Debora Ferreira | UFMG - The Federal University of Minas Gerais (original) (raw)
Papers by Debora Ferreira
Em seus escritos analíticos, Arthur Danto critica as “filosofias substantivas da história”, que a... more Em seus escritos analíticos, Arthur Danto critica as “filosofias substantivas da história”, que adotam uma atitude profética ao descrever acontecimentos passados ou presentes de acordo com um sentido histórico que pressupõe acontecimentos futuros. Contudo, em A Transfiguração do Lugar-Comum, o autor afirma claramente que busca uma definição de arte que não possa ser refutada por contraexemplos futuros. Nesse contexto, a Brillo Box de Andy Warhol aparece como a expressão da autoconsciência da arte que marca o final de sua história. No entanto, afirmar que a história da arte acabou pressupõe uma concepção substantiva da história, dirigida para um telos final que dá significado a seus estágios anteriores. Em outras palavras, contrariamente a suas pretensões analíticas anteriores, a filosofia da arte dantiana não consegue evitar previsões do futuro baseadas em uma noção teleológica da história. Em sua narrativa, tudo se passa como se a essência da arte exigisse certa história, e não como se a história construísse, em função de um imenso jogo de interesses e contingências, o conceito de arte.
A relação entre o homem e as estruturas da cultura é um tema que perpassa toda a filosofia de Vil... more A relação entre o homem e as estruturas da cultura é um tema que perpassa toda a filosofia de Vilém Flusser. O homem é determinado pela cultura porque sua experiência é mediada pelas representações que ele mesmo cria, mas que passam a encobrir o mundo e condicionar o homem a modos de vida cada vez menos deliberados. Na pós-história, a era dominada pela estrutura representacional das imagens técnicas, os indivíduos passam a viver em função de aparelhos que governam sua mediação com o mundo. Estes aparelhos programam previamente sua atividade, tornando-os “funcionários” limitados a seguir as regras ditadas por seus programas. Nesse contexto, a arte possibilita que o homem retome as rédeas da cultura e imponha-se como centro de seus próprios modelos de mundo. Por isso, assim como na Teoria Crítica, torna-se fundamental uma análise crítica da cultura de massas – ou entretenimento, ou diversão – que é diferenciada da arte propriamente dita. Esta é assumida como possibilidade de emancipação dos indivíduos em relação à sociedade de consumo e ao discurso tecnológico que deprecia o homem como “parafuso em aparelho projetado por outrem”. Para Flusser, a arte pode libertar o homem para a criação de uma nova situação.
Morris Weitz afirma que a maior preocupação da teoria estética sempre foi determinar a natureza d... more Morris Weitz afirma que a maior preocupação da teoria estética sempre foi determinar a natureza da arte e formulá-la através de uma definição. Percebendo a falta de consenso teórico quanto às propriedades intrínsecas à natureza da arte, o autor defende que é logicamente impossível estabelecer o conjunto de propriedades que define a arte corretamente porque ela é um campo aberto, que se recria constantemente. Arthur Danto conhece a argumentação weitziana a respeito da impossibilidade de definir a arte, não obstante, assume os riscos da tarefa.
Este artigo propõe uma reflexão sobre arte, filosofia, cultura e educação balizada pelos pensamen... more Este artigo propõe uma reflexão sobre arte, filosofia, cultura e educação balizada pelos pensamentos de Friedrich Nietzsche e Vilém Flusser. Avesso à erudição acadêmica e profissionalizante, o jovem professor Nietzsche criticava a cultura histórica que segregou o pensamento e a maneira de viver. A essa tendência, o autor opunha uma educação artística, ou seja, uma formação para o pensamento livre e para a criatividade. Este conceito é basilar no pensamento de Flusser e deve ser entendido em consonância com o termo grego poiesis, isto é, instauração de elementos novos na realidade, passagem do não-ser ao ser, abertura de novos caminhos. Trata-se de uma caracterização complexa e extremamente inspiradora para uma reflexão sobre processos educativos que valorizam aquilo que ambos os autores consideram ser o mais próprio do homem: a capacidade de criar.
Ao escrever de modo genérico sobre a produção de arte, um dos principais objetivos de Vilém Fluss... more Ao escrever de modo genérico sobre a produção de arte, um dos principais objetivos de Vilém Flusser é investir contra uma obstinada divisão da cultura em “duas culturas”. De acordo com o autor, a separação artificial entre ciência e artes ou humanidades deveria ser abandonada no interesse de uma abordagem mais abrangente da criatividade, da produção de ideias, experiências e conhecimentos. A divisão entre arte e ciência tornou-se assaz radicada na cultura ocidental, porque se conecta com uma das metas centrais da modernidade, a saber, a de alcançar o conhecimento objetivo. Naturalmente, a ciência é o que chegou mais perto desse ideal de objetividade, de modo que a filosofia, a religião, a política e a arte foram descredenciadas enquanto formas de conhecimento por serem pouco objetivas. Na medida em que a ciência transformou-se em objetividade, à estética restou o espaço da subjetividade, da expressão de emoções. Flusser defende que objetividade e subjetividade são abstrações em relação ao conhecimento concreto, que é sempre intersubjetivo. Desse modo, sob o signo da política e da intersubjetividade, a cultura ocidental poderia solucionar o clima de absurdo e de falta de sentido para a vida. Na restauração da ciência informada pela arte e da arte informada pela ciência, ambas reconectadas com a vida cotidiana, pode encontrar-se a chave para a superação da tecnocracia.
O desígnio deste texto é propor uma reflexão sobre a arte a partir de algumas conexões entre Flus... more O desígnio deste texto é propor uma reflexão sobre a arte a partir de algumas conexões entre Flusser, com ênfase no ensaio L’art: Le Beau et Le Joli, e alguns aspectos da interpretação heideggeriana de Nietzsche. Através dessa análise comparativa, serão propostas algumas analogias conceituais: entre valores e modelos, entre elevação e belo, entre conservação e agradável – o primeiro conceito de cada par encontra-se em Nietzsche (retomado sempre na interpretação heideggeriana) e o segundo em Flusser. Embora as diferenças entre os autores sejam significativas, pode-se apontar grande semelhança no papel ontológico atribuído à arte, como aquilo que está mais próximo do humano, do Indizível ou da Vontade de Poder.
O texto tem como objetivo precisar o papel da beleza na ontologia da arte de Arthur Danto. Embora... more O texto tem como objetivo precisar o papel da beleza na ontologia da arte de Arthur Danto. Embora não pertença à definição da arte, apresentada pelo autor principalmente em A Transfiguração do Lugar-Comum, a beleza é um tema central para a filosofia da arte, pois foi considerada uma característica essencial por um grande período da história do pensamento estético. Em O Abuso da Beleza, Danto defende uma concepção exclusivamente sensorial da beleza e explica que ela pode ser vinculada à arte, quando é manifesta, de modo interno ou externo ao significado de cada obra.
De acordo com Flusser, a arte pode assimilar as técnicas avançadas próprias do período pós-histór... more De acordo com Flusser, a arte pode assimilar as técnicas avançadas próprias do período pós-histórico sem, todavia, subordinar-se à função dominadora que essas técnicas exercem economicamente, socialmente e politicamente. O cinema, a fotografia, a web art e a arte digital podem usar aparelhos sem, contudo, endossarem a “racionalidade instrumental” que normalmente os acompanha. Desse modo, a arte mostra alguns caminhos de liberação em relação ao discurso tecnológico no qual o homem é um “parafuso em aparelho projetado por outrem” (FLUSSER, 1971) e abre a possibilidade de visualizar uma nova situação, na qual o homem seria capaz de projetar o sentido de sua própria vida.
The last century presented so many new configurations of what can be named as "work of art", that... more The last century presented so many new configurations of what can be named as "work of art", that this concept became relative and problematic. The perceptive aspects that used to guide the acknowledgement of an object as a work of art have become increasingly subtle or even inexistent. Therefore,, is it possible to propose a definition of art that stands before contemporary art?
When we investigate what are the philosophical meanings of art or works of art, it is advisable t... more When we investigate what are the philosophical meanings of art or works of art, it is advisable to search for the background conceptions inherent to the practice and common language concerning art. In this paper, I suggest that there are at least two basic conceptions generally used to approach art: one, stricter and more restricted, considers art as a series of works of art circumscribed in the history of art, made by individuals known as artists, and frequently located in artistic institutions. The other, vaguer, but more comprehensive, considers art as the innovative or creative element existent in every human culture. The philosophy of art of Arthur Danto is presented as an example of ontological definition based on the first conception. The philosophy of Vilém Flusser, on the other hand, is a competent conceptual development centered on the second conception. Nevertheless, both of them are grounded in common language and practice, which includes both meanings of the word art. I propose that clarifying these different meanings, comprised by the same word “art”, is an interesting way to start a philosophical investigation about art.
O objetivo do artigo é abordar um dentre os muitos perfis transgressivos da arte brasileira conte... more O objetivo do artigo é abordar um dentre os muitos perfis transgressivos da arte brasileira contemporânea – com foco na obra 4 dias 4 noites, do artista carioca Artur Barrio – a partir do pensamento de um de nossos filósofos mais originais, e também transgressivo, Vilém Flusser. Entre a constelação de conceitos flusserianos relacionados à arte, há vários que lançam uma luz sobre a obra de Barrio: artista jogador, desterritorializador, transgressor das experiências e dos lugares, do produto artístico e da cultura, dos espaços estabelecidos e da programação social. Sua atuação no meio artístico contemporâneo, subversiva em relação ao papel que a arte ocupa na sociedade, é percebida em ligação direta com suas concepções a respeito da realidade socioeconômica da América Latina.
A experiência, tão marcante para Danto, de encontrar uma pilha de caixas idênticas às caixas de e... more A experiência, tão marcante para Danto, de encontrar uma pilha de caixas idênticas às caixas de esponja de aço Brillo expostas em uma galeria o conduz a uma teoria assentada na ideia de que qualquer coisa pode, em princípio, ser uma obra de arte. Ou melhor, de que os limites, cada vez mais borrados, entre coisas reais e obras de arte não podem ser encontrados entre as propriedades sensíveis. Assim, ele constrói uma definição de arte que não se fundamenta em algo que pode ser percebido no objeto artístico, mas na relação do objeto com diversos outros fatores. Trata-se, portanto, de estabelecer os limites entre o que é arte e tudo aquilo que não é, e esta é a primeira condição essencial que o autor assume nessa direção: obras de arte distinguem-se de coisas reais porque são representações, o que quer dizer que elas têm um conteúdo semântico, um significado, um “sobre-o-quê” (Aboutness). Consideradas em suas propriedades simbólicas ou semânticas, as representações se opõem à realidade. No entanto, há um tipo de arte que embaralha os limites estabelecidos pelo próprio filósofo entre representação e realidade – Marina Abramovic e Lygia Clarck, por exemplo, são artistas que caminham nessa direção.
De acordo com a teoria de Burke, aquilo que provoca terror é uma fonte do sublime, e o terror mai... more De acordo com a teoria de Burke, aquilo que provoca terror é uma fonte do sublime, e o terror mais extremo é aquele que a subjetividade pode experimentar diante do perigo da morte – ainda que seja um pré-requisito para o sentimento do sublime, como é igualmente manifesto na teoria kantiana, que o sujeito esteja em segurança e até certo ponto distanciado da ameaça que o aterroriza. A morte, portanto, tem uma relação privilegiada com a sublimidade. Em um texto intitulado Arte e Disturbação, Danto investiga certos tipos de arte contemporânea que parecem reivindicar um retorno às origens da arte, ao contato com o poder mágico, com as forças criadoras e ádvenas ao nosso mundo. O mais surpreendente é que, em meio a esses impulsos obscuros dos quais se pode acreditar que a arte se originou, vemos a arte vertiginosamente ligada à morte, como sugere Bataille em seu famoso texto que conecta o nascimento da arte com a conscientização humana da morte, expressa nos primeiros rituais fúnebres. Didi-Huberman, seguindo sua intuição, inscreve a origem do retrato artístico no sepultamento do rosto humano, como expressão simbólica da presença de uma ausência: o não-ser, a morte. Na arte “disturbadora” contemporânea descrita por Danto também podemos notar a presença da morte como um importante e frequente elemento na construção da obra artística. Talvez a ligação da arte com o terror da morte – nas primeiras pinturas parietais ou na contemporaneidade – seja a chave para o pensamento estético sobre o sublime.
Quando investigamos filosoficamente o que é uma obra de arte, partimos de uma regionalização prév... more Quando investigamos filosoficamente o que é uma obra de arte, partimos de uma regionalização prévia, presente na prática e na linguagem comuns, para buscar um conceito que a esclareça ou problematize. Nesse artigo, proponho que há ao menos duas regionalizações básicas para abordar a arte: uma mais restrita, que pensa a arte como obra de arte, circunscrita na história da arte, feita por artistas, e na maioria das vezes localizada em instituições artísticas; e uma mais ampla, que pensa a arte como o elemento criador ou inovador presente em qualquer cultura humana. A filosofia da arte de Arthur Danto será apresentada como um exemplo da primeira regionalização, e a de Vilém Flusser como um exemplo da segunda. Ambas fundam-se, contudo, na linguagem comum, que comporta os dois sentidos da palavra arte.
Há uma concepção, endossada tacitamente por vários pensadores, estetas e até mesmo por artistas, ... more Há uma concepção, endossada tacitamente por vários pensadores, estetas e até mesmo por artistas, de que a arte não pode mudar a vida concreta, as circunstâncias sociais e a situação política. Oscar Wilde declarou celebremente que a arte é inútil
Em seus escritos analíticos, Arthur Danto critica as “filosofias substantivas da história”, que a... more Em seus escritos analíticos, Arthur Danto critica as “filosofias substantivas da história”, que adotam uma atitude profética ao descrever acontecimentos passados ou presentes de acordo com um sentido histórico que pressupõe acontecimentos futuros. Contudo, em A Transfiguração do Lugar-Comum, o autor afirma claramente que busca uma definição de arte que não possa ser refutada por contraexemplos futuros. Nesse contexto, a Brillo Box de Andy Warhol aparece como a expressão da autoconsciência da arte que marca o final de sua história. No entanto, afirmar que a história da arte acabou pressupõe uma concepção substantiva da história, dirigida para um telos final que dá significado a seus estágios anteriores. Em outras palavras, contrariamente a suas pretensões analíticas anteriores, a filosofia da arte dantiana não consegue evitar previsões do futuro baseadas em uma noção teleológica da história. Em sua narrativa, tudo se passa como se a essência da arte exigisse certa história, e não como se a história construísse, em função de um imenso jogo de interesses e contingências, o conceito de arte.
A relação entre o homem e as estruturas da cultura é um tema que perpassa toda a filosofia de Vil... more A relação entre o homem e as estruturas da cultura é um tema que perpassa toda a filosofia de Vilém Flusser. O homem é determinado pela cultura porque sua experiência é mediada pelas representações que ele mesmo cria, mas que passam a encobrir o mundo e condicionar o homem a modos de vida cada vez menos deliberados. Na pós-história, a era dominada pela estrutura representacional das imagens técnicas, os indivíduos passam a viver em função de aparelhos que governam sua mediação com o mundo. Estes aparelhos programam previamente sua atividade, tornando-os “funcionários” limitados a seguir as regras ditadas por seus programas. Nesse contexto, a arte possibilita que o homem retome as rédeas da cultura e imponha-se como centro de seus próprios modelos de mundo. Por isso, assim como na Teoria Crítica, torna-se fundamental uma análise crítica da cultura de massas – ou entretenimento, ou diversão – que é diferenciada da arte propriamente dita. Esta é assumida como possibilidade de emancipação dos indivíduos em relação à sociedade de consumo e ao discurso tecnológico que deprecia o homem como “parafuso em aparelho projetado por outrem”. Para Flusser, a arte pode libertar o homem para a criação de uma nova situação.
Morris Weitz afirma que a maior preocupação da teoria estética sempre foi determinar a natureza d... more Morris Weitz afirma que a maior preocupação da teoria estética sempre foi determinar a natureza da arte e formulá-la através de uma definição. Percebendo a falta de consenso teórico quanto às propriedades intrínsecas à natureza da arte, o autor defende que é logicamente impossível estabelecer o conjunto de propriedades que define a arte corretamente porque ela é um campo aberto, que se recria constantemente. Arthur Danto conhece a argumentação weitziana a respeito da impossibilidade de definir a arte, não obstante, assume os riscos da tarefa.
Este artigo propõe uma reflexão sobre arte, filosofia, cultura e educação balizada pelos pensamen... more Este artigo propõe uma reflexão sobre arte, filosofia, cultura e educação balizada pelos pensamentos de Friedrich Nietzsche e Vilém Flusser. Avesso à erudição acadêmica e profissionalizante, o jovem professor Nietzsche criticava a cultura histórica que segregou o pensamento e a maneira de viver. A essa tendência, o autor opunha uma educação artística, ou seja, uma formação para o pensamento livre e para a criatividade. Este conceito é basilar no pensamento de Flusser e deve ser entendido em consonância com o termo grego poiesis, isto é, instauração de elementos novos na realidade, passagem do não-ser ao ser, abertura de novos caminhos. Trata-se de uma caracterização complexa e extremamente inspiradora para uma reflexão sobre processos educativos que valorizam aquilo que ambos os autores consideram ser o mais próprio do homem: a capacidade de criar.
Ao escrever de modo genérico sobre a produção de arte, um dos principais objetivos de Vilém Fluss... more Ao escrever de modo genérico sobre a produção de arte, um dos principais objetivos de Vilém Flusser é investir contra uma obstinada divisão da cultura em “duas culturas”. De acordo com o autor, a separação artificial entre ciência e artes ou humanidades deveria ser abandonada no interesse de uma abordagem mais abrangente da criatividade, da produção de ideias, experiências e conhecimentos. A divisão entre arte e ciência tornou-se assaz radicada na cultura ocidental, porque se conecta com uma das metas centrais da modernidade, a saber, a de alcançar o conhecimento objetivo. Naturalmente, a ciência é o que chegou mais perto desse ideal de objetividade, de modo que a filosofia, a religião, a política e a arte foram descredenciadas enquanto formas de conhecimento por serem pouco objetivas. Na medida em que a ciência transformou-se em objetividade, à estética restou o espaço da subjetividade, da expressão de emoções. Flusser defende que objetividade e subjetividade são abstrações em relação ao conhecimento concreto, que é sempre intersubjetivo. Desse modo, sob o signo da política e da intersubjetividade, a cultura ocidental poderia solucionar o clima de absurdo e de falta de sentido para a vida. Na restauração da ciência informada pela arte e da arte informada pela ciência, ambas reconectadas com a vida cotidiana, pode encontrar-se a chave para a superação da tecnocracia.
O desígnio deste texto é propor uma reflexão sobre a arte a partir de algumas conexões entre Flus... more O desígnio deste texto é propor uma reflexão sobre a arte a partir de algumas conexões entre Flusser, com ênfase no ensaio L’art: Le Beau et Le Joli, e alguns aspectos da interpretação heideggeriana de Nietzsche. Através dessa análise comparativa, serão propostas algumas analogias conceituais: entre valores e modelos, entre elevação e belo, entre conservação e agradável – o primeiro conceito de cada par encontra-se em Nietzsche (retomado sempre na interpretação heideggeriana) e o segundo em Flusser. Embora as diferenças entre os autores sejam significativas, pode-se apontar grande semelhança no papel ontológico atribuído à arte, como aquilo que está mais próximo do humano, do Indizível ou da Vontade de Poder.
O texto tem como objetivo precisar o papel da beleza na ontologia da arte de Arthur Danto. Embora... more O texto tem como objetivo precisar o papel da beleza na ontologia da arte de Arthur Danto. Embora não pertença à definição da arte, apresentada pelo autor principalmente em A Transfiguração do Lugar-Comum, a beleza é um tema central para a filosofia da arte, pois foi considerada uma característica essencial por um grande período da história do pensamento estético. Em O Abuso da Beleza, Danto defende uma concepção exclusivamente sensorial da beleza e explica que ela pode ser vinculada à arte, quando é manifesta, de modo interno ou externo ao significado de cada obra.
De acordo com Flusser, a arte pode assimilar as técnicas avançadas próprias do período pós-histór... more De acordo com Flusser, a arte pode assimilar as técnicas avançadas próprias do período pós-histórico sem, todavia, subordinar-se à função dominadora que essas técnicas exercem economicamente, socialmente e politicamente. O cinema, a fotografia, a web art e a arte digital podem usar aparelhos sem, contudo, endossarem a “racionalidade instrumental” que normalmente os acompanha. Desse modo, a arte mostra alguns caminhos de liberação em relação ao discurso tecnológico no qual o homem é um “parafuso em aparelho projetado por outrem” (FLUSSER, 1971) e abre a possibilidade de visualizar uma nova situação, na qual o homem seria capaz de projetar o sentido de sua própria vida.
The last century presented so many new configurations of what can be named as "work of art", that... more The last century presented so many new configurations of what can be named as "work of art", that this concept became relative and problematic. The perceptive aspects that used to guide the acknowledgement of an object as a work of art have become increasingly subtle or even inexistent. Therefore,, is it possible to propose a definition of art that stands before contemporary art?
When we investigate what are the philosophical meanings of art or works of art, it is advisable t... more When we investigate what are the philosophical meanings of art or works of art, it is advisable to search for the background conceptions inherent to the practice and common language concerning art. In this paper, I suggest that there are at least two basic conceptions generally used to approach art: one, stricter and more restricted, considers art as a series of works of art circumscribed in the history of art, made by individuals known as artists, and frequently located in artistic institutions. The other, vaguer, but more comprehensive, considers art as the innovative or creative element existent in every human culture. The philosophy of art of Arthur Danto is presented as an example of ontological definition based on the first conception. The philosophy of Vilém Flusser, on the other hand, is a competent conceptual development centered on the second conception. Nevertheless, both of them are grounded in common language and practice, which includes both meanings of the word art. I propose that clarifying these different meanings, comprised by the same word “art”, is an interesting way to start a philosophical investigation about art.
O objetivo do artigo é abordar um dentre os muitos perfis transgressivos da arte brasileira conte... more O objetivo do artigo é abordar um dentre os muitos perfis transgressivos da arte brasileira contemporânea – com foco na obra 4 dias 4 noites, do artista carioca Artur Barrio – a partir do pensamento de um de nossos filósofos mais originais, e também transgressivo, Vilém Flusser. Entre a constelação de conceitos flusserianos relacionados à arte, há vários que lançam uma luz sobre a obra de Barrio: artista jogador, desterritorializador, transgressor das experiências e dos lugares, do produto artístico e da cultura, dos espaços estabelecidos e da programação social. Sua atuação no meio artístico contemporâneo, subversiva em relação ao papel que a arte ocupa na sociedade, é percebida em ligação direta com suas concepções a respeito da realidade socioeconômica da América Latina.
A experiência, tão marcante para Danto, de encontrar uma pilha de caixas idênticas às caixas de e... more A experiência, tão marcante para Danto, de encontrar uma pilha de caixas idênticas às caixas de esponja de aço Brillo expostas em uma galeria o conduz a uma teoria assentada na ideia de que qualquer coisa pode, em princípio, ser uma obra de arte. Ou melhor, de que os limites, cada vez mais borrados, entre coisas reais e obras de arte não podem ser encontrados entre as propriedades sensíveis. Assim, ele constrói uma definição de arte que não se fundamenta em algo que pode ser percebido no objeto artístico, mas na relação do objeto com diversos outros fatores. Trata-se, portanto, de estabelecer os limites entre o que é arte e tudo aquilo que não é, e esta é a primeira condição essencial que o autor assume nessa direção: obras de arte distinguem-se de coisas reais porque são representações, o que quer dizer que elas têm um conteúdo semântico, um significado, um “sobre-o-quê” (Aboutness). Consideradas em suas propriedades simbólicas ou semânticas, as representações se opõem à realidade. No entanto, há um tipo de arte que embaralha os limites estabelecidos pelo próprio filósofo entre representação e realidade – Marina Abramovic e Lygia Clarck, por exemplo, são artistas que caminham nessa direção.
De acordo com a teoria de Burke, aquilo que provoca terror é uma fonte do sublime, e o terror mai... more De acordo com a teoria de Burke, aquilo que provoca terror é uma fonte do sublime, e o terror mais extremo é aquele que a subjetividade pode experimentar diante do perigo da morte – ainda que seja um pré-requisito para o sentimento do sublime, como é igualmente manifesto na teoria kantiana, que o sujeito esteja em segurança e até certo ponto distanciado da ameaça que o aterroriza. A morte, portanto, tem uma relação privilegiada com a sublimidade. Em um texto intitulado Arte e Disturbação, Danto investiga certos tipos de arte contemporânea que parecem reivindicar um retorno às origens da arte, ao contato com o poder mágico, com as forças criadoras e ádvenas ao nosso mundo. O mais surpreendente é que, em meio a esses impulsos obscuros dos quais se pode acreditar que a arte se originou, vemos a arte vertiginosamente ligada à morte, como sugere Bataille em seu famoso texto que conecta o nascimento da arte com a conscientização humana da morte, expressa nos primeiros rituais fúnebres. Didi-Huberman, seguindo sua intuição, inscreve a origem do retrato artístico no sepultamento do rosto humano, como expressão simbólica da presença de uma ausência: o não-ser, a morte. Na arte “disturbadora” contemporânea descrita por Danto também podemos notar a presença da morte como um importante e frequente elemento na construção da obra artística. Talvez a ligação da arte com o terror da morte – nas primeiras pinturas parietais ou na contemporaneidade – seja a chave para o pensamento estético sobre o sublime.
Quando investigamos filosoficamente o que é uma obra de arte, partimos de uma regionalização prév... more Quando investigamos filosoficamente o que é uma obra de arte, partimos de uma regionalização prévia, presente na prática e na linguagem comuns, para buscar um conceito que a esclareça ou problematize. Nesse artigo, proponho que há ao menos duas regionalizações básicas para abordar a arte: uma mais restrita, que pensa a arte como obra de arte, circunscrita na história da arte, feita por artistas, e na maioria das vezes localizada em instituições artísticas; e uma mais ampla, que pensa a arte como o elemento criador ou inovador presente em qualquer cultura humana. A filosofia da arte de Arthur Danto será apresentada como um exemplo da primeira regionalização, e a de Vilém Flusser como um exemplo da segunda. Ambas fundam-se, contudo, na linguagem comum, que comporta os dois sentidos da palavra arte.
Há uma concepção, endossada tacitamente por vários pensadores, estetas e até mesmo por artistas, ... more Há uma concepção, endossada tacitamente por vários pensadores, estetas e até mesmo por artistas, de que a arte não pode mudar a vida concreta, as circunstâncias sociais e a situação política. Oscar Wilde declarou celebremente que a arte é inútil