofias do Sujeito do Mestrado de Ciências da Comunicação da FCSH

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Pequeno ensaio sobre as palestras motivacionais e workshops.

Research paper thumbnail of Análise do 1º Trimestre de 2006 ao jornal Expresso

O presente trabalho, feito para o seminário História dos Media, visa lançar um olhar atento sobre... more O presente trabalho, feito para o seminário História dos Media, visa lançar um olhar atento sobre uma das mais fulcrais empresas do panorama das telecomunicações em Portugal. Irão ser focados os aspectos mais relevantes no desenvolvimento da Portugal Telecom no primeiro trimestre de 2006, com especial incidência num dos mais relevantes acontecimentos económico-sociais passados em Portugal neste início de milénio, quando a Sonae liderada por Belmiro de Azevedo lançou a 7 de Fevereiro em conferência de imprensa, uma Oferta Pública de Aquisição (doravante OPA), à PT Comunicações. Iremos observar as repercussões económicas deste acontecimento, através do impacto na Bolsa de Valores e na variação no preço das acções de ambas empresas. O impacto social e político da acção da Sonae, através das posições governamentais enunciadas através de comunicados referentes ao acompanhamento dado elo Estado a este acontecimento e o retracto generalizado da opinião pública a esta questão. Iremos igualmente tentar perceber a forma como os media abordaram o assunto, através de uma consulta ao seminário Expresso durante o 1º trimestre de 2006.

Research paper thumbnail of Depois do Humano: Dispositivos de Constituição dos Corpos  Pós-Modernos

As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução ... more As utopias são historicamente marcadas pela simbiose entre uma problemática social e uma solução técnica. Desde da edificação de cidades à invenção de utensílios que permitiam ultrapassar questões de ordem mecânica, a natureza das utopias teve não só uma origem de fundo numa falha identificada como biológica, como a solução apresentada recorre à técnica para perspectivar uma saída. Neste processo de problema/solução é indesmentível que o próprio humano se foi reconfigurando através do crescente uso da técnica que se expandiu à quase total dimensão da experiência.
Digo quase, porque ainda nos consideramos essencialmente biológicos. Apesar de a técnica ser hoje parte fundamental no funcionamento da nossa civilização, é de comum acordo que o limite no qual se funda o biológico ainda não parece ter sido ultrapassado. Mesmo perante as possibilidades que a medicina, principalmente, nos trouxe com as vacinas, os antibióticos ou os pacemakers, invenções tecnológicas que não causam estranheza pela forma como irradiam problemas que na pré-modernidade eram do quotidiano. Hoje em dia, a possibilidade de alguém falecer vítima de uma constipação é reduzida, mas essa conquista possível através da técnica, parece ter-se tornado tão vulgar que todos tomam-na como garantida.
Se a técnica era vista fundamentalmente como forma de curar o corpo humano sem “mexer” nele, actualmente à luz dos avanços científicos, nomeadamente nos campos da biotecnologia e da robótica, começa a ser possível teorizar sobre o melhoramento efectivo do corpo humano e das suas capacidades. A ideia de um pós-humanismo afigurou-se como projecção assente na possibilidade de, com a ajuda da tecnologia, os humanos aumentarem exponencialmente a sua inteligência, ultrapassarem doenças crónicas e debilidades do seu corpo orgânico e, por fim, vencer a morte.
Neste trabalho irei referir-me em concreto ao discurso pós-humanista da Singularidade. Em resumo, a Singularidade remete para a fundamental ligação histórica entre tecnologia e biologia que permitiu o progresso da civilização humana. Autores como Ray Kurzweil e Oswald Spengler encontram neste paralelo a pista para que a tecnologia criada pelo humano, mais cedo ou mais tarde irá ultrapassar a capacidade humana por um desejo inconsciente de imortalidade. Nesta altura, a biologia humana tornar-se-á obsoleta e não teremos outra opção senão permitir que a tecnologia, historicamente exterior, invada definitivamente o corpo humano. A esta definitiva fusão da tecnologia com o corpo humano é chamada pós-humanismo ou Singularidade. Nas previsões da Singularidade, o primeiro passo para a evolução tecnológica será alcançar a capacidade computacional do cérebro humano. Existem várias opções neste campo de investigação: computação com nanotubos (tubos normalmente de carbono com um nanómetro de diâmetro), computação molecular, computação com ADN, computação com electrões (spintronics), computação com luz e computação quântica. Esta última convém referir, tem obstáculo apenas na incapacidade em encontrar forma de manter estável a temperatura ambiente do computador, obstáculo que está prestes a ser vencido conforme relata em notícia o jornal Público . Todas estas tecnologias serão infinitamente superiores à capacidade do cérebro humano que, segundo Hans Moravec, cientista de robótica do Carnegie Mellon University, terá, no caso dos quânticos, a capacidade de executar 100 triliões de instruções por segundo contra por exemplo a retina do olho humano que captura e processa cerca de 10 milhões de imagens por segundo.
O alemão Oswald Spengler fala numa “táctica vital” em que o simbólico liberta processos de manipulação do meio ambiente para satisfação de necessidades humanas, lógica que “converte o universo em pensamentos mecânicos e racionais”. Para o autor de O Homem e a Técnica (1931), o homem procura materializar imagens no seu inconsciente o que requer uma objectivação concreta e racional. Encontramos aqui um correlato com premissas heideggerianas (num sentido determinístico da técnica) e até nietzscheanas (o sujeito é uma ficcionalização ou objectivação racional da verdade inatingível). Já para Ray Kurzweil, autor do The Singularity is Near, o fundamento é unicamente evolucional. A evolução tecnológica levou à computação que é um produto dos nossos cérebros e quando a computação atingir o nível do cérebro humano, através de tecnologias de computação e da compreensão/emulação do cérebro, a tecnologia suplantará o humano. Este processo levará à criação de métodos tecnológicos de melhoramento da espécie, através de biotecnologia e nanotecnologia. Kurzweil prevê que o humano fundir-se-á com a sua tecnologia melhorando-se a si próprio. Eventualmente, a tecnologia tornará a biologia obsoleta e o homem passará a ser mais máquina do que biológico. Aqui dar-se-á o início de uma era pós-biológica. Para chegar a este ponto a partir da actualidade (o livro data de 2004), Kurzweil aponta estratégias para o desenvolvimento de três áreas concretas e fala numa revolução “GNR”, genética, nanotecnologia e robótica, que trará um novo patamar evolutivo como relata Lipovetsky, “…segundo a corrente transhumanista, a união da genética, da robótica e das nanotecnologias permitirá transformar a própria definição do ser humano, o que constituirá uma mutação sem precedentes e verá o homem enriquecido nas suas capacidades fisiológicas e intelectuais: o cyborg verá a luz do dia e o techno sapiens terá substituído o homo sapiens. Ao mesmo tempo que exemplifica o poder da razão, a espiral da alta tecnologia não pára de segregar uma enorme quantidade de mitos e utopias….” .

Research paper thumbnail of Tarkovsky: Intersubjectividade e Tempo

O presente trabalho visa fazer uma análise a dois filmes de Andrei Tarkovsky, «Solaris» e «Stalke... more O presente trabalho visa fazer uma análise a dois filmes de Andrei Tarkovsky, «Solaris» e «Stalker», tendo como pano de fundo o livro de Gilles Deleuze, «Cinema II: Imagem – Tempo». Proponho-me a trabalhar a distinção entre cinema clássico e moderno, mais concretamente a noção de zona de indeterminabilidade e de que forma esta se manifesta em Tarkovsky e que conclusões podemos daí retirar. Se no primeiro filme é o próprio planeta Solaris que traça esta zona, em «Stalker» o espaço de reflexão é apelidado precisamente de Zona. Irei distinguir em Tarkovsky dois conceitos principais: intersubjectividade e tempo. No primeiro debruçar-me-ei na forma como o cineasta convida o espectador a entrar na acção, interpretando-a e construindo pontos de encontro entre todos os intervenientes, actores, personagens, espectadores e o próprio Tarkovsky. Num segundo momento, irei referir as consequências que os planos-sequência e outras técnicas/aspectos em Tarkovsky têm no resultado dos filmes e na sua interpretação.
Nestes dois momentos parece-me ser diagnosticável todo o processo que Gilles Deleuze descreve em «Cinema II: Imagem – Tempo». Seja a dimensão interpretativa ou a reinvenção do tempo, Tarkovsky ao longo da sua filmografia debruçou-se sobre os efeitos no espectador, sobre a função do cinema e da arte em geral, condenou o cinema de montagem, curiosamente a estrela mais brilhante do cinema russo a partir de Sergei Eisenstein. Através de seu pai, Arseny Alexandrovich Tarkovsky, poeta conceituado, transformou os seus filmes em “poética das imagens”, usando a vasta obra de Arseny quer directamente no argumento, quer como inspiração para construír a mise-en-scène. Tarkovsky afirmava que a mise-en-scène servia “para expressar o significado do que está a acontecer; nada mais que isso. Mas definir dessa forma os limites da mise-en-scène equivale a seguir um caminho que leva a um único fim: a abstracção.” Dessa forma Tarkovsky acreditava que o “director tem de trabalhar a partir do estado psicológico dos personagens, através da dinâmica interior da atmosfera da situação, e reportar tudo isso à verdade do facto directamente observado e à sua textura única. Só então a mise-en-scène alcançará a importância específica e multifacetada da verdade concreta” (Pág. 85-86). O cineasta, na sua obra literária «Esculpir o Tempo», exemplifica da seguinte forma o que pretende dizer com apelar à “dinâmica interior”: “Friedrich Gorenstein, por exemplo, escreveu num roteiro que o quarto cheirava a poeira, flores mortas e tinta seca. Gosto muito disso, pois me permite começar a imaginar como é aquele interior, e sentir a sua "alma".” (Pág. 86). Tarkovsky gostava de sentir o sabor das palavras e da sua alma. Gostava de sentir a emoção que lhe transmitiam. Não era de todo fã de argumentos puramente técnicos e racionais, e para ele a melhor forma de transmitir essas emoções era através da poesia. Depreendemos assim que Tarkovsky tinha a intenção de convocar uma reacção, um estímulo, não estruturado ou manipulatório, mas inteiramente subjectivo. “Através da arte o homem conquista a realidade mediante uma experiência subjectiva” (pág. 42) diz em «Esculpir o Tempo». Esta é a condição premente na filmografia de Tarkovsky, pedir ao espectador um investimento espiritual que o leve a comunicar consigo e com o mundo. Veremos mais a fundo esta característica em exemplos de «Solaris» e Stalker». Primeiramente irei recapitular os principais pontos que Deleuze aponta na passagem da imagem-movimento, para a imagem-tempo.

Research paper thumbnail of Projecto Vénus:  A Cidade Interactiva

Uma visita ao site oficial do Projecto Vénus responde a todas respostas possíveis sobre a estrutu... more Uma visita ao site oficial do Projecto Vénus responde a todas respostas possíveis sobre a estrutura da cidade, assim como métodos de construção, manutenção e melhoramento. Idealizada do ponto vista estritamente científico com o objectivo de viabilizar auto-suficiência energética à cidade, a estrutura é pensada para permitir melhoramentos progressivos conseguidos através do que Fresco prevê como avanços significativos nas áreas de investigação. Jacque Fresco, arquitecto e designer industrial, tornou públicos os seus projectos em 1976 nos Estados Unidos como resposta a sistemas políticos e económicos globais que apelidou de obsoletos. A sua proposta vai para além da renovação das cidades. Em verdade, o Projecto Vénus divide-se em duas fases: a adopção de uma economia baseada em recursos naturais (resource based economy), em que gradualmente ambos sistemas económico e político seriam descontinuados e as decisões em termos de gestão dos recursos naturais seriam efectuadas localmente por centrais cibernéticas que, em ligação com todas as centrais mundiais, eliminariam por principio o poder político e corporativo, e consequentemente epidemias como a doença, fome, guerra, desigualdade e desemprego. Estas centrais utilizariam a Teoria dos Sistemas, que advoga dependência dos seres humanas das leis naturais e a necessidade de viver em simbiose com a natureza, sem prejuízo para esta que permite em última análise a nossa sobrevivência. O modelo de construção das cidades nos diversos locais do globo seguiria uma estratégia específica denominada comprehensive systems approach, isto é, a edificação de cidades seria feita de acordo com o que cada área fornece, e se fornece condições que satisfaçam as básicas necessidades humanas.

A estrutura das cidades passa por cinco corpos:
-Uma central cibernética interligada em rede com todas as outras centrais do mundo.
-Mecanização total da produção e gestão da cidade.
-Sistema integrado de energia (solar, eólica, termonuclear, geotermal, marés).
-Centros de investigação, escolas e recreação.
-Sistema de transportes, distribuição, reciclagem e esgotos.
O objectivo do presente trabalho pretende articular Heidegger e Benjamin na sua relação distinta com a técnica (Gestell e segunda natureza versus mediação e reprodução) e da habitação da cidade (habitação do local versus cidade única dos humanos), que também se trata de uma das instituições mais trabalhadas no âmbito das utopias, como podemos constatar em inúmeros exemplos, começando da «República» de Platão, na «Utopia» de Tomas More, na «Cidade do Sol» de Campanella até às mas recentes «Hard Times» de Dickens e «Admirável Mundo Novo» de Aldous Huxley.

Research paper thumbnail of Bartleby e o homem homérico

Pequeno ensaio para o seminário de Alteridades na FCSH. Procura-se articular o conto de Herman Me... more Pequeno ensaio para o seminário de Alteridades na FCSH. Procura-se articular o conto de Herman Melville, «Bartleby» e o poema épico de Homero, «Ilíada», centrando nas diferenças entre o homem bartlebiano e o homem homérico.

Research paper thumbnail of A Comodificação das Emoções

Norman Farclough chama de comodificação “o processo pelo qual as instituições sociais passam a se... more Norman Farclough chama de comodificação “o processo pelo qual as instituições sociais passam a ser definidas e organizadas, apesar de não produzir mercadorias no sentido estrito da palavra, em termos de produção, distribuição e consumo de mercadorias.” A palavra é a adaptação do inglês commodification, termo surgido na teoria da arte que significa “processo de transformar em mercadoria (= commodity)”. Serão os likes, shares e comments das redes sociais uma comodificação da emoções e enfim, da própria vida.

Research paper thumbnail of Corpo e Espaço Reconfigurados na Cidade Cibernética

Com o objectivo de trabalho na dissertação em que pretendo perceber que contributos e problemátic... more Com o objectivo de trabalho na dissertação em que pretendo perceber que contributos e problemáticas nos podem oferecer os discursos tecnológicos contemporâneos no âmbito das ciências da comunicação, para o seminário O Corpo e o Espaço nas Artes Contemporâneas pretendo trabalhar uma utopia tecnológica específica: o Projecto Vénus desenhado por Jacque Fresco. Trata-se de um projecto de reconfiguração social, tendo como ferramenta de trabalho a cidade. Nas palavras do próprio:
“The Venus Project call for a cybernetic society (…) the Venus Project’s only purpose is to elevate the spiritual and intellectual potential of all people, while at the same time providing the goods and services that will meet their individual and material needs. All of this could only be accomplished in a resource-based world economy where all of the world's resources are held as the common heritage of all of the earth's peoples.”
Jacque Fresco in http://www.thevenusproject.com/