Ivan Rodrigues | Universidade Federal do Rio Grande do Norte (original) (raw)
Books by Ivan Rodrigues
Desde os anos 1960 até esta terceira década do século XXI, Jürgen Habermas continuadamente se esf... more Desde os anos 1960 até esta terceira década do século XXI, Jürgen Habermas continuadamente se esforça em construir uma teoria crítica da sociedade capitalista. A gama de seus esforços se corporifica numa prolífica sucessão de obras que, não raro bastante contrastantes, convergem na tentativa de dar conta de uma tarefa complexa: a elaboração de um diagnóstico de época (a) sensível aos fenômenos cotidianos da reificação social e a sua causação sistemática, bem como sensível às lutas coletivas por emancipação e ao potencial estrutural não esgotado de efetivação da autoconsciência, da autodeterminação e da autorrealização numa democracia radical; (b) embasado tanto na investigação científica como na reconstrução filosófica. Trata-se de uma tarefa tão complexa que Habermas jamais cogita realizá-la de modo exaustivo e definitivo. Em vez disso, ele concentra a maioria de seus esforços em construir um novo paradigma metateórico e um novo programa teórico que provejam um quadro filosófica e cientificamente consistente de conceitos-base e explicações-chave a partir do qual seja possível começar a realizar aquela tarefa. A construção do paradigma comunicativo e do programa da teoria da ação comunicativa é, então, feita por ele em intenso diálogo com a herança filosófica, as elaborações científicas disponíveis e tentativas outras de teorização crítica da sociedade capitalista. Além disso, essa construção impõe a si mesma, no decorrer do tempo, amplas modificações motivadas por profundas mudanças sociais e novos desdobramentos nas ciências e na filosofia. Em todo caso, Habermas articula um novo quadro teórico que (a) tem como eixo tanto a sociologia, ou melhor, a teoria da sociedade enquanto teoria da ação social e da racionalização social, como a filosofia enquanto teoria da racionalidade; (b) adota como estratégia a reconstrução dos pressupostos linguístico-pragmáticos da ação e da fala, a reconstrução dos estágios sucessivos da evolução social e do desenvolvimento do eu, bem como a reconstrução da história da teoria da sociedade; (c) propõe-se reformular o materialismo histórico marxiano e, especialmente, articular o teor normativo da modernidade, bem como elucidar o capitalismo como uma formação social moderna que, distorcendo sistematicamente a reprodução simbólica da sociedade em nome da dominação e da autovalorização do capital, impede que os indivíduos e os grupos sociais construam autonomamente suas formas coletivas de vida e seus estilos pessoais de vida sobre espaços institucionais nacionais e transnacionais democráticos. Esse rico quadro teórico, não obstante, é passível de várias críticas filosóficas e científicas que derivam, todas, do embotamento extremo a que Habermas expressamente submete a economia política e a crítica da ideologia. A sociologia, representada pela teoria dos sistemas, não consegue substituir completamente a investigação científica dos aspectos centrais da economia capitalista e a reflexão filosófica sobre as categorias econômicas fundamentais; nem o procedimento de reconstrução racional consegue eliminar a necessidade de uma crítica da legitimação ilusória do Estado capitalista e da democracia meramente formal. Apesar dessas graves limitações do programa da teoria da ação comunicativa, é possível partir do próprio paradigma comunicativo para reconstruir o materialismo histórico habermasiano, reincorporando a ele a economia política e a crítica da ideologia. As principais implicações programáticas resultantes equivalem a três tarefas que cabe a uma teoria crítica da sociedade capitalista realizar hoje: (a) delinear uma economia política não economicista e não nacionalista; (b) explicar a ideologia como produto simbólico reificado e processo simbólico reificador e dar-lhe uma reconceituação linguístico-pragmática; (c) explicitar o teor normativo econômico básico da justiça social, da autorrealização individual e coletiva e da democracia.
Papers by Ivan Rodrigues
Dois Pontos, 2022
Em Facticidade e Validade, a forma-direito é um conceito central que possibilita a Habermas: enfo... more Em Facticidade e Validade, a forma-direito é um conceito central que possibilita a Habermas: enfocar a dimensão institucional do direito; elucidar a problemática da legitimação do direito; realizar uma abordagem funcionalista do direito propícia a reconstrui-lo racionalmente; e explicitar o sistema dos direitos fundamentais. Entretanto, Habermas não procede a uma análise sistemática do nexo funcional entre a forma-direito e o modo de produção de mercadorias. Por isso, ele deixa de prover uma compreensão mais abrangente e mais crítica da forma-direito e das possibilidades emancipatórias na sociedade capitalista.
Princípios: Revista de Filosofia, 2018
Fabian Freyenhagen, muito recentemente, propôs a tese de que a Teoria Crítica estaria condenada a... more Fabian Freyenhagen, muito recentemente, propôs a tese de que a Teoria Crítica estaria condenada a deixar de fundamentar seus critérios de julgamento da sociedade. Para ele, Horkheimer teria, em seu famoso ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, publicado há oitenta anos, fundado uma ortodoxia teórico-crítica impermeável a programas de fundamentação. Neste artigo, trata-se de contrapor à tese de Freyenhagen uma interpretação diferente de “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, uma que não exclui, de antemão e definitivamente, a necessidade teórico-crítica de fundamentação. Além disso, trata-se de delinear três razões pelas quais a Teoria Crítica pode vir a requerer que seus critérios sejam fundamentados.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2017
Neste artigo, sublinha-se a renovação da crítica do capitalismo pelas teóricas críticas contempor... more Neste artigo, sublinha-se a renovação da crítica do capitalismo pelas teóricas críticas contemporâneas Albena Azmanova, Nancy Fraser e Rahel Jaeggi (1). Em seguida, aponta-se como Rahel Jaeggi destaca-se com uma elaboração metateórica que visa aprofundar eticamente as dimensões funcional e moral da crítica do capitalismo (2). Por último, defende-se que, apesar dos ganhos da contribuição jaeggiana, é necessário desdobrar politicamente a crítica do capitalismo para mostrar como o capitalismo é, em vez de uma ordem puramente econômica e economicamente inelutável, uma ordenação político-econômica, politicamente engendrada e imposta, que fetichiza as relações de produção capitalistas e naturaliza a heteronomia econômica (3).
Book Chapters by Ivan Rodrigues
Em "Zur Verfassung Europas" (ZVE), Habermas propôs uma democracia transnacional. Supondo que essa... more Em "Zur Verfassung Europas" (ZVE), Habermas propôs uma democracia transnacional. Supondo que essa proposta seja convincente, supondo que a necessidade e a desejabilidade, a possibilidade e a realizabilidade de uma democracia transnacional tenham adquirido, em ZVE, um respaldo teórico sólido, restaria, contudo, uma interrogação não respondida: Por que uma democracia transnacional necessitaria de uma constituição global? Trata-se de interrogar por que Habermas não se eximiu de acrescentar a sua proposta uma constituição global; por que, para ele, o projeto de universalização da soberania popular segue de mãos dadas com o projeto de constitucionalização do direito internacional.
O problema com o qual se ocupa este artigo é detectar o “calcanhar de Aquiles” da democracia con... more O problema com o qual se ocupa este artigo é detectar o “calcanhar de Aquiles” da democracia constitucional sob as condições tardias da sociedade moderna, caracterizada por um alto nível de diferenciação funcional (e auto-organização formal) da economia capitalista, a qual adquire a primazia material, mas, ao mesmo tempo, não prescinde da complementação do estado burocrático, o qual desempenha funções de intervenção marginal e reparadora no mercado capitalista para resolver os déficits emergentes de seu funcionamento autorregulado. Dada uma sociedade estruturalmente dependente (quanto à reprodução material) do consórcio funcional entre capitalismo e burocracia, onde a democracia constitucional pode ser atacada sem que ofereça suficiente capacidade de resistência interna?
O objetivo deste artigo é, por um lado, apresentar a concepção de direitos humanos de Joseph Raz ... more O objetivo deste artigo é, por um lado, apresentar a concepção de direitos humanos de Joseph Raz e, por outro lado, levantar objeções críticas contra ela. A relevância de tal duplo empreendimento abrange dois níveis: (1) o nível metateórico acerca de quais são as tarefas designáveis a uma teoria dos direitos humanos, acerca de qual é a relação entre teoria e prática dos direitos humanos, acerca de quais são os contextos argumentativo-práticos de tematização teórica dos direitos humanos, acerca de qual é a relação entre moral e política na qual se inscrevem os direitos humanos; (2) o nível teórico quanto à delimitação conceitual dos direitos humanos, quanto à fundamentação moral dos direitos humanos, quanto à função política dos direitos humanos, quanto aos abusos estratégicos do recurso cínico aos direitos humanos.
Translations by Ivan Rodrigues
Cadernos de Filosofia Alemã, 2022
Que conexão há entre o vagalhão populista e a queda do apoio eleitoral às tradicionais posições i... more Que conexão há entre o vagalhão populista e a queda do apoio eleitoral às tradicionais posições ideológicas à esquerda? Como podemos explicar o declínio da esquerda sob condições que deveriam estar catapultando-a para o poder? Argumento que a esquerda, na sua reação tanto à hegemonia neoliberal como à ascensão do populismo, está afetada pelo que Nietzsche chamou de “preconceito democrático” – o reflexo de ler a história como o advento e a crise da democracia. Em decorrência disso, a esquerda tenta agora recuperar a democracia por meio da ressurreição do conjunto de políticas de crescimento-e-redistribuição característico da “era dourada” da social-democracia nas três décadas após a Segunda Guerra Mundial. Esse gesto nostálgico, todavia, está levando a esquerda a outro impasse, àquilo que chamo de “paradoxo da emancipação” – ao lutar por igualdade e inclusão como condições essenciais da cidadania democrática, a esquerda está validando a ordem social no interior da qual ela está buscando igualdade e inclusão, a saber, a ordem social moldada pela produção concorrencial de lucro, a qual é a causa básica pela qual as nossas sociedades se encontram encalacradas. Concluo a análise propondo a construção de uma contra-hegemonia contra o capitalismo neoliberal mediante o alargamento do enfoque da esquerda, de modo a que a esquerda não se restrinja às suas preocupações tradicionais com a desigualdade e a exclusão, mas dê conta também da injustiça da crescente insegurança social e econômica – um dano cujo alcance vai além dos trabalhadores pobres. Uma agenda reformulada de justiça social que tenha como eixo questões de insegurança econômica que atravessam a “clivagem de classes” possibilitaria à esquerda mobilizar uma ampla coalizão de forças sociais para a transformação radical e duradoura em direção à democracia socialista.
Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), 2020
O que defendo é que toda forma de sociedade capitalista incuba uma “tendência de crise” (ou contr... more O que defendo é que toda forma de sociedade capitalista incuba uma “tendência de crise” (ou contradição) sociorreprodutiva profundamente arraigada: de um lado, a reprodução social é uma condição de possibilidade da acumulação de capital continuada; de outro, a orientação do capitalismo para a acumulação ilimitada tende a desestabilizar os próprios processos de reprodução social dos quais ele depende. Essa contradição sociorreprodutiva do capitalismo está na raiz da chamada crise do cuidado. Conquanto seja inerente ao capitalismo enquanto tal, ela assume um aspecto diferente e distintivo em cada forma historicamente específica da sociedade capitalista – no capitalismo liberal, concorrencial, do século XIX; no capitalismo administrado pelo Estado do período do pós-guerra; e no capitalismo financeirizado neoliberal de nosso tempo. Os déficits de cuidado que experienciamos hoje são a forma tomada por essa contradição na terceira e mais recente fase do desenvolvimento capitalista.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2020
Tomando o caráter moderado dos protestos sociais recentes como seu ponto de partida, esta análise... more Tomando o caráter moderado dos protestos sociais recentes como seu ponto de partida, esta análise investiga as democracias liberais em seu estado atual, um estado em que a suposta crise do capitalismo entrou, ela própria, em crise - uma condição social de metacrise, marcada pela ausência de energias utópicas e da prospectiva de uma revolução -, ao mesmo tempo que a sociedade experiencia a si mesma em crise perpétua. Esta investigação apreende, então, o potencial de mudança radical pelo prisma da subversão do capitalismo (e não da derrubada dele ou da resistência a ele) através de práticas que combatam a própria dinâmica constitutiva do capitalismo - a produção de lucro.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2018
Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização. Ao multiplicarem ... more Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização. Ao multiplicarem tais termos, muitos observadores introduzem a hipótese de que estamos passando por uma "crise da democracia". Mas o que exatamente está em crise aqui? Defendo que as atuais aperturas da democracia são melhor compreendidas como expressões, sob condições contemporâneas historicamente específicas, de uma tendência geral à crise política que é intrínseca às sociedades capitalistas. Desenvolvo essa tese em três passos. Primeiro, proponho uma explicação geral da "contradição política do capitalismo" enquanto tal, sem referência a qualquer forma histórica particular. Em seguida, reconstruo Problemas de Legitimação no Capitalismo Tardio, livro de Jürgen Habermas publicado em 1973, como uma explicação da forma que essa contradição política assumiu numa fase específica da sociedade capitalista, a saber, o capitalismo estatalmente administrado do período subsequente à Segunda Guerra Mundial. Por último, esboço uma explicação dos problemas atuais da democracia como expressões da contradição política do capitalismo em sua presente fase, a financeirizada.
Dissonância: Revista de Teoria Crítica, 2018
Lukács formulou a famosa questão: “O que é marxismo ortodoxo?”. Sua resposta foi que certo método... more Lukács formulou a famosa questão: “O que é marxismo ortodoxo?”. Sua resposta foi que certo método seria a quintessência do marxismo. E se levantarmos a questão ortodoxa em relação à Teoria Crítica? Nesse caso, a resposta, proponho, não é um método particular. Além disso, o que é crítico na Teoria Crítica tampouco é – contrariamente às opiniões prevalentes na literatura – um programa de fundamentação. Na verdade, somente sem tal programa, a Teoria Crítica pode ser adequada e apropriadamente crítica. A posição que defendo retorna a insights dos escritos de Horkheimer dos anos 1930 (e à obra de Adorno). Entretanto, essa posição também é ortodoxa noutro sentido: ela toma a convicção de um interesse partidário – o interesse em abolir a injustiça social, a miséria e a falta de liberdade – como o único critério geral da Teoria Crítica. Sua tarefa é contribuir para a luta contra os elementos negativos mencionados mediante o trabalho conceitual, a autorreflexão e a apropriação crítica de insights genuínos da teorização tradicional. Concluo com uma breve delineação das implicações dessa posição para o modo de abordar a filosofia social (e especificamente a ideia de patologia social).
Book Reviews by Ivan Rodrigues
Cadernos de Filosofia Alemã, 2020
Resenha de: FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. ... more Resenha de: FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. Tradução de Nathalie Bressiani. São Paulo: Boitempo, 2020.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2018
Resenha de: HABERMAS, Jürgen. Na esteira da tecnocracia: pequenos escritos políticos XII. Traduçã... more Resenha de: HABERMAS, Jürgen. Na esteira da tecnocracia: pequenos escritos políticos XII. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora UNESP, 2014. 261 páginas.
Drafts by Ivan Rodrigues
Este artigo pretende, primeiro, sistematizar os caracteres gerais da teorização habermasiana da s... more Este artigo pretende, primeiro, sistematizar os caracteres gerais da teorização habermasiana da sociedade moderna; segundo, sublinhar a diferenciação conceitual entre modernidade e modernização como salto decisivo para a articulação de tal teorização, assim como para a crítica dela; terceiro, ressaltar que Habermas limita a pós-modernidade a uma contraposição discursiva, filosófica, à modernidade; e, por último, clarificar que Habermas, recentemente, tornou sua teoria da época moderna carente de uma profunda reconsideração, pois passou a compreender a sociedade moderna como uma sociedade mundial que abrange múltiplas modernidades.
A vasta e influente obra do teórico crítico alemão Jürgen Habermas tematiza, em momentos distinto... more A vasta e influente obra do teórico crítico alemão Jürgen Habermas tematiza, em momentos distintos e sob aspectos distintos, a democratização transnacional de uma sociedade mundial cindida entre Estados nacionais concorrentes, mas integrada pelo mercado capitalista global. Aqui se trata, primeiro, de expor como ele aborda esse tema em três livros distanciados uns dos outros por décadas inteiras, a cada vez de um ângulo diferente, a fim de compreender que, com tal tema, ele põe em foco um feixe de profundos e prementes problemas sociais que se espraiam por toda a formação atualmente predominante da sociedade mundial. Em segundo lugar, aqui se trata de explicitar e responder a três questões centrais em recentes contribuições habermasianas para a discussão teórica daquele tema. A primeira questão diz respeito às razões normativas que justificam a necessidade de uma democratização para além do nível nacional. A segunda é relativa ao ceticismo desencantado e supostamente realista que nega a viabilidade social da democratização transnacional, mas subscreve uma compreensão limitada e unilateral das possibilidades históricas abertas na modernidade. E a terceira questão concerne ao núcleo institucional imprescindível ao estabelecimento duradouro da democracia em todos os níveis políticos da sociedade mundial, não só no nível nacional.
Desde os anos 1960 até esta terceira década do século XXI, Jürgen Habermas continuadamente se esf... more Desde os anos 1960 até esta terceira década do século XXI, Jürgen Habermas continuadamente se esforça em construir uma teoria crítica da sociedade capitalista. A gama de seus esforços se corporifica numa prolífica sucessão de obras que, não raro bastante contrastantes, convergem na tentativa de dar conta de uma tarefa complexa: a elaboração de um diagnóstico de época (a) sensível aos fenômenos cotidianos da reificação social e a sua causação sistemática, bem como sensível às lutas coletivas por emancipação e ao potencial estrutural não esgotado de efetivação da autoconsciência, da autodeterminação e da autorrealização numa democracia radical; (b) embasado tanto na investigação científica como na reconstrução filosófica. Trata-se de uma tarefa tão complexa que Habermas jamais cogita realizá-la de modo exaustivo e definitivo. Em vez disso, ele concentra a maioria de seus esforços em construir um novo paradigma metateórico e um novo programa teórico que provejam um quadro filosófica e cientificamente consistente de conceitos-base e explicações-chave a partir do qual seja possível começar a realizar aquela tarefa. A construção do paradigma comunicativo e do programa da teoria da ação comunicativa é, então, feita por ele em intenso diálogo com a herança filosófica, as elaborações científicas disponíveis e tentativas outras de teorização crítica da sociedade capitalista. Além disso, essa construção impõe a si mesma, no decorrer do tempo, amplas modificações motivadas por profundas mudanças sociais e novos desdobramentos nas ciências e na filosofia. Em todo caso, Habermas articula um novo quadro teórico que (a) tem como eixo tanto a sociologia, ou melhor, a teoria da sociedade enquanto teoria da ação social e da racionalização social, como a filosofia enquanto teoria da racionalidade; (b) adota como estratégia a reconstrução dos pressupostos linguístico-pragmáticos da ação e da fala, a reconstrução dos estágios sucessivos da evolução social e do desenvolvimento do eu, bem como a reconstrução da história da teoria da sociedade; (c) propõe-se reformular o materialismo histórico marxiano e, especialmente, articular o teor normativo da modernidade, bem como elucidar o capitalismo como uma formação social moderna que, distorcendo sistematicamente a reprodução simbólica da sociedade em nome da dominação e da autovalorização do capital, impede que os indivíduos e os grupos sociais construam autonomamente suas formas coletivas de vida e seus estilos pessoais de vida sobre espaços institucionais nacionais e transnacionais democráticos. Esse rico quadro teórico, não obstante, é passível de várias críticas filosóficas e científicas que derivam, todas, do embotamento extremo a que Habermas expressamente submete a economia política e a crítica da ideologia. A sociologia, representada pela teoria dos sistemas, não consegue substituir completamente a investigação científica dos aspectos centrais da economia capitalista e a reflexão filosófica sobre as categorias econômicas fundamentais; nem o procedimento de reconstrução racional consegue eliminar a necessidade de uma crítica da legitimação ilusória do Estado capitalista e da democracia meramente formal. Apesar dessas graves limitações do programa da teoria da ação comunicativa, é possível partir do próprio paradigma comunicativo para reconstruir o materialismo histórico habermasiano, reincorporando a ele a economia política e a crítica da ideologia. As principais implicações programáticas resultantes equivalem a três tarefas que cabe a uma teoria crítica da sociedade capitalista realizar hoje: (a) delinear uma economia política não economicista e não nacionalista; (b) explicar a ideologia como produto simbólico reificado e processo simbólico reificador e dar-lhe uma reconceituação linguístico-pragmática; (c) explicitar o teor normativo econômico básico da justiça social, da autorrealização individual e coletiva e da democracia.
Dois Pontos, 2022
Em Facticidade e Validade, a forma-direito é um conceito central que possibilita a Habermas: enfo... more Em Facticidade e Validade, a forma-direito é um conceito central que possibilita a Habermas: enfocar a dimensão institucional do direito; elucidar a problemática da legitimação do direito; realizar uma abordagem funcionalista do direito propícia a reconstrui-lo racionalmente; e explicitar o sistema dos direitos fundamentais. Entretanto, Habermas não procede a uma análise sistemática do nexo funcional entre a forma-direito e o modo de produção de mercadorias. Por isso, ele deixa de prover uma compreensão mais abrangente e mais crítica da forma-direito e das possibilidades emancipatórias na sociedade capitalista.
Princípios: Revista de Filosofia, 2018
Fabian Freyenhagen, muito recentemente, propôs a tese de que a Teoria Crítica estaria condenada a... more Fabian Freyenhagen, muito recentemente, propôs a tese de que a Teoria Crítica estaria condenada a deixar de fundamentar seus critérios de julgamento da sociedade. Para ele, Horkheimer teria, em seu famoso ensaio “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, publicado há oitenta anos, fundado uma ortodoxia teórico-crítica impermeável a programas de fundamentação. Neste artigo, trata-se de contrapor à tese de Freyenhagen uma interpretação diferente de “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”, uma que não exclui, de antemão e definitivamente, a necessidade teórico-crítica de fundamentação. Além disso, trata-se de delinear três razões pelas quais a Teoria Crítica pode vir a requerer que seus critérios sejam fundamentados.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2017
Neste artigo, sublinha-se a renovação da crítica do capitalismo pelas teóricas críticas contempor... more Neste artigo, sublinha-se a renovação da crítica do capitalismo pelas teóricas críticas contemporâneas Albena Azmanova, Nancy Fraser e Rahel Jaeggi (1). Em seguida, aponta-se como Rahel Jaeggi destaca-se com uma elaboração metateórica que visa aprofundar eticamente as dimensões funcional e moral da crítica do capitalismo (2). Por último, defende-se que, apesar dos ganhos da contribuição jaeggiana, é necessário desdobrar politicamente a crítica do capitalismo para mostrar como o capitalismo é, em vez de uma ordem puramente econômica e economicamente inelutável, uma ordenação político-econômica, politicamente engendrada e imposta, que fetichiza as relações de produção capitalistas e naturaliza a heteronomia econômica (3).
Em "Zur Verfassung Europas" (ZVE), Habermas propôs uma democracia transnacional. Supondo que essa... more Em "Zur Verfassung Europas" (ZVE), Habermas propôs uma democracia transnacional. Supondo que essa proposta seja convincente, supondo que a necessidade e a desejabilidade, a possibilidade e a realizabilidade de uma democracia transnacional tenham adquirido, em ZVE, um respaldo teórico sólido, restaria, contudo, uma interrogação não respondida: Por que uma democracia transnacional necessitaria de uma constituição global? Trata-se de interrogar por que Habermas não se eximiu de acrescentar a sua proposta uma constituição global; por que, para ele, o projeto de universalização da soberania popular segue de mãos dadas com o projeto de constitucionalização do direito internacional.
O problema com o qual se ocupa este artigo é detectar o “calcanhar de Aquiles” da democracia con... more O problema com o qual se ocupa este artigo é detectar o “calcanhar de Aquiles” da democracia constitucional sob as condições tardias da sociedade moderna, caracterizada por um alto nível de diferenciação funcional (e auto-organização formal) da economia capitalista, a qual adquire a primazia material, mas, ao mesmo tempo, não prescinde da complementação do estado burocrático, o qual desempenha funções de intervenção marginal e reparadora no mercado capitalista para resolver os déficits emergentes de seu funcionamento autorregulado. Dada uma sociedade estruturalmente dependente (quanto à reprodução material) do consórcio funcional entre capitalismo e burocracia, onde a democracia constitucional pode ser atacada sem que ofereça suficiente capacidade de resistência interna?
O objetivo deste artigo é, por um lado, apresentar a concepção de direitos humanos de Joseph Raz ... more O objetivo deste artigo é, por um lado, apresentar a concepção de direitos humanos de Joseph Raz e, por outro lado, levantar objeções críticas contra ela. A relevância de tal duplo empreendimento abrange dois níveis: (1) o nível metateórico acerca de quais são as tarefas designáveis a uma teoria dos direitos humanos, acerca de qual é a relação entre teoria e prática dos direitos humanos, acerca de quais são os contextos argumentativo-práticos de tematização teórica dos direitos humanos, acerca de qual é a relação entre moral e política na qual se inscrevem os direitos humanos; (2) o nível teórico quanto à delimitação conceitual dos direitos humanos, quanto à fundamentação moral dos direitos humanos, quanto à função política dos direitos humanos, quanto aos abusos estratégicos do recurso cínico aos direitos humanos.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2022
Que conexão há entre o vagalhão populista e a queda do apoio eleitoral às tradicionais posições i... more Que conexão há entre o vagalhão populista e a queda do apoio eleitoral às tradicionais posições ideológicas à esquerda? Como podemos explicar o declínio da esquerda sob condições que deveriam estar catapultando-a para o poder? Argumento que a esquerda, na sua reação tanto à hegemonia neoliberal como à ascensão do populismo, está afetada pelo que Nietzsche chamou de “preconceito democrático” – o reflexo de ler a história como o advento e a crise da democracia. Em decorrência disso, a esquerda tenta agora recuperar a democracia por meio da ressurreição do conjunto de políticas de crescimento-e-redistribuição característico da “era dourada” da social-democracia nas três décadas após a Segunda Guerra Mundial. Esse gesto nostálgico, todavia, está levando a esquerda a outro impasse, àquilo que chamo de “paradoxo da emancipação” – ao lutar por igualdade e inclusão como condições essenciais da cidadania democrática, a esquerda está validando a ordem social no interior da qual ela está buscando igualdade e inclusão, a saber, a ordem social moldada pela produção concorrencial de lucro, a qual é a causa básica pela qual as nossas sociedades se encontram encalacradas. Concluo a análise propondo a construção de uma contra-hegemonia contra o capitalismo neoliberal mediante o alargamento do enfoque da esquerda, de modo a que a esquerda não se restrinja às suas preocupações tradicionais com a desigualdade e a exclusão, mas dê conta também da injustiça da crescente insegurança social e econômica – um dano cujo alcance vai além dos trabalhadores pobres. Uma agenda reformulada de justiça social que tenha como eixo questões de insegurança econômica que atravessam a “clivagem de classes” possibilitaria à esquerda mobilizar uma ampla coalizão de forças sociais para a transformação radical e duradoura em direção à democracia socialista.
Princípios: Revista de Filosofia (UFRN), 2020
O que defendo é que toda forma de sociedade capitalista incuba uma “tendência de crise” (ou contr... more O que defendo é que toda forma de sociedade capitalista incuba uma “tendência de crise” (ou contradição) sociorreprodutiva profundamente arraigada: de um lado, a reprodução social é uma condição de possibilidade da acumulação de capital continuada; de outro, a orientação do capitalismo para a acumulação ilimitada tende a desestabilizar os próprios processos de reprodução social dos quais ele depende. Essa contradição sociorreprodutiva do capitalismo está na raiz da chamada crise do cuidado. Conquanto seja inerente ao capitalismo enquanto tal, ela assume um aspecto diferente e distintivo em cada forma historicamente específica da sociedade capitalista – no capitalismo liberal, concorrencial, do século XIX; no capitalismo administrado pelo Estado do período do pós-guerra; e no capitalismo financeirizado neoliberal de nosso tempo. Os déficits de cuidado que experienciamos hoje são a forma tomada por essa contradição na terceira e mais recente fase do desenvolvimento capitalista.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2020
Tomando o caráter moderado dos protestos sociais recentes como seu ponto de partida, esta análise... more Tomando o caráter moderado dos protestos sociais recentes como seu ponto de partida, esta análise investiga as democracias liberais em seu estado atual, um estado em que a suposta crise do capitalismo entrou, ela própria, em crise - uma condição social de metacrise, marcada pela ausência de energias utópicas e da prospectiva de uma revolução -, ao mesmo tempo que a sociedade experiencia a si mesma em crise perpétua. Esta investigação apreende, então, o potencial de mudança radical pelo prisma da subversão do capitalismo (e não da derrubada dele ou da resistência a ele) através de práticas que combatam a própria dinâmica constitutiva do capitalismo - a produção de lucro.
Cadernos de Filosofia Alemã, 2018
Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização. Ao multiplicarem ... more Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização. Ao multiplicarem tais termos, muitos observadores introduzem a hipótese de que estamos passando por uma "crise da democracia". Mas o que exatamente está em crise aqui? Defendo que as atuais aperturas da democracia são melhor compreendidas como expressões, sob condições contemporâneas historicamente específicas, de uma tendência geral à crise política que é intrínseca às sociedades capitalistas. Desenvolvo essa tese em três passos. Primeiro, proponho uma explicação geral da "contradição política do capitalismo" enquanto tal, sem referência a qualquer forma histórica particular. Em seguida, reconstruo Problemas de Legitimação no Capitalismo Tardio, livro de Jürgen Habermas publicado em 1973, como uma explicação da forma que essa contradição política assumiu numa fase específica da sociedade capitalista, a saber, o capitalismo estatalmente administrado do período subsequente à Segunda Guerra Mundial. Por último, esboço uma explicação dos problemas atuais da democracia como expressões da contradição política do capitalismo em sua presente fase, a financeirizada.
Dissonância: Revista de Teoria Crítica, 2018
Lukács formulou a famosa questão: “O que é marxismo ortodoxo?”. Sua resposta foi que certo método... more Lukács formulou a famosa questão: “O que é marxismo ortodoxo?”. Sua resposta foi que certo método seria a quintessência do marxismo. E se levantarmos a questão ortodoxa em relação à Teoria Crítica? Nesse caso, a resposta, proponho, não é um método particular. Além disso, o que é crítico na Teoria Crítica tampouco é – contrariamente às opiniões prevalentes na literatura – um programa de fundamentação. Na verdade, somente sem tal programa, a Teoria Crítica pode ser adequada e apropriadamente crítica. A posição que defendo retorna a insights dos escritos de Horkheimer dos anos 1930 (e à obra de Adorno). Entretanto, essa posição também é ortodoxa noutro sentido: ela toma a convicção de um interesse partidário – o interesse em abolir a injustiça social, a miséria e a falta de liberdade – como o único critério geral da Teoria Crítica. Sua tarefa é contribuir para a luta contra os elementos negativos mencionados mediante o trabalho conceitual, a autorreflexão e a apropriação crítica de insights genuínos da teorização tradicional. Concluo com uma breve delineação das implicações dessa posição para o modo de abordar a filosofia social (e especificamente a ideia de patologia social).
Cadernos de Filosofia Alemã, 2020
Resenha de: FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. ... more Resenha de: FRASER, Nancy; JAEGGI, Rahel. Capitalismo em debate: uma conversa na teoria crítica. Tradução de Nathalie Bressiani. São Paulo: Boitempo, 2020.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2018
Resenha de: HABERMAS, Jürgen. Na esteira da tecnocracia: pequenos escritos políticos XII. Traduçã... more Resenha de: HABERMAS, Jürgen. Na esteira da tecnocracia: pequenos escritos políticos XII. Tradução de Luiz Repa. São Paulo: Editora UNESP, 2014. 261 páginas.
Este artigo pretende, primeiro, sistematizar os caracteres gerais da teorização habermasiana da s... more Este artigo pretende, primeiro, sistematizar os caracteres gerais da teorização habermasiana da sociedade moderna; segundo, sublinhar a diferenciação conceitual entre modernidade e modernização como salto decisivo para a articulação de tal teorização, assim como para a crítica dela; terceiro, ressaltar que Habermas limita a pós-modernidade a uma contraposição discursiva, filosófica, à modernidade; e, por último, clarificar que Habermas, recentemente, tornou sua teoria da época moderna carente de uma profunda reconsideração, pois passou a compreender a sociedade moderna como uma sociedade mundial que abrange múltiplas modernidades.
A vasta e influente obra do teórico crítico alemão Jürgen Habermas tematiza, em momentos distinto... more A vasta e influente obra do teórico crítico alemão Jürgen Habermas tematiza, em momentos distintos e sob aspectos distintos, a democratização transnacional de uma sociedade mundial cindida entre Estados nacionais concorrentes, mas integrada pelo mercado capitalista global. Aqui se trata, primeiro, de expor como ele aborda esse tema em três livros distanciados uns dos outros por décadas inteiras, a cada vez de um ângulo diferente, a fim de compreender que, com tal tema, ele põe em foco um feixe de profundos e prementes problemas sociais que se espraiam por toda a formação atualmente predominante da sociedade mundial. Em segundo lugar, aqui se trata de explicitar e responder a três questões centrais em recentes contribuições habermasianas para a discussão teórica daquele tema. A primeira questão diz respeito às razões normativas que justificam a necessidade de uma democratização para além do nível nacional. A segunda é relativa ao ceticismo desencantado e supostamente realista que nega a viabilidade social da democratização transnacional, mas subscreve uma compreensão limitada e unilateral das possibilidades históricas abertas na modernidade. E a terceira questão concerne ao núcleo institucional imprescindível ao estabelecimento duradouro da democracia em todos os níveis políticos da sociedade mundial, não só no nível nacional.