Alec I Ito | Universidade de São Paulo (original) (raw)

Papers by Alec I Ito

Research paper thumbnail of Avassalamento, justiça e alguns tributos e taxas cobrados na Angola portuguesa de Fernão de Sousa (1624-1630)

Este texto discorrerá sobre o funcionamento de alguns tributos e taxas que eram cobrados pelos ca... more Este texto discorrerá sobre o funcionamento de alguns tributos e taxas que eram cobrados pelos capitães de presídios, moradores e demais agentes portugueses que atuavam na Angola portuguesa dos séculos XVI e XVII. Para tal, analisaremos as definições esboçadas para algumas práticas tributárias e taxativas que foram incorporadas pelo oficialato régio, amiúde de maneira ilícita, durante o governo de Fernão de Sousa (1624-1630). A princípio, essas práticas eram de origem mbundu, sendo identificadas na escrita administrativa com os nomes de “infuta”, “loanda”, “ocamba”, “infuca”, “baculamento” e outros mais. Nossas principais considerações estão divididas em duas partes. Na primeira, argumentaremos que a experiência histórica dos contatos luso-africanos atesta para a tentativa de fortalecer o sistema tributário e os mecanismos de controle e fiscalização portugueses, cristalizando com isso um espaço de ordenação judiciário gerido a partir de Luanda e dos presídios do interior. Na segunda parte, comentaremos que o processo de tradução e explanação dessas práticas, na medida que também eram vocábulos incorporados, girava em torno da comparação semântica, da polissemia e da imposição de um significado renovado ao empréstimo lexical, de sorte que o processo de significação acabava infundido pela experiência colonial de dominação. Concluiremos que as práticas de “infuta”, “loanda”, “ocamba”, “infuca” e “baculamento” estavam relacionados à formação de uma nova tessitura sociopolítica na Angola portuguesa, incontornavelmente influenciada pela situação assimétrica dos contatos luso-africanos e pela imposição do avassalamento aos sobas (chefes). No final das contas, os sobas vassalos acabavam relegados a um contrato de comprometimento que, por um lado, abarcá-los-ia em uma só Justiça, operante em função do Governo do corpo místico do rei; por outro lado, esse mesmo contrato relegava-os ao estatuto de membros dessemelhantes e inferiores da sociedade hierárquica e desigual da Angola portuguesa.

Research paper thumbnail of O ambiente conflituoso e a sucessão episcopal no bispado e diocese de Congo e Angola (1607-1610)

Esta análise abordará o processo de sucessão episcopal entre os mandatos de Dom Frei António de S... more Esta análise abordará o processo de sucessão episcopal entre os mandatos de Dom Frei António de Santo Estevão e Dom Frei Manuel Baptista, durante 1607 e 1610. Tal processo histórico transcorreu no chamado bispado e diocese de Congo e Angola, sobreposto ao então reino do Kongo. Destarte, destacaremos que havia divergências entre o bispo de Congo e Angola e o soberano Álvaro II do Kongo, principalmente no que dizia respeito aos limites e às contendas respeitantes às matérias de “Governo”, “Jurisdição” e “Estado”. Em seguida, serão levantados alguns indícios de que havia desentendimentos entre o bispo ultramarino e os habitantes de Mbanza Kongo, dentre os quais os moradores portugueses da cidade africana. As inimizades e desavenças locais eram bastante intrincadas, a ponto de despertar suspeitas em relação à morte de Dom Frei António de Santo Estevão e desestimular a partida para o ultramar de seu sucessor, o franciscano Dom Frei Manuel Baptista. Em poucas palavras, a situação local inóspita, os poucos incentivos materiais disponibilizados pela Coroa portuguesa e o apoio institucional insuficiente dado ao bispo de Congo e Angola demoveram a partida de Dom Frei Manuel Baptista para o ultramar centro-africano.
Mesmo sem provas cabais, sugerimos que as contendas entre o bispo ultramarino e a comunidade portuguesa de Mbanza Kongo eram alimentadas pelo interesse no tráfico transatlântico de escravos. No final das contas, existia um ambiente conflituoso no bispado e diocese de Congo e Angola, permeado de tensão social, atritos institucionais e embates políticos.
Para finalizar, sustentaremos que algumas inimizades perpassaram o processo de sucessão episcopal entre 1607 e 1610, levantando questionamentos e demandas de ordens distintas. Assim, fica claro que havia discordâncias e contendas entre Álvaro II do Kongo, a comunidade portuguesa de Mbanza Kongo e o bispo de Congo e Angola. Vigorava na região um ambiente conflituoso alargado, imerso em tensão social, atrito institucional e embate político entre as autoridades, as gentes e os povos locais. Tal ambiente conflituoso estava conjugado a um cenário de múltiplas orquestrações, onde palcos políticos, arenas jurídicas e mobilizações militares abarcavam tanto os moradores portugueses e os naturais do Kongo, quanto os eclesiásticos, funcionários régios e as autoridades locais. As separações entre Governos, Jurisdições e Legislações eram tênues e fluídas, para não dizer “embaralhadas”. Não à toa, a política interna do Império ibérico se confundia com a política externa ultramarina, muitas vezes implicando em uma constante renegociação de pactos políticos e contratos de comprometimento.

Research paper thumbnail of Uma imagem multifacetada de “Angola” na década de 1620

A presente comunicação científica versará sobre as diferentes acepções que envolviam o termo “Ang... more A presente comunicação científica versará sobre as diferentes acepções que envolviam o termo “Angola”, ou “Reino de Angola”, na década de 1620. De maneira geral, esses termos faziam referência a um espaço de controle e de presença portuguesa na África Centro-Ocidental do século XVII. Nosso objeto de investigação são os documentos institucionais e burocráticos que compõem a “Coletânea Documental de Fernão de Sousa”, atualmente conservada na Biblioteca da Ajuda de Lisboa. Utilizamos neste trabalho os dois volumes da coletânea publicados na década de 1980, organizados e transcritos sob a coordenação de Beatrix Heintze, com o título Fontes para a História de Angola do século XVII. Analisaremos as aplicações e utilizações do termo “Angola” segundo os contextos e circunstâncias enfrentados pelo funcionalismo régio, tentando entender o que era a Angola do século XVII na ótica ideológica da administração ultramarina. Por fim, sustentaremos que a Angola seiscentista era também uma imagem multifacetada, capaz de refletir uma postura e alguns interesses ligados ao projeto expansionista português na África Centro-Ocidental.

Research paper thumbnail of Tráfico de escravos e as “saídas para o sertão” na Benguela portuguesa: vida econômica e belicismo entre 1617 e 1630

A presente comunicação científica analisará as relações mantidas entre o comércio transatlântico ... more A presente comunicação científica analisará as relações mantidas entre o comércio transatlântico de escravos e a execução de algumas campanhas de guerra a partir do domínio ultramarino de Benguela, levadas a cabo entre 1627 e 1629. Para tal, esta breve averiguação sustentará duas esferas de análise: a primeira está relacionada à delimitação de espaços pertinentes e a segunda à atuação de grupos sociopolíticos e agentes institucionais. Cabe também frisar que a comunicação esta dividida em duas partes. Na primeira, será apresentado o estado econômico e material no qual o povoamento e o presídio de São Filipe de Benguela se encontravam desde 1617. Na segunda parte, descreveremos e analisaremos algumas das chamadas “saídas para o sertão”, ou campanhas de guerra, armadas contra algumas autoridades africanas localizadas no interior do continente, ou simplesmente “sertão”. Por fim, faremos algumas considerações a respeito das motivações e dos interesses que propulsaram a convocação e a condução da chamada “gente de guerra”.

Dissertation by Alec I Ito

Research paper thumbnail of Uma “tão pesada cruz”: o governo da Angola portuguesa nos séculos XVI e XVII na perspectiva de Fernão de Sousa (1624-1630)

Exercitando um escopo de análise histórico e eclético, a presente dissertação versará sobre o fun... more Exercitando um escopo de análise histórico e eclético, a presente dissertação versará sobre o funcionamento de um sistema administrativo misto, arquitetado no formato de nodos interconectados, ou apenas “rede”, em prol da manutenção de um espaço jurisdicional ultramarino. Nessa empreitada, seremos guiados por duas traves-mestras: a primeira é o interesse nos fenômenos advindos dos contatos intersociais, a segunda é a análise perscrutada da documentação inserida nas Fontes para a história de Angola do século XVII, organizadas por Beatrix Heintze. Problematizando algumas das situações coetâneas pelas quais passavam a expansão portuguesa na África Centro-Ocidental, bem como nos debruçando sobre algumas das indagações levantadas por uma historiografia recente, defenderemos que havia uma série de movimentos ambivalentes e ambíguos no que tangia ao governo do domínio ultramarino da Angola portuguesa. Sucintamente, chamaremos atenção para a importância dos procedimentos e resoluções político-administrativas adotados naquele domínio, analisando as maneiras de arregimentação e condução de uma máquina de guerra portuguesa, destacando a importância da participação política de atores e sujeitos centro-africanos nos rumos políticos das chamadas “conquistas” e abordando as relações institucionais e econômicas entre Luanda e os entrepostos portugueses instalados no interior. Por excelência, as hierarquias internas e os contatos sociais e políticos luso-africanos foram gestados em um ambiente conflituoso, entrecortado por tensões sociais, atritos institucionais e embates políticos. Em ultima instância, concluiremos que ocorriam justaposições e aglutinações entre as formas de dominação e intermediação que faziam parte do funcionamento político e institucional da Angola portuguesa, contanto que duas precondições fossem atendidas: o engrandecimento da exploração economia através do tráfico transatlântico e a penetração institucional e política do continente.

Considering an eclectic and historical scope of analysis, this dissertation will argue about the execution of a mixed administrative system, based on institutional nodes interconnected in a form of network system, operated on the behalf of an overseas jurisdictional space. Our efforts will be engaged with two mainstreams: the first is our interest in the phenomena related with some inter-social contacts, the second is the analytical research of the Fontes para a história de Angola do século XVII’s documentation, organized by Beatrix Heintze. Casting some questions related to the different situations concerned with the Portuguese Expansion in the West Central Africa, as well as reflecting some inquiries posed by the recent historiography, here we stand for a settle of ambivalent and ambiguous series of movements emerged from the Portuguese Angola’s overseas domain, calling up for the importance of some political and institutional forms of proceedings. They were all managed in order to resolve some issues related with the Portuguese Angola, paying attention to the recruitment and mobilizations of the Portuguese war machine, elucidating how the local political actors interacted with the conquistas and how was carried out the institutional and economical relations between Luanda and the interior entrepôts. All the internal hierarchies and luso-african contacts was settled down in a conflictive environment, crossed through social tensions, institutional frictions and political shocks. Finally, we conclude that some forms of domination and intermediation in the Portuguese Angola were sustained by a correlation between juxtapositions and agglutinations, but only if two demands were attended: the enlargement of the economical exploitation through the transatlantic slave trade and the institutional and political penetration of the African continent.

Articles by Alec I Ito

Research paper thumbnail of Uses, reuses and abuses: crossing "boarders" and "Luso-Africanities" in the historiographies of Angola, Cape Verde and Guinea-Bissau for the 15th, 16th and 17th centuries

Revista Brasileira de Estudos Africanos, 2019

This article develops the notions of “frontier” and “Luso-Africanity”, addressing some cases anch... more This article develops the notions of “frontier” and “Luso-Africanity”, addressing some cases anchored in the writing of the history of Angola, Cape Verde and Guinea-Bissau for the 15th, 16th and 17th centuries. The guiding thread of this narrative is the sharing and circularity of these notions, split into two moments. In the first, we will understand the notion of the Africanist frontier, as it affects the studies developed by North-American historiography since the postwar period. In a second moment, we will introduce some notions of “Luso-Africanity”, drawing attention to the focus given to multiple identity practices. At the end of this article, we will point out some of the risks and obstacles that permeate the notion of Luso-Africanity, the main one being the dissolution of the differences, asymmetries and inequalities that have crossed the Euro-African contacts. As a working hypothesis, we assume that future researches will carry out more empirical investigations, as well as support a more critical stance on cultural hybridism, blood miscegenation, multiple identities, religious syncretism and peaceful social fusion.

Book Chapter by Alec I Ito

Research paper thumbnail of O sistema investigativo e corregedor do bispado de Congo e Angola no final do episcopado de Dom Frei Manuel Baptista (1619-1621)

Histórias e políticas em contextos africanos, 2023

Nosso objetivo é o de mostrar como funcionava o sistema investigativo e corregedor do bispado de ... more Nosso objetivo é o de mostrar como funcionava o sistema investigativo e corregedor do bispado de Congo e Angola entre 1619 e 1621, ocorrido durante parte do episcopado de Dom Frei Manuel Baptista. Para tal, empreenderemos um método de investigação empírico, privilegiando a análise da documentação transcrita pelo padre António Brásio (2011). Nesse sentido, inspecionaremos duas hipóteses vinculadas ao funcionamento desse sistema institucional. Destarte, suspeitaremos que o ambiente conflituoso da Angola portuguesa, eivado pelo tráfico transatlântico de escravizados e pela violência, pressionou a monarquia ibérica. Também sinalizaremos que a cooperação entre os tribunais centrais era precária, podendo ser um indicativo da ineficiência investigativa de Portugal, ou um indício de que a justiça portuguesa operava de maneira política. Em resposta à situação concreta do ultramar, Felipe III de Espanha e Portugal entendia que a autogestão deveria prevalecer nas franjas do Império atlântico, enquanto que o núcleo administrativo e burocrático de Portugal deveria ser corrigido. Aludiremos assim à racionalidade de um o projeto alinhado ao Império ibérico do Atlântico Sul, não necessariamente unívoco e unissonante.

Research paper thumbnail of Revisitando a categoria colonial para o Atlântico português dos séculos XVI, XVII e XVIII

I Encontro internacional de jovens investigadores de história e cultura Luso-Brasieira: volume de estudos, 2023

Diante da globalização avançada que presenciamos no século XXI, a noção de “colonial” é problemat... more Diante da globalização avançada que presenciamos no século XXI, a noção de “colonial” é problematizada em diversos campos do conhecimento. Se no século XX temas como o colonialismo e o imperialismo rondavam os grandes debates, a partir do novo milénio assuntos como as diásporas, a globalização e os pós-decolonialismos estão em voga. Partindo de temáticas contemporâneas para, então, reacender antigos problemas, neste ensaio propomos três indagações. Em que situação o governo monárquico imperou sobre o ultramar? Como governar as colónias? Para quem colonizar? Destarte, introduziremos que palcos políticos, arenas jurídicas e mobilizações militares conjugaram ambientes conflituosos nas colônias atlânticas, influenciando a lógica de transmissão e arquivamento de informações. Assim, interpretaremos o Atlântico português como uma coinvenção e, nesse sentido, aventamos a hipótese de se imaginar o Velho Mundo a partir do Novo.

Research paper thumbnail of Os embates entre africanos e portugueses na África Centro-Ocidental (primeira metade do século XVII)

Entre os séculos XVI e XVII, a presença constante dos portugueses na África Centro-Ocidental teve... more Entre os séculos XVI e XVII, a presença constante dos portugueses na África Centro-Ocidental teve como consequência a intensificação dos contatos entre africanos e portugueses. Nesse sentido, a presente comunicação abordará dois eixos de análise que mantém íntima relação com a construção dos espaços ultramarinos na África: a dinâmica de guerra e aliança e o complexo político-cultural. O primeiro eixo se relaciona à postura de Luanda frente aos desafios impostos pelas centralidades políticas africanas, no momento de embate e divergência entre aqueles que compunham o palco político regional; o segundo se vincula à utilização de mecanismos e estratégias de organização promulgadas por Luanda, em decorrência das dificuldades encontradas pelos funcionários régios na África ao tentarem concretizar os interesses da Coroa nas zonas de interesse lusitana. Juntos, esses dois eixos atestam que o modo operante da empreitada africana girava em torno de um projeto que previa a presença e penetração paulatina de Portugal no Mundo Africano. Doravante, e se aproximando do fim da comunicação, levantar-se-á a hipótese de que a confluência e mediação social, frutos do aumento dos encontros entre africanos e portugueses nos espaços de fronteira, foram capazes de criar microcosmos luso-africanos nos quais convergiam tanto os traços socioculturais daqueles que chegavam do Atlântico, quanto dos povos locais. Considerando tudo isso, esta comunicação propõe a reescrita da História política à luz do estudo dos encontros e contatos, objeto de interesse de historiadores e antropólogos que se voltam para a África pré-colonial.

Between the sixteenth and seventeenth centuries, the West-Central Africa beheld the swelling of contacts between Africans and Portugueses. In this sense, the present communication will analyze the two main aspects concerning to the construction of overseas areas in Africa, namely: the dynamic of warfare and alliance and the politico-cultural complex. The former take the struggles and challenges between African polities and Europeans for granted and states that Luanda was bound to participate in the regional political scenario in order to achieve their main objectives. The latter analyses the strategies and mechanisms fulfilled by Luanda in order for the funcionários régios to accomplish the Portuguese monarchy’s interests in Africa. Together, these two aspects attest that the Portuguese project in West-Central Africa was based in the gradually presence and penetration of Luanda in the African World. Henceforth, we suppose that this process might have created a Luso-African microcosm, where African sociocultural aspects converged and mixed in the Atlantic daily life. To conclude, this communication stands for the encounter and contact studies as an important subject to experiment new perspectives of research in the Political history, issue which is relevant both to historians as well as to anthropologies.

Research paper thumbnail of Em tempos de paz, em tempos de guerra: a Angola portuguesa no governo de Fernão de Sousa (1624-1630)

África: perspectivas: ensino, pesquisa e extensão, 2016

O presente artigo versará sobre a montagem de um sistema administrativo misto na Angola portugues... more O presente artigo versará sobre a montagem de um sistema administrativo misto na Angola portuguesa, durante o início do século XVII. Tal domínio ultramarino foi arquitetado no formato de nodos interconectados, ou apenas “rede”, funcional em prol da manutenção de um espaço jurisdicional em além-mar. Primeiramente, chamaremos atenção para a participação de alguns agentes de intermediação, necessários para o funcionamento dos órgãos régios instalados no interior continental. Além disso, exploraremos o processo de escolha dos capitães-mores, responsáveis pela condução da máquina de guerra, criada em razão da chamada “conquista do Ndongo”. Mesmo que parcialmente, o nosso balanço final sustentará que ocorriam justaposições e aglutinações entre as formas de dominação e intermediação em jogo na organização política da Angola portuguesa, contanto que duas precondições fossem atendidas: o engrandecimento da exploração econômica, através do tráfico transatlântico, e a penetração institucional e política do continente africano.

Research paper thumbnail of Avassalamento, justiça e alguns tributos e taxas cobrados na Angola portuguesa de Fernão de Sousa (1624-1630)

Este texto discorrerá sobre o funcionamento de alguns tributos e taxas que eram cobrados pelos ca... more Este texto discorrerá sobre o funcionamento de alguns tributos e taxas que eram cobrados pelos capitães de presídios, moradores e demais agentes portugueses que atuavam na Angola portuguesa dos séculos XVI e XVII. Para tal, analisaremos as definições esboçadas para algumas práticas tributárias e taxativas que foram incorporadas pelo oficialato régio, amiúde de maneira ilícita, durante o governo de Fernão de Sousa (1624-1630). A princípio, essas práticas eram de origem mbundu, sendo identificadas na escrita administrativa com os nomes de “infuta”, “loanda”, “ocamba”, “infuca”, “baculamento” e outros mais. Nossas principais considerações estão divididas em duas partes. Na primeira, argumentaremos que a experiência histórica dos contatos luso-africanos atesta para a tentativa de fortalecer o sistema tributário e os mecanismos de controle e fiscalização portugueses, cristalizando com isso um espaço de ordenação judiciário gerido a partir de Luanda e dos presídios do interior. Na segunda parte, comentaremos que o processo de tradução e explanação dessas práticas, na medida que também eram vocábulos incorporados, girava em torno da comparação semântica, da polissemia e da imposição de um significado renovado ao empréstimo lexical, de sorte que o processo de significação acabava infundido pela experiência colonial de dominação. Concluiremos que as práticas de “infuta”, “loanda”, “ocamba”, “infuca” e “baculamento” estavam relacionados à formação de uma nova tessitura sociopolítica na Angola portuguesa, incontornavelmente influenciada pela situação assimétrica dos contatos luso-africanos e pela imposição do avassalamento aos sobas (chefes). No final das contas, os sobas vassalos acabavam relegados a um contrato de comprometimento que, por um lado, abarcá-los-ia em uma só Justiça, operante em função do Governo do corpo místico do rei; por outro lado, esse mesmo contrato relegava-os ao estatuto de membros dessemelhantes e inferiores da sociedade hierárquica e desigual da Angola portuguesa.

Research paper thumbnail of O ambiente conflituoso e a sucessão episcopal no bispado e diocese de Congo e Angola (1607-1610)

Esta análise abordará o processo de sucessão episcopal entre os mandatos de Dom Frei António de S... more Esta análise abordará o processo de sucessão episcopal entre os mandatos de Dom Frei António de Santo Estevão e Dom Frei Manuel Baptista, durante 1607 e 1610. Tal processo histórico transcorreu no chamado bispado e diocese de Congo e Angola, sobreposto ao então reino do Kongo. Destarte, destacaremos que havia divergências entre o bispo de Congo e Angola e o soberano Álvaro II do Kongo, principalmente no que dizia respeito aos limites e às contendas respeitantes às matérias de “Governo”, “Jurisdição” e “Estado”. Em seguida, serão levantados alguns indícios de que havia desentendimentos entre o bispo ultramarino e os habitantes de Mbanza Kongo, dentre os quais os moradores portugueses da cidade africana. As inimizades e desavenças locais eram bastante intrincadas, a ponto de despertar suspeitas em relação à morte de Dom Frei António de Santo Estevão e desestimular a partida para o ultramar de seu sucessor, o franciscano Dom Frei Manuel Baptista. Em poucas palavras, a situação local inóspita, os poucos incentivos materiais disponibilizados pela Coroa portuguesa e o apoio institucional insuficiente dado ao bispo de Congo e Angola demoveram a partida de Dom Frei Manuel Baptista para o ultramar centro-africano.
Mesmo sem provas cabais, sugerimos que as contendas entre o bispo ultramarino e a comunidade portuguesa de Mbanza Kongo eram alimentadas pelo interesse no tráfico transatlântico de escravos. No final das contas, existia um ambiente conflituoso no bispado e diocese de Congo e Angola, permeado de tensão social, atritos institucionais e embates políticos.
Para finalizar, sustentaremos que algumas inimizades perpassaram o processo de sucessão episcopal entre 1607 e 1610, levantando questionamentos e demandas de ordens distintas. Assim, fica claro que havia discordâncias e contendas entre Álvaro II do Kongo, a comunidade portuguesa de Mbanza Kongo e o bispo de Congo e Angola. Vigorava na região um ambiente conflituoso alargado, imerso em tensão social, atrito institucional e embate político entre as autoridades, as gentes e os povos locais. Tal ambiente conflituoso estava conjugado a um cenário de múltiplas orquestrações, onde palcos políticos, arenas jurídicas e mobilizações militares abarcavam tanto os moradores portugueses e os naturais do Kongo, quanto os eclesiásticos, funcionários régios e as autoridades locais. As separações entre Governos, Jurisdições e Legislações eram tênues e fluídas, para não dizer “embaralhadas”. Não à toa, a política interna do Império ibérico se confundia com a política externa ultramarina, muitas vezes implicando em uma constante renegociação de pactos políticos e contratos de comprometimento.

Research paper thumbnail of Uma imagem multifacetada de “Angola” na década de 1620

A presente comunicação científica versará sobre as diferentes acepções que envolviam o termo “Ang... more A presente comunicação científica versará sobre as diferentes acepções que envolviam o termo “Angola”, ou “Reino de Angola”, na década de 1620. De maneira geral, esses termos faziam referência a um espaço de controle e de presença portuguesa na África Centro-Ocidental do século XVII. Nosso objeto de investigação são os documentos institucionais e burocráticos que compõem a “Coletânea Documental de Fernão de Sousa”, atualmente conservada na Biblioteca da Ajuda de Lisboa. Utilizamos neste trabalho os dois volumes da coletânea publicados na década de 1980, organizados e transcritos sob a coordenação de Beatrix Heintze, com o título Fontes para a História de Angola do século XVII. Analisaremos as aplicações e utilizações do termo “Angola” segundo os contextos e circunstâncias enfrentados pelo funcionalismo régio, tentando entender o que era a Angola do século XVII na ótica ideológica da administração ultramarina. Por fim, sustentaremos que a Angola seiscentista era também uma imagem multifacetada, capaz de refletir uma postura e alguns interesses ligados ao projeto expansionista português na África Centro-Ocidental.

Research paper thumbnail of Tráfico de escravos e as “saídas para o sertão” na Benguela portuguesa: vida econômica e belicismo entre 1617 e 1630

A presente comunicação científica analisará as relações mantidas entre o comércio transatlântico ... more A presente comunicação científica analisará as relações mantidas entre o comércio transatlântico de escravos e a execução de algumas campanhas de guerra a partir do domínio ultramarino de Benguela, levadas a cabo entre 1627 e 1629. Para tal, esta breve averiguação sustentará duas esferas de análise: a primeira está relacionada à delimitação de espaços pertinentes e a segunda à atuação de grupos sociopolíticos e agentes institucionais. Cabe também frisar que a comunicação esta dividida em duas partes. Na primeira, será apresentado o estado econômico e material no qual o povoamento e o presídio de São Filipe de Benguela se encontravam desde 1617. Na segunda parte, descreveremos e analisaremos algumas das chamadas “saídas para o sertão”, ou campanhas de guerra, armadas contra algumas autoridades africanas localizadas no interior do continente, ou simplesmente “sertão”. Por fim, faremos algumas considerações a respeito das motivações e dos interesses que propulsaram a convocação e a condução da chamada “gente de guerra”.

Research paper thumbnail of Uma “tão pesada cruz”: o governo da Angola portuguesa nos séculos XVI e XVII na perspectiva de Fernão de Sousa (1624-1630)

Exercitando um escopo de análise histórico e eclético, a presente dissertação versará sobre o fun... more Exercitando um escopo de análise histórico e eclético, a presente dissertação versará sobre o funcionamento de um sistema administrativo misto, arquitetado no formato de nodos interconectados, ou apenas “rede”, em prol da manutenção de um espaço jurisdicional ultramarino. Nessa empreitada, seremos guiados por duas traves-mestras: a primeira é o interesse nos fenômenos advindos dos contatos intersociais, a segunda é a análise perscrutada da documentação inserida nas Fontes para a história de Angola do século XVII, organizadas por Beatrix Heintze. Problematizando algumas das situações coetâneas pelas quais passavam a expansão portuguesa na África Centro-Ocidental, bem como nos debruçando sobre algumas das indagações levantadas por uma historiografia recente, defenderemos que havia uma série de movimentos ambivalentes e ambíguos no que tangia ao governo do domínio ultramarino da Angola portuguesa. Sucintamente, chamaremos atenção para a importância dos procedimentos e resoluções político-administrativas adotados naquele domínio, analisando as maneiras de arregimentação e condução de uma máquina de guerra portuguesa, destacando a importância da participação política de atores e sujeitos centro-africanos nos rumos políticos das chamadas “conquistas” e abordando as relações institucionais e econômicas entre Luanda e os entrepostos portugueses instalados no interior. Por excelência, as hierarquias internas e os contatos sociais e políticos luso-africanos foram gestados em um ambiente conflituoso, entrecortado por tensões sociais, atritos institucionais e embates políticos. Em ultima instância, concluiremos que ocorriam justaposições e aglutinações entre as formas de dominação e intermediação que faziam parte do funcionamento político e institucional da Angola portuguesa, contanto que duas precondições fossem atendidas: o engrandecimento da exploração economia através do tráfico transatlântico e a penetração institucional e política do continente.

Considering an eclectic and historical scope of analysis, this dissertation will argue about the execution of a mixed administrative system, based on institutional nodes interconnected in a form of network system, operated on the behalf of an overseas jurisdictional space. Our efforts will be engaged with two mainstreams: the first is our interest in the phenomena related with some inter-social contacts, the second is the analytical research of the Fontes para a história de Angola do século XVII’s documentation, organized by Beatrix Heintze. Casting some questions related to the different situations concerned with the Portuguese Expansion in the West Central Africa, as well as reflecting some inquiries posed by the recent historiography, here we stand for a settle of ambivalent and ambiguous series of movements emerged from the Portuguese Angola’s overseas domain, calling up for the importance of some political and institutional forms of proceedings. They were all managed in order to resolve some issues related with the Portuguese Angola, paying attention to the recruitment and mobilizations of the Portuguese war machine, elucidating how the local political actors interacted with the conquistas and how was carried out the institutional and economical relations between Luanda and the interior entrepôts. All the internal hierarchies and luso-african contacts was settled down in a conflictive environment, crossed through social tensions, institutional frictions and political shocks. Finally, we conclude that some forms of domination and intermediation in the Portuguese Angola were sustained by a correlation between juxtapositions and agglutinations, but only if two demands were attended: the enlargement of the economical exploitation through the transatlantic slave trade and the institutional and political penetration of the African continent.

Research paper thumbnail of Uses, reuses and abuses: crossing "boarders" and "Luso-Africanities" in the historiographies of Angola, Cape Verde and Guinea-Bissau for the 15th, 16th and 17th centuries

Revista Brasileira de Estudos Africanos, 2019

This article develops the notions of “frontier” and “Luso-Africanity”, addressing some cases anch... more This article develops the notions of “frontier” and “Luso-Africanity”, addressing some cases anchored in the writing of the history of Angola, Cape Verde and Guinea-Bissau for the 15th, 16th and 17th centuries. The guiding thread of this narrative is the sharing and circularity of these notions, split into two moments. In the first, we will understand the notion of the Africanist frontier, as it affects the studies developed by North-American historiography since the postwar period. In a second moment, we will introduce some notions of “Luso-Africanity”, drawing attention to the focus given to multiple identity practices. At the end of this article, we will point out some of the risks and obstacles that permeate the notion of Luso-Africanity, the main one being the dissolution of the differences, asymmetries and inequalities that have crossed the Euro-African contacts. As a working hypothesis, we assume that future researches will carry out more empirical investigations, as well as support a more critical stance on cultural hybridism, blood miscegenation, multiple identities, religious syncretism and peaceful social fusion.

Research paper thumbnail of O sistema investigativo e corregedor do bispado de Congo e Angola no final do episcopado de Dom Frei Manuel Baptista (1619-1621)

Histórias e políticas em contextos africanos, 2023

Nosso objetivo é o de mostrar como funcionava o sistema investigativo e corregedor do bispado de ... more Nosso objetivo é o de mostrar como funcionava o sistema investigativo e corregedor do bispado de Congo e Angola entre 1619 e 1621, ocorrido durante parte do episcopado de Dom Frei Manuel Baptista. Para tal, empreenderemos um método de investigação empírico, privilegiando a análise da documentação transcrita pelo padre António Brásio (2011). Nesse sentido, inspecionaremos duas hipóteses vinculadas ao funcionamento desse sistema institucional. Destarte, suspeitaremos que o ambiente conflituoso da Angola portuguesa, eivado pelo tráfico transatlântico de escravizados e pela violência, pressionou a monarquia ibérica. Também sinalizaremos que a cooperação entre os tribunais centrais era precária, podendo ser um indicativo da ineficiência investigativa de Portugal, ou um indício de que a justiça portuguesa operava de maneira política. Em resposta à situação concreta do ultramar, Felipe III de Espanha e Portugal entendia que a autogestão deveria prevalecer nas franjas do Império atlântico, enquanto que o núcleo administrativo e burocrático de Portugal deveria ser corrigido. Aludiremos assim à racionalidade de um o projeto alinhado ao Império ibérico do Atlântico Sul, não necessariamente unívoco e unissonante.

Research paper thumbnail of Revisitando a categoria colonial para o Atlântico português dos séculos XVI, XVII e XVIII

I Encontro internacional de jovens investigadores de história e cultura Luso-Brasieira: volume de estudos, 2023

Diante da globalização avançada que presenciamos no século XXI, a noção de “colonial” é problemat... more Diante da globalização avançada que presenciamos no século XXI, a noção de “colonial” é problematizada em diversos campos do conhecimento. Se no século XX temas como o colonialismo e o imperialismo rondavam os grandes debates, a partir do novo milénio assuntos como as diásporas, a globalização e os pós-decolonialismos estão em voga. Partindo de temáticas contemporâneas para, então, reacender antigos problemas, neste ensaio propomos três indagações. Em que situação o governo monárquico imperou sobre o ultramar? Como governar as colónias? Para quem colonizar? Destarte, introduziremos que palcos políticos, arenas jurídicas e mobilizações militares conjugaram ambientes conflituosos nas colônias atlânticas, influenciando a lógica de transmissão e arquivamento de informações. Assim, interpretaremos o Atlântico português como uma coinvenção e, nesse sentido, aventamos a hipótese de se imaginar o Velho Mundo a partir do Novo.

Research paper thumbnail of Os embates entre africanos e portugueses na África Centro-Ocidental (primeira metade do século XVII)

Entre os séculos XVI e XVII, a presença constante dos portugueses na África Centro-Ocidental teve... more Entre os séculos XVI e XVII, a presença constante dos portugueses na África Centro-Ocidental teve como consequência a intensificação dos contatos entre africanos e portugueses. Nesse sentido, a presente comunicação abordará dois eixos de análise que mantém íntima relação com a construção dos espaços ultramarinos na África: a dinâmica de guerra e aliança e o complexo político-cultural. O primeiro eixo se relaciona à postura de Luanda frente aos desafios impostos pelas centralidades políticas africanas, no momento de embate e divergência entre aqueles que compunham o palco político regional; o segundo se vincula à utilização de mecanismos e estratégias de organização promulgadas por Luanda, em decorrência das dificuldades encontradas pelos funcionários régios na África ao tentarem concretizar os interesses da Coroa nas zonas de interesse lusitana. Juntos, esses dois eixos atestam que o modo operante da empreitada africana girava em torno de um projeto que previa a presença e penetração paulatina de Portugal no Mundo Africano. Doravante, e se aproximando do fim da comunicação, levantar-se-á a hipótese de que a confluência e mediação social, frutos do aumento dos encontros entre africanos e portugueses nos espaços de fronteira, foram capazes de criar microcosmos luso-africanos nos quais convergiam tanto os traços socioculturais daqueles que chegavam do Atlântico, quanto dos povos locais. Considerando tudo isso, esta comunicação propõe a reescrita da História política à luz do estudo dos encontros e contatos, objeto de interesse de historiadores e antropólogos que se voltam para a África pré-colonial.

Between the sixteenth and seventeenth centuries, the West-Central Africa beheld the swelling of contacts between Africans and Portugueses. In this sense, the present communication will analyze the two main aspects concerning to the construction of overseas areas in Africa, namely: the dynamic of warfare and alliance and the politico-cultural complex. The former take the struggles and challenges between African polities and Europeans for granted and states that Luanda was bound to participate in the regional political scenario in order to achieve their main objectives. The latter analyses the strategies and mechanisms fulfilled by Luanda in order for the funcionários régios to accomplish the Portuguese monarchy’s interests in Africa. Together, these two aspects attest that the Portuguese project in West-Central Africa was based in the gradually presence and penetration of Luanda in the African World. Henceforth, we suppose that this process might have created a Luso-African microcosm, where African sociocultural aspects converged and mixed in the Atlantic daily life. To conclude, this communication stands for the encounter and contact studies as an important subject to experiment new perspectives of research in the Political history, issue which is relevant both to historians as well as to anthropologies.

Research paper thumbnail of Em tempos de paz, em tempos de guerra: a Angola portuguesa no governo de Fernão de Sousa (1624-1630)

África: perspectivas: ensino, pesquisa e extensão, 2016

O presente artigo versará sobre a montagem de um sistema administrativo misto na Angola portugues... more O presente artigo versará sobre a montagem de um sistema administrativo misto na Angola portuguesa, durante o início do século XVII. Tal domínio ultramarino foi arquitetado no formato de nodos interconectados, ou apenas “rede”, funcional em prol da manutenção de um espaço jurisdicional em além-mar. Primeiramente, chamaremos atenção para a participação de alguns agentes de intermediação, necessários para o funcionamento dos órgãos régios instalados no interior continental. Além disso, exploraremos o processo de escolha dos capitães-mores, responsáveis pela condução da máquina de guerra, criada em razão da chamada “conquista do Ndongo”. Mesmo que parcialmente, o nosso balanço final sustentará que ocorriam justaposições e aglutinações entre as formas de dominação e intermediação em jogo na organização política da Angola portuguesa, contanto que duas precondições fossem atendidas: o engrandecimento da exploração econômica, através do tráfico transatlântico, e a penetração institucional e política do continente africano.